A miséria do "novo desenvolvimentismo"

José Luís Fiori é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro “O Poder Global”, da Editora Boitempo, 2007.

O capitalismo só triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado”. Fernand Braudel, “O Tempo do Mundo”, Editora Martins Fontes, SP, p: 34.

O “debate desenvolvimentista” latino-americano não teria nenhuma especificidade se tivesse se reduzido à uma discussão macroeconômica entre “ortodoxos”, neo-clássicos ou liberais, e “heterodoxos”, keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não teria existido se não fosse por causa do Estado, e da discussão sobre a eficácia ou não da intervenção estatal para acelerar o crescimento econômico, por cima das “leis do mercado”. Até porque, na América Latina como na Ásia, os governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas, segundo a ocasião e as circunstâncias, e o inverso também se pode dizer de muitos governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou conservadores que utilizaram em muitos casos, políticas econômicas de corte keynesiano ou heterodoxo. O pivô de toda a discussão e o grande pomo da discórdia sempre foi o Estado e a definição do seu papel no processo do desenvolvimento econômico.

Apesar disto, depois de mais de meio século de discussão, o balanço teórico é decepcionante. De uma forma ou outra a “questão do Estado” sempre esteve presente, nos dois lados desta disputa, que acabou sendo mais ideológica do que teórica. Mas o seu conceito foi sempre impreciso, atemporal e ahistórico, uma espécie de “ente” lógico e funcional criado intelectualmente para resolver problemas de crescimento ou de regulação econômica. Desenvolvimentistas e liberais sempre compartilharam a crença no poder demiúrgico do Estado, como criador ou destruidor da boa ordem econômica, mas atuando em todos os casos, como um agente externo à atividade econômica.

Um agente racional, funcional e homogêneo, capaz de construir instituições e formular planos de curto e longo prazo orientados por uma idealização do modelo dos “capitalismos tardios” ou do estado e desenvolvimento anglo-saxão. E todos olhavam negativamente para os processos de monopolização e de associação do poder com o capital, que eram vistos como desvios graves de um “tipo ideal” de mercado competitivo que estava por trás da visão teórico dos desenvolvimentistas tanto quanto dos liberais. Além disso, todos trataram os Estados latino-americanos como se fossem iguais e não fizessem parte de um sistema regional e internacional único, desigual, hierarquizado, competitivo e em permanente processo de transformação. E mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de Estados centrais e periféricos, e de Estados dependentes, falavam sobretudo de sistema econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático, onde as lutas de poder entre os Estados e as nações ocupavam um lugar bastante secundário.

No fim do século XX, a agenda neoliberal reforçou um viés da discussão que já vinha crescendo desde o período desenvolvimentista: o deslocamento do debate para o campo da macroeconomia. Como volta a acontecer com o chamado “neo-desenvolvimentismo” que se propõe inovar e construir uma terceira via (uma vez mais), “entre o populismo e a ortodoxia”. Como se tratasse de uma gangorra que ora aponta para o fortalecimento do mercado, ora para o fortalecimento do Estado.

Na prática, o “neo-desenvolvimentista” acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se propõem fortalecer, simultaneamente, o Estado e o mercado; a centralização e a descentralização; a concorrência e os grandes “campeões nacionais”; o público e o privado; a política industrial e a abertura; e uma política fiscal e monetária, que seja ao mesmo tempo ativa e austera. E finalmente, com relação ao papel do estado, o “neo-desenvolvimentismo” propõe que ele seja recuperado e fortalecido mas não esclarece em nome de quem, para quem e para quê, deixando de lado a questão central do poder, e dos interesses contraditórios das classes e das nações.

Neste sentido, fica ainda mais claro que o desenvolvimentismo latino-americano sempre teve um parentesco maior com o keynesianismo e com “economia do desenvolvimento” anglo-saxônica, do que com o nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que são a mola mestra do desenvolvimento asiático. E que, além disto, os desenvolvimentistas latino-americanos sempre compartilharam com os liberais a concepção econômica do Estado do paradigma comum da economia política clássica, marxista e neo-clássica. Esse paradoxo explica, aliás, a facilidade teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar.

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