Há um grito no ar

Autor: Selvino Heck

 

Retorno de uns dias de pretenso descanso na casa de mamãe, retomo a leitura cotidiana de jornais, revistas e blogs de variados tipos, entro de cabeça na preparação de três eventos importantes – uma Oficina sobre os processos formativo-educativos do governo federal com a sociedade civil, em 6 de outubro, um Seminário nacional sobre o Brasil, questões e desafios atuais, em 20 e 21 de outubro, com presença e participação de representantes de movimentos sociais, este organizado pela Rede de Educação Cidadã, e um Seminário nacional de participação social, de 26 a 28 de outubro, todos eventos no âmbito da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República – e dou-me conta de algo diferente que está acontecendo.

A televisão mostra a mobilização em frente à Bolsa de Valores de Nova Iorque, onde jovens acampados protestam contra o mercado financeiro e os altos lucros dos bancos. A Grécia parou, em greve geral. Os estudantes chilenos continuam na rua. Analistas internacionais falam da necessidade da ajuda dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia e China – na compra de títulos da dívida européia, para ajudar a Europa a escapar da crise que se aprofunda. Lula, ao ser o primeiro latino-americano em 140 anos a receber o título de Doutor Honoris Causa do Instituto de Ciência Política de Paris, o famoso Sciences Po, e ser aclamado, diz: “O problema da crise não é econômico e sim de decisão política”. A presidenta Dilma, em seu histórico discurso na abertura da 66ª Assembléia Geral da ONU, disse: “O mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade histórica”.

Recebo mensagem com a seguinte chamada: “Atenção à agenda internacional dos movimentos sociais”. É o Boletim da Minga Informativa de Movimentos sociais, dizendo ser outubro ‘mês de mobilizações no continente e no mundo’. Os eixos centrais são: os temas ambientais e climáticos e os direitos da natureza, com vistas às negociações internacionais em Durban (dezembro, sobre clima) e Rio+20 (Rio de Janeiro, junho de 2012, sobre desenvolvimento sustentável).

Como, por exemplo, a IV Minga global pela Mãe Terra em 12 de outubro, convocada pelos povos indígenas do Abya Yala. O objetivo é “que em cada rincão do planeta se levantem as vozes e se unam as mãos em defesa da vida, pelos direitos da Mãe Terra, pelo pleno exercício dos direitos dos povos indígenas, contra a imposição das atividades extrativas e pela construção coletiva do Bem-Viver”.

Ou a Semana de ação global contra a dívida e as instituições financeiras internacionais, de 8 a 16 de outubro: “Unamos nossas forças e digamos NÃO à dívida ilegítima. As instâncias organizadoras convidam a fazer confluir as ações em todo planeta, convidando todos e todas a unir-se, a maximizar sua criatividade e a realizar todo tipo de ação apropriada para viabilizar as demandas comuns e apoiar as lutas concretas.”

No Panamá realiza-se em 1 e 2 de outubro o Foro alternativo sobre Mudanças climáticas: “O objetivo é retroalimentar os processos de luta e denunciar a aplicação das falsas soluções à crise do clima em seu conjunto”. Até 7 de outubro as organizações podem apoiar o chamamento contra a tomada de terras, “contribuindo para pressionar os governos para que rechacem definitivamente os Princípios para Inversões agrícolas responsáveis (RAI, em sua sigla em inglês), do Banco Mundial)”.

Em 12 de outubro acontecerá o Grito dos Excluídos continental, com a 13ª Jornada de Mobilização ‘Por Trabalho, Justiça e Vida!’, em diversos países da América Latina e Caribe: “O Grito vai acontecer em distintas formas, expressões e com diferentes agendas, com o denominador comum da defesa da Vida em toda sua amplitude: da natureza, das comunidades, dos direitos sociais das minorias e dos excluídos/as”.

Na República Dominicana já iniciaram as Jornadas de Mobilização/2011 pelo Direito à Habitação e à Terra, relacionadas ao Dia Mundial do Habitat.

No Vale do Cauca, Colômbia, realizar-se-á o Congresso de Terras, Territórios e Soberanias, de 30 de setembro a 4 de outubro, “convocado por organizações campesinas, indígenas, afrodescendentes e do populações urbanas e que pretende reunir dez mil pessoas de todo país”.

Tendo em visa a XVII Conferência das Partes da Convenção sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas, em Durban, África do Sul, no final de novembro, a Via Campesina realiza um ‘chamamento aos movimentos sócias e a todos os povos para uma mobilização mundial, para exigir justiça climática’.

Em 29 e 30 de outubro, acontece o 8º Encontro Nacional Fé e Política em Embu das Artes, SP, com o tema: Em Busca da Sociedade do Bem-Viver: sabedoria, protagonismo, política (informações: www.fepolitica.org.br).

Não estamos assistindo, portanto, Um Grito parado no Ar, peça de teatro de Gianfrancesco Guarnieri, de grande sucesso nos anos setenta que denunciava de forma metafórica a censura, onde “restava ao grupo de artistas somente um uníssono grito final, símbolo da luta e também da sobrevivência em meio à opressão reinante”. Ou a letra de Ana de Hollanda, hoje ministra da Cultura, em Um Grito parado no Ar: “Quem souber de alguma coisa/ Venha logo me avisar./ Sei que há um céu sobre essa chuva/ e um grito parado no ar.”

Nem é (ainda) o grito dos anos oitenta e sua chamada à mudança. Mas a efervescência, a mobilização estão no ar e na cabeça das pessoas. Cada dia fica mais perceptível que o modelo neoliberal de desenvolvimento está levando o mundo a uma situação, senão de caos, pelo menos de insustentabilidade. Não é mais possível que o mercado financeiro domine a economia, beneficiando meia dúzia, levando os países à crise e os trabalhadores ao desemprego e à miséria. Não é sustentável o modelo consumista que destrói a natureza, que esgota a água, que polui o planeta e dissemina valores como o individualismo, a ganância, o lucro como medida da vida e das relações sociais, o egoísmo, ou como se dizia nos anos oitenta, e ainda vale hoje, o ter em vez do ser.

A reação, a luta e o sonho, como sempre, vêm dos de baixo, dos mais pobres e trabalhadores, dos indígenas, negros e quilombolas, mulheres e jovens, militantes da economia solidária e dos direitos humanos, agricultores familiares e camponeses. E desenha o futuro de “um outro mundo possível’, urgente e necessário.

 

Selvino Heck

Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República

Em trinta de setembro de dois mil e onze

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