Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – 2010

Cartaz da V Semana pela Democom em Vitória (ES)

O dia 17 de outubro marca a urgente e necessária luta pela democratização da comunicação no Brasil. Todos os anos, esta data e semana são marcadas por várias atividades em todo o país. E 2010 não poderia ser diferente.

A concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos já é um assunto bastante debatido no Brasil há muitos anos.

Desde a opção pelo modelo midiático1 implantado no país, com suas bases no capital e sua estrutura diretamente vinculada aos interesses empresariais e políticos, sob a tutela do Estado e a batuta do mercado, a comunicação no Brasil sempre esteve no centro da disputa hegemônica de diferentes projetos de sociedade.

Com o passar dos anos, à medida que o movimento pela democracia no país conquistou avanços, a partir das lutas de diferentes frentes e setores, ficou mais claro o quanto o acesso aos meios e estruturas de comunicação e difusão de ideias e produções simbólicas é fundamental no processo que coloca em disputa projetos societários e visões de mundo distintos. Os movimentos populares e democráticos viveram na pele o grande poder que a Mídia2 exerce no Brasil, levando ao retrocesso várias conquistas históricas.

Globo-manipula-sorriaA “grande” Mídia no Brasil se construiu a partir de relações políticas planejadas e se consolidou como é hoje graças a acordos que asseguraram o controle de elites políticas locais e regionais e em uma escala maior uma centralização na produção de conteúdo, visando também a consolidação de um projeto nacional amplo com uma rede de distribuição desse conteúdo produzido em sintonia com as estruturas de poder e a garantia do agendamento político dentro do que é considerado “público” (decisão do que é importante ou não).

Um grande exemplo desta realidade são as Organizações Globo, que se consolidaram durante o período ditatorial militar servindo como implementadora do projeto integrador do regime e desde então se firmou como a mais poderosa estrutura midiática da América do Sul, possuindo um grande conglomerado comunicacional com rádios, jornais, estúdios de produção e retransmissoras de televisão, portal na internet, etc., com uma abrangência que ultrapassa os limites nacionais.

E mesmo que esse suntuoso oligopólio contrarie e viole a Constituição Federal aprovada em 1988, pouco é feito pelas estruturas de poder da República para conter esse acúmulo indevido, o que nos leva a crer que a dependência mútua destes atores é mais orgânica e visceral (pra não dizer promíscua) do que corriqueiramente somos levados a crer.

Se observarmos bem o 5º do Artigo 220 da Constituição, podemos ver claramente o que está sendo identificado aqui como uma grande ofensa à nossa democracia:

• 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

E ainda, ao que pesem frágeis justificativas técnicas e normativas, a perseguição sistemática a outros meios que não se encaixam neste modelo oligopólico como as Rádios Livre e Comunitárias, não encontra respaldo sólido na Constituição Federal, que assegura:

Art. 5º/ Inc. IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Ou na redação do Artigo nº 220:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição

É importante dizer que esse oligopólio, para além das Organizações Globo, é exercido por algumas poucas famílias (Civita, Frias…), que se apresentam normalmente como “Bastiões da Verdade” e diante de qualquer questionamento de seu poder e veiculação de notícias alardeam estarem sendo vítimas de “censura”, mesmo que estejam contrariando leis e a própria Constituição.

Veja_10_de_julho_de_2010O processo eleitoral de 2010 é a prova mais cabal do quanto esse modelo concentrado de mídia no Brasil é prejudicial à democracia. A Mídia vem atuando como um partido político conservador (PIG3, para alguns) rebaixando a discussão de projetos políticos inerentes à eleição e ao futuro e trazendo ininterruptamente ao centro dos debates uma série de escandalosos factóides, revivendo e notorizando arcaicas demonstrações fundamentalistas e desviando o foco de acordo aos seus interesses (políticos, mercadológicos, e recentemente com mais veemência, religiosos).

Fica clara aqui a necessidade de construirmos novas formas de comunicação em contraposição a este modelo concentrador e vertical. Esta não é uma proposição nova e nem se tornou mais importante dada a conjuntura. Está na pauta de movimentos e organizações que atuam na área há anos e apenas se evidencia diante da barbárie midiática em que estamos imersos na sociedade brasileira.

Outras visões

A comunicação é uma categoria de análise e campo de atuação bastante abrangente. Os entendimentos vão desde a “comunicação enquanto diálogo e presente em qualquer relação humana” (conceito freireano) até uma reserva específica laboral no mercado de trabalho, recorte defendido por muitos profissionais da área.

Aqui, não há o interesse em realizar uma disputa conceitual sobre o que vem a ser ou o que se caracteriza comunicação. Nossa opção é tratar o tema de forma pragmática diante da concentração e do poder midiático no Brasil e das possibilidades de sua superação.

São muitas as experiências e grupos envolvidos nessa batalha cotidianamente. As táticas, ações, formatos também são bastante diversificados. A campanha que estimulou a elaboração deste texto é uma destas ações – Semana Nacional de luta pela Democratização da Comunicação (ou, pra ficar mais fácil, Semana da Democom).

Essa campanha ganhou peso em 2003, quando uma convergência de indivíduos e coletivos como a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos), o Centro de Mídia Independente (CMI Brasil) e o Intervozes, se mobilizou em u
ma série de atividades e elegeu uma semana de outubro como referência para ações programadas e descentralizadas (inspirados pelo Media Democracy Day, dia mundial, pela democratização da mídia, que é o dia 18 de outubro).

