A moda criativa de frio da Recid Centro-Oeste

O 6º Encontro da RECID Centro-Oeste, na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, com o tema ‘Impactos do Capital no Centro–Oeste’ e o lema ‘Resistência dos Povos pela Vida nos Biomas do Centro-Oeste’, foi marcado pelo frio. Quem escolheu o lugar do Encontro por ser turístico e frio teve direito a tudo e um pouco mais.

 

 

A Chapada dos Guimarães, a 60 km de Cuiabá, o Portal da Amazônia ou a Capital do Pantanal, é um enorme paredão de pedras e rochas cercado de cachoeiras e belos lugares naturais. Antes de viajar, avisaram para me não esquecer do casaco.

Como, na seqüência, eu ia pro sul, já estava prevenido. Ou achava que estava. Sexta, levanto de manhã, silêncio total na casa de formação dos luteranos, ponho o nariz pra fora do quarto, passo os dedos nos olhos para ver se estão bem abertos e confirmar mesmo o que estou vendo, vou pro refeitório e digo para todos: “Estou me sentindo no Rio Grande.” Ou, em outra versão, “nem no Rio Grande é assim no inverno”.

Um nevoeiro denso que não permitia enxergar mais de dez ou quinze metros, uma chuvinha fina parecendo neve, um vento geladérrimo e cortante igual ou pior que o minuano mais gelado do pampa gaúcho, temperatura perto de zero grau: daí o silêncio geral na casa dos mais de cinqüenta participantes, todos acordando aos poucos, chegando devagarinho para um café mais que quente e necessário. Até o trânsito na estrada Cuiabá-Chapada foi interrompido até a metade da manhã por falta de visibilidade.

O melhor do Encontro, fora o frio e os debates acalorados, foi a moda Recid Centro-Oeste. Tinha de tudo, tanto que propus um desfile e que o Willian e o Diego colocassem fotos no site da Rede para conhecimento geral. Tinha esquimós e ‘esquimoas’, turcos e turcas, muçulmanos e muçulmanas, bispos e cardeais, príncipes africanos, todos enrolados em mantas, xales, burcas, gorros, palas, cobertores, bonés, casacos, casaquinhos e casacões e tudo mais que houvesse à mão, sem deixar de faltar a cachacinha mineira e um vinho tinto seco meio ruim, que espantava todas as tristezas e friagens. Só faltou mesmo o cobertor de orelhas ou a saudade imensa dele ou dela lá longe.

Não faltaram danças e sapateados, desde a oficina de dança e história cigana coordenada pela Luna, a oficina de musicalização com ritmos do cerrado e nordestinos da Martinha do Coco, até a oficina de palhaços de rua do Chico de Brasília. E dê-lhe brincadeiras, alegria, cirandas e agitos gerais. Tudo esquentava a alma, o coração e o corpo inteiro, de baixo até em cima, do último cabelo à planta dos pés. Só as crianças, presentes em bom número, não se importavam muito e teimavam em ir para os corredores e o frio.

Os gaúchos e seus descendentes, como sempre nestas paragens, eram personagens imprescindíveis, pro bem e pro mal. Pro bem, porque religiosos e religiosas, militantes sociais e políticos vieram do sul para animar a luta do povo. Pro mal, porque outros gaúchos trouxeram a soja e o gado junto com o desmatamento e as agressões ao meio ambiente. Diz que quando Cabral chegou às praias brasileiras alguém gritou do alto do mastro do navio: “Terra à vista!” Mais que depressa, ao longe, um gaúcho presente gritou: “Se for a prazo e com prestações, eu compro tudo!”

E descobri algo inusitado. No mural da sala onde se realizava a plenária, havia um pequeno cartaz. Formando um quadrado, mãos de crianças rodeavam o seguinte texto: “Die Kinder aus dem Lebensverein aus Porto dos Gaúchos, danken, von allem Herz, die gute Hielfe von 725 euros, die sie bekommen haben”. Traduzindo: “As crianças da Sociedade Viver do Porto dos Gaúchos agradecem de todo coração a boa ajuda de 725 euros que receberam.” Um texto de agradecimento em alemão em plena Chapada dos Guimarães, vinda do Porto dos Gaúchos.

Mesmo com todo frio, não faltou reflexão e estudo (o detalhamento deixo para outros): o avanço do capitalismo no Centro-Oeste, as novas tendências do desenvolvimento. E preparação para o futuro: a resistências de indígenas e quilombolas, as lutas dos jovens e o hip-hop, o papel da Rede de Educação Cidadã, a esperança que se renova.

Nunca pensei passar tanto frio em algum lugar do Brasil fora do Rio Grande. Mas o aquecimento da solidariedade, o calor militante de lutadores e lutadoras suplantou o frio da rua, da neblina e do vento.

Selvino Heck
Em vinte de julho de dois mil e dez

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