Carta Relatório do II Módulo do Curso Educação Popular e Formação de Lideranças

4 a 6/11/11 – João Pessoa/PA.

Porto Alegre, 09 de novembro de 2011.

Prezados educadores e educadoras da RECID/PARAÍBA

A Educação Popular vem se definindo basicamente como uma prática pedagógica-política. Quer dizer, como uma prática social que, trabalhando fundamentalmente com o conhecimento, tem uma intencionalidade e um objetivo político. Dessa maneira a EP se firma ao mesmo tempo como uma forma renovada de fazer política e uma forma alternativa da fazer educação (TORRES, 1988, p. 17).

Sempre que um educador/a da equipe pedagógica da RECID/CAMP participa de algum encontro num estado, costumamos dar retorno, através de relatório ou carta, expressando nossas impressões. É o que farei a seguir.

No dia 4 de novembro – tarde, no sindicado dos funcionários dos correios, participei daRoda de Conversas com o tema “90 anos de Paulo Freire”. Três falas fazendo memória de seu legado introduziram o debate com a juventude presente. Que questões e dúvidas nos incomodam no trabalho de base? Que prática a gente faz? Por mais que tenhamos pensado sobre isso, estas questões continuam a nos interrogar.

Dia 05 – já em outro espaço, na casa das irmãs no bairroAlto Mateus, o grupo se constituía bem maior, com a presença dos educadores/as do alto sertão e demais regiões onde há a presença da REDE. Ali nos encontrávamos com Maria Aparecida, Rafael, Eudes, Édna, Luciane, Rosangela, Antonio Cleides, Adriano, Isabella, Bernardo, Emmanuel, Dorival, Herika, Graça, Dôra, e tantos outros.

Um documentário sobre a escola e a vida introduziu o estudo sobre Educação Popular. É possível fazer educação popular no interior da escola capitalista, criada e cuidada há séculos pela classe burguesa? Eis o desafio!

Através de um trabalho de grupo percebemos o grande número de entidades e Movimentos Sociais que realizam trabalhos em parceria com a RECID. Algumas questões instigaram o debate: que visão de mundo nós percebemos neste público? Se a Rede de Educação Cidadã tem o Projeto Popular pelo Brasil como horizonte – como este projeto social dialoga com estes outros horizontes? Como a Rede consegue se relacionar com tantas Organizações Sociais, e com que intencionalidade política se dá esta troca?

Um vídeo com a última entrevista de Paulo Freire, em 1997, nos colocou outras tantas interrogações, incluindo a necessidade de multiplicarmos as marchas iniciadas pelo MST no país inteiro: colocarmos o povo em marcha pela decência, pela moradia, pela terra, contra a “senvergonhice”, contra a opressão, contra o medo de sermos povo, classe trabalhadora.

Outro vídeo nos remeteu aos princípios, características e metodologia da Educação Popular, tão bem trabalhados pela educadora Edna. Como podemos construir conhecimentos a partir da realidade em que o povo vive, e com eles?

Era final da tarde quando damos um passo adiante. Refletiu-se a importância do registro e memória de nossas experiências na base. O registro é imprescindível se desejarmos construir processos de sistematização das experiências de educação popular. Sendo assim, o grupo foi desafiado a construir a memória do dia, trazendo as lições e aprendizados em forma de carta pedagógica, dirigida a um colega. De forma silenciosa e reflexiva, todos se debruçaram sobre o papel em branco, e escreveram.

No dia 06, pela manhã, as cartas foram lidas por aquele/a que as recebeu. Nelas continha, praticamente, todo oconteúdo trabalhado no decorrer dos dois dias. Cada um, a seu modo, expressou o quanto o curso de Educação Popular e formação de lideranças, neste momento, na segunda etapa, tem contribuído com a formação do grupo.

Outro vídeo – produção coletiva agroecológica nos deu a dimensão da necessidade de organizarmos o povo em cooperativas, viver próximos, produzir alimentos sadios, sem agrotóxicos. Este é um desafio a ser enfrentado por nós lá na base.

Novamente retomamos a importância da teoria pedagógica de Paulo Freire. Como selecionar “falas significativas” do povo, que dão sentido a determinada realidade? Como escutar, selecionare problematizar aquelas mais encharcadas de vida?

A avaliação se deu em forma de Cordel: o conteúdo, a metodologia, a infra-estrutura, a participação, os colaboradores… Os vários grupos constituídos expressaram, através de frases, o quanto valeu estar neste encontro. O encerramento se deu através de alguns depoimentos, agradecimentos e leitura da Carta Pedagógica aos Educadores/as voluntários da RECID, enviada pela RECED/CAMP.

Camaradas educadores/as, espero ter trazido alguns elementos – registros e memórias que poderão ser úteis para as nossas futuras sistematizações.

Minhas impressões:

Participar do 2º módulo do Curso no estado da Paraíba foi para mim um momento forte de formação, inclusive de avaliação sobre nosso papel pedagógico no espaço da RECID/CAMP. Oportunizou-me retomar conceitos teóricos colados a uma prática de vivência com o povo mais oprimido do sertão paraibano – um povo excluído de quase tudo.Por isso mesmo, não pode renegar as migalhas de políticas públicas que vem do Estado. Sabe ele que tem direito a muito mais que a bolsa família, a bolsa escola, o vale gás, etc?Chamou-me a atenção o desabafo manifestado: “Se alguém, para fazer doutorado tem bolsa de 1.800,00, porque razão as famílias recebem tão pouco para manter seus filhos na escola”? – questionava o educador Antônio Cleides, CPT/PA.

Estou convencida que a teoria nem sempre dá conta de uma prática social latente, quando o povo grita conscientemente pelos seus diretos. Ela muda à medida que o povo se organiza, estuda e dá a sua opinião. Prestemos atenção quando alguém, do meio do povo lê um livro e nos diz: na vida, na prática, não é bem assim!Estes livros, a meu ver, deveriam ser rescritos. E, talvez, antes de sua publicação, deveriam ser testados com os sujeitos que precisam entendê-lo, como fez Paulo Freire com o primeiro capítulo do livro Pedagogia do Oprimido. Lembram?

Por fim, estou certa de que valeu a pena visitar a REDE deste estado. Estou segura de que vocês trilham os melhores caminhos da educação popular, ajudando a colocar lentes de aumento nos olhos do povo. Paulo Freire nos dissetantas vezes: os oprimidos, isolados, não chegarão a lugar nenhum, ainda mais quando não se reconhecem portadores desta opressão. O desafio é darmo-nos as mãos e caminharmosjuntos.

Fraternalmente,

Isabela Camini, Coordenadora Pedagógica

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