Rdio_LivreA data escolhida no Brasil como Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação foi 17 de outubro (o mais certo é que essa data acabou sendo escolhida por conveniência em relação ao calendário…) e em sua semana sempre ocorrem atividades em todo o país. Estudantes se mobilizam onde existem cursos de comunicação social; rádios livres e comunitárias são montadas e ampliadas (inclusive com transmissões em rede); encontros, debates e seminários em vários espaços onde atuam organizações da sociedade civil e em alguns casos do governo; ações diretas contra o aparato repressivo do Estado e a falta de espaço para difusão de ideias contra-hegemônicas; etc.

É certo que uma semana é pouco diante do bombardeio cotidiano a que estamos expostos no dia-a-dia e que é uma luta ainda visualizada como na alegoria mítica de “Davi contra Golias”, mas são estas ações que mobilizam e movem sonhos, corpos e corações a um processo de produção mais democrático e horizontal na comunicação.

A verticalização e concentração de poder se combate em territórios que vão além do campo das ideias. É nas práticas, ainda que pequenas, que se dão experiências de um porvir que desejamos. Assegurar o direito inalienável à comunicação através da ação transcende a mera percepção legal da vida que, muitas vezes, nos limitam em visões formatadas e hegemônicas que acabam por nos imobilizar diante das possibilidades históricas.

O advento e propagação da internet nos últimos anos, com certeza, alteraram o cenário do acesso e das lutas pela democratização no país e no mundo. Hoje, as informações fluem a partir de vários produtores, circula de maneira mais virtuosa com constante alimentação. Também dentro da órbita de influência e vivência da internet estão atuando valorosos(as) combatentes do Conhecimento Livre, trazendo à pauta do dia a questão do Direito Autoral, o compartilhamento do conhecimento e a liberdade e solidariedade na produção de conteúdo.

Porém, não podemos simplesmente nos contentar com este novo meio quando o grande alcance popular ainda está focado em outros formatos como a TV e o Rádio.

Dado esse contexto, a Semana da Democom se reafirma como urgente e necessária, nos alertando mais uma vez da importância de ainda nos apropriarmos destes espaços e estruturas ainda concentrados e inacessíveis, que consomem recursos públicos e ininterruptamente produzem conteúdos mais afinados com o individualismo que com um projeto solidário e coletivista.

Para o avanço de projetos populares, o certo seria trazermos a intensidade da Semana da Democom para o cotidiano do ano inteiro, fazendo frente assim de forma mais organizada e sistêmica ao aparato midiático instituído. E esse papel cabe a cada um(a) de nós, educadores/as, comunicadores, trabalhadores/as, desempregados/as… enfim, todos/as que sonhamos com um outro mundo possível.

E onde entra a Recid?

comunicacao-saomigueloesteNesta semana, e para além dela, é necessário fazermos valer o que queremos construir como política de comunicação da Recid: “consolidar a comunicação como um processo coletivo de construção do conhecimento, de humanização, de diálogo, de relações horizontalizadas e de expressão da diversidade, à luz do Projeto Político Pedagógico, tendo em vista a perspectiva da transformação social”.

Um passo político importante, além da reflexão e das experiências concretas , é se integrar, como Recid, às lutas de outros coletivos da socidade civil (intervozes, CMI, Comitê Pela Democratização da Comunicação, Rede de Mulheres no Rádio e outros) para avançar rumo à outra comunicação que sonhamos e queremos construir.

O povo que ousa sonhar, constrói uma comunicação livre e popular!

 

Acesse o Blog e acompanhe a programação da Democom2010: 8ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação

 

Citações e Referências:

1 – Modelo este bem apresentado no texto “Ética, mídia e reforma políticae no segundo capítulo do livro “MÍDIA – Crise Política e Poder no Brasilintitulado “Revisitando as sete teses sobre mídia e política no Brasil“, ambos do professor Venício Lima e disponíveis no site da Recid. 

2 – Sobre Mídia, nos referimos à “indústria da cultura, isto é, às emissoras de rádio e de televisão (aberta e paga), aos jornais, às revistas e ao cinema, portadores do que se chama de comunicação de massa (…) entendida aqui como o conjunto das instituições que utiliza tecnologias específicas para realizar a comunicação humana. Vale dizer que a instituição mídia implica sempre a existência de um aparato tecnológico intermediário para que a comunicação se realize. A comunicacão passa, portanto, a ser uma comunicação midiatizada Esse é um tipo específico de comunicação, realizado através de instituições que aparecem tardiamente na história da humanidade e constituem-se em um dos importantes símbolos da modernidade. Duas características da comunicação midiatizada são sua unidirecionalidade e a produção centralizada, integrada e padronizada de seus conteúdos”, em concordância com o professor Venício Lima. 

3 – “Partido da Imprensa Golpista” – Expressão criada por internautas brasileiros e popularizada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim. O termo “PIG” é usado para se referir a órgãos de imprensa e jornalistas tidos como adeptos da direita política, que se utilizariam da chamada grande mídia como meio de propagar suas ideias e tentar desestabilizar governos de orientação política de esquerda. Fonte: Wikipedia.

Um comentário em “Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – 2010

  1. – Identifique a estrutura dos meios de comunicação no Brasil (pública e privada).

    – A liberdade de expressão e o acesso à informação formam uma das bases do Sistema Democrático de governar e são o suporte do qual depende a sua própria sobrevivência. Porquê?

    – Como a mídia e as informações podem se tornar meios manipuladores da formação da opinião pública e podem transmitir informações distorcidas impedindo que o verdadeiro conhecimento se socialize? A mídia no Brasil é imparcial nas suas análises e cumpre com o seu papel democrático de informar? Porquê?

    O que vcs diriam sobre esses aspectos??

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