CONTAR COM E TER CERTEZA DE…

 

A luta histórica pela afirmação dos direitos humanos é o motor para que as pessoas tenham conquistas efetivas. Mas, esta luta encontra entre nós uma fenda  entre “contar com” os direitos humanos e “ter certeza de” que os direitos humanos serão efetivos no cotidiano. 

 

Neste artigo, Paulo C. Carbonari dialoga na construção de direitos humanos como garantia, ou seja, “ter certeza de” sua efetivação. Os educadores da Recid tem se voltado a aprofundar o diálogo entre as contradições do Governo Dilma, tendo como lema ‘um país rico é país sem pobreza’, surgem questões acerca de um modelo desenvolvimento que possa conciliar crescimento econômico com justiça social que, necessariamente passa pelo campo da defesa, promoção e garantia dos direitos humanos. 

 

Paulo César Carbonari* 

 

A luta histórica pela afirmação dos direitos humanos é o motor para que as pessoas tenham conquistas efetivas. Mas, esta luta encontra entre nós uma fenda [que em alguns casos chega a ser um abismo] entre “contar com” os direitos humanos e “ter certeza de” que os direitos humanos serão efetivos no cotidiano.

“Contar com” direitos humanos é uma condição fundamental que traduz no conteúdo da dignidade humana. Os humanos constroem mediações que expressam o conteúdo a dignidade e chamam a isso de direitos humanos. Este conteúdo é histórico, visto que resulta da compreensão e das práticas que são reconhecidas como aquelas que afirmam o sujeito de direitos com ser em dignidade e direitos humanos. As lutas daqueles sujeitos sujeitados pelas desigualdades, pela exploração, pela violência e pela injustiça é que vai fazendo o conjunto da humanidade tomar consciência e reconhecer novos direitos e também novos conteúdos para velhos direitos. Isto porque a dignidade não é um dado natural aos humanos; é sim uma construção conflituosa que vai sendo afirmada ao longo das lutas e das conquistas históricas. Assim, “contar com” direitos humanos é poder dizer e fazer que a dignidade humana é entendida como um conjunto de garantias que se expressam em direitos humanos. Uma das expressões mais fortes é a jurídico-política. Isto significa que “contar com” é ter os direitos inscritos nas cartas jurídicas fundamentais, de modo particular a Constituição. No Brasil, por exemplo, todos/as contamos com o direito humano à saúde, como direito universal; ele é reconhecido como componente substantivo da dignidade humana e, em razão disso, é parte do ordenamento jurídico-político de sorte que a Carta Constitucional o inscreve como direito de todos/as e dever do Estado.

“Ter certeza de” completa o “contar com” pois é sinônimo de poder materializar a expectativa. Ou seja, aqueles direitos com os quais as pessoas contam, além de estarem no plano do enunciado e do proclamado, também são efetivos, concretos, realizados, no cotidiano. O “ter certeza de” é que faz a dignidade humana não ser um conteúdo abstrato e estranho. Ele completa o “contar com” fazendo com que a dignidade seja vivida, por todos e todas. Assim, continuando com o exemplo anterior, no mesmo Brasil no qual todos/as contamos com o direito humano à saúde, também vivemos, especialmente os mais pobres, com a incerteza de que o sistema de saúde disponibilizará os recursos para que o direito possa ser efetivo. Facilmente não há medicamentos, consultas, cirurgias, tratamentos, enfim, os recursos concretos para que aquele/a que “conta com” o direito humano à saúde possa ter a certeza permanente de que encontrará no posto de saúde, no hospital, no ambulatório, no pronto-socorro, as portas abertas e os recursos suficientes para atender à sua demanda.

Algumas posições mais conformadas costumam aceitar que “contar com” já é um grande ganho e que o “ter certeza de” seria uma construção condicionada às prioridades nem sempre disponíveis, dada a natureza de carência estrutural nas condições atender às demandas por direitos. Cinicamente, com isso, justificam que o “contar com” inclusive anima os sujeitos de direitos, sobretudo os mais pobres, a continuar a lutar a fim de que “tenham certeza de”. Chegam a dizer que se tudo funcionasse não haveria mais motivo para que a cidadania se mantivesse em movimento. Os mais refratários chegam até a admitir retrocessos na efetivação de direitos se as condições exigirem prioridades diferentes como, por exemplo, atender a ajustes macroeconômicos. Contra estas posições levantam-se as vozes que reconhecem que a efetivação dos direitos humanos é progressiva, ou seja, que não se dá de uma vez e nem para sempre, até porque, assim como o conteúdo da dignidade é construção histórica, sua efetivação também o é. Em qualquer hipótese, os direitos não estão disponíveis para serem negligenciados e, em consequência, redundar em vitimização daqueles sujeitos que estão em posição mais fraca e mais vulnerável, colaborando para aumentar outra fenda, aquela que separa os que têm dos que não têm, os que são dos que não são, o que é sinônimo de desigualdade e de injustiça.

Não há motivo para justificativas que venham para aumentar a fenda. Ela precisa, sim, é ser diminuída gradativamente, de forma a fazer com que o “contar com” se traduza cada vez mais em “ter certeza de”. Assim, para quem acredita que direitos humanos são basilares para a constituição de sujeitos históricos e que deveres são deles decorrentes, entre os quais está o primeiro e mais importante de todos os deveres, que é respeitar os direitos de todos/as os/as outros/as, o principal desafio é fazer com que sej
a superada esta fenda, preferencialmente por seu preenchimento e, senão, com ele, ao menos com a produção de pontes que sejam capazes de permitir trânsito entre estas margens que, a rigor, nem margens deveriam ser.


* Doutorando em Filosofia (Unisinos), professor de filosofia no IFIBE, ativista de direitos humanos (CDHPF e MNDH)

 

 

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