IBGE aponta: "Muita terra na mão de poucos"

O Censo Agropecuário, que visitou mais de cinco milhões de fazendas em 2006 e foi divulgado ontem pelo IBGE, mostrou que há muita terra na mão de poucos. O Índice de Gini do uso do solo no Brasil é de 0,872, muito próximo de um, o que indicaria o nível máximo de concentração.

Se a desigualdade de renda no Brasil já escandaliza, a concentração no uso da terra impressiona ainda mais. E o que é mais grave: a distribuição piorou nos últimos dez anos.

Em 1996, quando foi feito o último censo, a taxa era de 0,856. A concentração na terra é 67% superior à da renda no país, que já apresenta um grau de desigualdade entre os maiores do mundo. Em outra comparação, o Brasil tem uma concentração de terra pior que a Namíbia na distribuição de renda. No país africano, o Gini da renda é de 0,72. Entre os estados, os mais concentradores são Alagoas (0,871) e Mato Grosso (0,865).

— É uma concentração gigantesca, é imoral. Esse dado dá força para a reforma agrária, o único programa que faz redistribuição de patrimônio — afirmou a socióloga Brancolina Ferreira, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na área de desenvolvimento rural.

Diante dessa concentração, o número de trabalhadores no campo vem diminuindo ano a ano. Em dez anos, deixaram de trabalhar nas lavouras 1,363 milhão de pessoas.

Hoje, ainda são 16,5 milhões, o correspondente a 18,9% da população ocupada do país em 2006.

Cesta básica na agricultura familiar

Para especialistas, a agropecuária voltada para exportação — o chamado agronegócio da soja, cana-de-açúçar e pecuária — exige muito investimento e produção em escala, o que agrava o quadro de concentração.

— O Brasil desenvolveu uma agricultura para competir lá fora. Precisa de escala para competir. O que acaba liberando mão de obra. Isso é fenômeno de décadas. É uma estrutura montada pelo mercado, com pouco respaldo do Estado — afirma Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores.

Severino Sebastião da Silva, do interior de Pernambuco, e Eraí Maggi Scheffer, de Cuiabá, são dois produtores rurais. O que os separa são 249 mil hectares. O primeiro, um pequeno agricultor que planta batata doce, aipim e inhame, tem apenas um hectare de terra. O segundo, o maior produtor de soja do mundo, administra 250 mil hectares. O patrimônio de Silva se resume a uma casa de três cômodos, à jumenta Tieta e a um bezerro esquálido, que a família chama de Frank Caldeira, por ser “tão magro” quanto o atleta corredor. Analfabeto, ele nunca teve acesso a banco e não sabe calcular bem perdas e lucros.

— Nunca consigo tirar um salário mínimo por mês. Na feira, a cada semana, volto para casa com cerca de R$ 60 no bolso. Dinheiro para comprar feijão, farinha, carne, fubá, a comida da família.

A área que ele tem para trabalhar é tão pequena que esse ano doou aos vizinhos as sementes de milho e feijão que recebeu do governo.

— Elas chegaram muito tarde. Quando recebi não tinha mais espaço para plantar. Comer, não podia. Então, dei para quem não tinha.

Na região que mais aumentou a área de lavoura em dez anos, o Centro-Oeste, está o paranaense Eraí Maggi Scheffer. Aos 50 anos, comanda uma empresa que planta em 250 mil hectares (ou 250 mil campos de futebol) e deve faturar R$ 910 milhões este ano.

Do total de seu território de produção, cem mil hectares são áreas próprias, o restante é arrendado de outros agricultores.

Apesar de ilustrar as estatísticas da evolução da concentração de terras no Brasil, Maggi Scheffer não admite o rótulo de latifundiário.

— Tenho terra para produzir, não para especular. Terra serve para gerar alimentos, render divisas, melhorar a qualidade de vida. Quem não faz isso está prejudicando o Brasil e deve dar lugar a outro — diz o empresário, primo do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), de quem herdou o título de “Rei da Soja”. Suas fazendas empregam quatro mil pessoas.

A desigualdade secular está expressa também na participação das pequenas propriedades como a de Severino (até dez hectares) na área total das fazendas. Permanece em 2,7% desde 1985. Enquanto as com mais de mil hectares, como a de Scheffer, concentram mais de 43% da área.

Até na agricultura familiar, que está presente em 84,4% das fazendas, a desigualdade impera. Esses estabelecimentos respondem por apenas 24,3% da área das fazendas. Mesmo assim, a agricultura familiar é a principal responsável pelo abastecimento dos itens da cesta básica. Produz 87% da mandioca, 70% do feijão e emprega 74,4% dos trabalhadores no campo.

Mais demarcações, menos cultivo

Apesar de área total de plantio e pecuária ter caído nos últimos dez anos, a área de matas e florestas dentro dos estabelecimentos ficaram 11% menor, uma perda de 12,1 milhões de hectares. Segundo Antonio Florido, coordenador do Censo Agropecuário, a redução na área de cultivo foi causada pela demarcação de terras indígenas e de conservação:

— A área diminuiu, mas a produção aumentou. Vemos isso em todas as culturas, o crescimento forte da produtividade.

Fonte: Jornal O Globo, 01-10-2009. 

 

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