O que vale é debater

A crise, quando irrompe inesperadamente, ou quando provocada por diferentes razões, provoca (ou pode vir a provocar) rupturas. O mundo está em crise econômica, social, ambiental e de valores, admitem até os conservadores mais empedernidos, alguns chegando a reconhecer que Marx tinha razão sobre o capitalismo, suas crises cíclicas e sua insustentabilidade histórica.

O debate e a crítica estiveram interditados nas últimas décadas. A crise, qualquer crise, seja a que estamos vivendo, seja uma crise pessoal, uma crise no casamento, ou do time de futebol pelo qual torcemos, obriga a olhar para o que está acontecendo, perguntar porque ou onde erramos, quais suas causas, razões, fundamentos e, especialmente, perguntar o que vai ser e surgir depois ou a partir da crise, o que vai sobrar, se tudo vai continuar igual ou o que será diferente, o que vai mudar, se vamos sobreviver.

Em geral, sobrevive-se à crise. Muitas vezes, inclusive, sai-se melhor, com horizontes mais largos, com um novo olhar sobre o mundo e a vida, com alternativas antes sequer imaginadas, com gestos e carinhos nunca antes praticados, com práticas inovadoras, novos rumos e possibilidades. Depende do debate feito e das escolhas por ele provocadas.

O vendedor Anthony Allen, que participa do movimento ‘Occupy DC’ (Ocupe Washington), diz: “O que vale é debater. Estamos focados em construir nossa base, atrair as pessoas para a conversa. As pessoas exigem soluções sem debater o problema. Esse país precisa começar a debater. Queremos o máximo de movimentos assim pelo país, queremos mostrar que falamos sério, que estamos insatisfeitos, mesmo que isso leve semanas, ou meses, anos.”

Segundo Allen, “os temas comuns são emprego, fim das guerras, financiamento político, vai saber mais o que. Ambiente. A questão não são os problemas, mas como se chega às soluções”. Na sua opinião (e minha), “precisamos de mudança revolucionária dentro do sistema ou de outro sistema”.

É que está acontecendo nos EUA, na Grécia, na Espanha, na Europa inteira, no Chile, feliz e finalmente. A estudante brasileira Vanessa Zettler, que participa do Ocupe Wall Street, em Nova Iorque, diz que “a discussão política ficou e está ficando mais madura, com a diversidade das pessoas aqui e das vozes que estão falando. A cada dia chegam novas categorias – imigrantes, sindicatos, etc. Eles diversificam nossa discussão.”

Segundo ela, “é uma agenda política ampla. Sobre a regulamentação da economia, o fim do tratamento das empresas como se fossem pessoas. Mas a discussão aqui não só sobre o mercado financeiro. Tem a questão da imigração, para que as políticas migratórias sejam mais flexíveis e tem a discussão sobre a democracia, sobre a idéia de liberdade. O que é essa liberdade que esse país prega tanto, mas em que a gente vê tantas falhas? Tem a discussão da democracia representativa, que, na verdade, é uma democracia burguesa, que não promove a mudança de fato. E aqui a gente está fazendo democracia direta nas assembléias.”

É a crise, latente, vive, provocadora, instigante, que leva a marchas e passeatas rumo aos endereços dos bilionários, carregando cartazes com a reprodução de cheques no valor de US$ 5 bilhões, frases e refrões dizendo ‘Taxem os ricos’ ou ‘Alô, milionários, paguem sua parte’.

Mas não será fácil a mudança. Como disse o prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, “os EUA hoje são: 1-1-1: o 1% eleito pelo 1% governando para o 1%”. Ou na análise do jornalista Clóvis Rossi: “Para a banca não há apenas almoço grátis, mas também janta. O problema está na recorrente estatização dos prejuízos, como ocorre agora no caso do Banco Dexia, e na privatização do lucro. Assim até eu quero ser capitalista” (FSP, 11.10.11, Mundo – A17).

O debate e o futuro estão em aberto. A presidenta Dilma quer que o G-20 adote regulação estrita para o ‘descontrolado’ sistema financeiro. Para o presidente do Partido Social Democrata alemão, Sigmar Gabriel, a palavra de ordem deve ser: “Nenhum centavo do Estado para salvar um único banco, a menos que aplique reformas profundas em seu modo de operar”. O mesmo Gabriel diz que a crise está colocando para o mundo a escolha entre “democracia ou o domínio das finanças”.

O debate não é o fim do caminho, mas o seu início. Como diz Vanessa, “a vida fica bem mais interessante quando você tem alguma coisa que é mais importante do que a rotina. A rotina perde um pouco a sua importância quando você sente que está fazendo parte de um momento histórico.”

Vale também para o Brasil, as brasileiras e os brasileiros. Qual o modelo de desenvolvimento em curso e qual o desejável? Qual projeto de sociedade e de futuro que inclua todas e todos? Vamos sair da rotina, debater e fazer história!

Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República

Em vinte e sete de novembro de dois mil e onze.

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