MONROM ROMAI, REZO ROMAI E CHAI ROMANÔ

Luna Romi, que significa lua cigana (como brasileira, ela se chama Vanesca Duarte) fezuma festa no VIII Encontro Regional Centro-Oeste da Rede de Educação Cidadã (RECID) emGoiânia, GO. A cozinha do Instituto São Francisco de Assis transformou-se num sacrário decheiros, sabores e encantamentos. Vestida de acordo com a cultura cigana, Luna fez umaoficina para explicar aos cozinheiros participantes como se fazia cada prato, como prepará-los, qual o significado e o ritual a serem seguidos. Eu, observador e bom provador decomidas e bebidas, anotei as coisas mais importantes.

A base da cozinha e comida ciganas são o pão, o vinho e a fruta. Jamais podem faltar.O pão, monrom romai representa a família, a comunidade. O vinho é o sangue de Jesus,simbolizando a proteção espiritual. A fruta é a terra, a pátria. A forma ou o jeito decombinar os três ingredientes básicos depende de cada grupo cigano. No caso de LunaRomi, sua mãe vem de um clã de ciganos, Caldarash, da França. O pai é Calon, ciganosespanhóis da Andaluzia.

O chai romanô é o chá cigano, bebida sagrada do povo cigano. É feito de vinho suave,com suco de laranja acompanhado por especiarias como cravo, canela, aniz estrelado,alecrim, sálvia, hortelã, mais açúcar melado. Imaginem o cheiro, o aroma exalados nacozinha! A primeira coisa que qualquer criança aprende é fazer pão e o chairomai.

Rezo romai é o arroz cigano. Há três formas ou tipos. O de acampamento, que é forte,feito com gengibre. O volimô, o arroz do amor, feito para os noivos, que é com frango,flores e pétalas de rosa. E o de festa, que comemos em Goiânia, de duas formas: comcarne vermelha ou branca, mais dois tipos de fruta, maçã ou banana, queijo e batatapalha; ou como parillada, com carne de cabrito, ovelha ou porco, na forma de paella.

Servir os três pratos segue um ritual. Primeiro, o pão é repartido numa roda, sendoque cada um serve um pedaço para quem está à sua direita e diz-lhe uma palavra comodesejo. Depois, vai-se para o rezo romai (arroz cigano) e o chai romainô (chá).

O Encontro da RECID Centro-Oeste, com participação de 50 educadoras e educadoraspopulares e lideranças sociais da região, foi neste clima de respeito às culturas e deconhecimento dos valores das comunidades tradicionais. O tema geral era: Processohistórico da resistência popular e a estratégia de atuação da RECID no Centro-Oeste. Olema: Memórias do caminhar tecendo o poder popular!

O relatório-síntese do Encontro diz:“Não se tratou de ver o não visto e muito menosexperimentar a primeira emoção de um beijo, mas sim, como diz a primeira frase do texto-base, ‘é nas coisas da estrada a chegada’. Esse texto já é a estrada da RECID nascontribuições cotidianas e históricas. Ela nos evoca a reavaliar e planejar o que mais parafrente organicamente queremos. Como não vivemos ‘um tempo de pura espera’,trabalhemos para que esse espaço seja algo inesperado, mas organizado, para
vivenciarmos tanto a mística da militância quanto a mística da transformação social.

No debate sobre eixos, estratégia e tática, o assessor José Antônio Moroni “trouxeuma fala bem problematizadora: ‘antes de tudo, temos que pensar sempre o que nãoqueremos, porque tanto a tática quanto a estratégia mudam com o tempo, e a históriapode nos ensinar o que não fazer’. O tempo parece ter ensinado várias coisas. Uma é ‘nãocolocar o carro na frente dos bois’, como disse uma educadora de Goiânia”.

A realidade na região Centro-oeste não é fácil nem simples. Nas palavras da RECID-DF,o modelo de urbanização adotado em Brasília seguiu o modelo empregado no Brasil.Mesmo sendo uma cidade planejada, a conjuntura sócio-espacial não difere tanto, em suaessência, de outras metrópoles. Dentro deste contexto, as cidades, a infra-estruturaoferecida e a própria renda sofreram espacializações segregantes. Como o Distrito Federaltornou-se solução para as populações do seu Entorno, Estado de Goiás, um fluxomigratrório pendular se direciona para localidades dentro do quadrilátero, algo que não seencontra nas cidades de origem.

Já o Ma to Grosso, no relato da RECID-MT, sofre os problemas dos inchaços dascidades, com a migração de pessoas que estão em áreas onde há construção de usinashidrelétricas, o que aumentao número de pessoas em vulnerabilidade social e em situaçãode risco. Além disso, o desmatamento e a forma de produção impactam o rio Paraguai.Assoreamento e insumos como agrotóxicos – Mato Grosso é um dos estados que maisutilizam agrotóxicos –descem por ele e se distribuem pelas áreas alagáveis do Pantanal,contaminando as águas e causando prejuízos ao estilo de vida das populações tradicionais.

No Mato Grosso do Sul, segundo a RECID-MS, as multinacionais estão arrendando ecomprando terras – o que, de um lado, é ilegal, de outro, elas aproveitam-se dosassentamentos e ainda destróem a natureza. E há uma hegemonia no poder local dastendências do campo da direita conservadora.
Em Goiás, de acordo com a RECID-GO, há duas políticas centrais do governo estadual.A primeirano campo da segurança pública, que atua fortemente, criminalizando a pobrezae os movimentos sociais. A segunda no campo da reforma administrativa do Estado, quepassa pela privatização de 19 empresas e órgãos públicos, inclusive na área da saúde e dasegurança pública.

Diante deste quadro conjuntural, a RECID Centro-Oeste, enquanto região e em cadaEstado, atua junto aos movimentos sociais, associações e comunidades de base, comoatividades de formação, resistência e combate em temas como moradia, transporte,violência e extermínio da juventude; luta na defesa dos direitos humanos, na formação demulheresvítimas de violência, com famílias de dependentes químicos, com quilombolas eindígenas camponeses assentados e acampados; mobiliza as comunidades para resgatar acultura tradicional, como Feiras locais no próprio bairro e construção de hortascomunitárias; promove a formação com pessoas que recebem o Bolsa Família; apóia aslutas pelas reformas política, agrária e tributária; apóia campanha permanente contra osagrotóxicos e pela valorização da agricultura familiar e camponesa; incentiva políticaspúblicas com participação popular.

A partir do VIII Encontro, a RECID Centro-Oeste propõe: trabalhar a educaçãopopular como política pública; expor nos conteúdos e direcionar apoio a ações comoa Lei Maria da Penha, enfrentamento da homofobia e a função social da maternidade;fomentar jornadas de formação vinculadas a lutas e mobilizações nacionais; trabalharcom novas formas de abraçar e interagir com novas Redes; fomentar e construir lutaspopulares trabalhando instrumentos de mobilização e comunicação; realizar Semináriopara debater o modelo de desenvolvimento e a erradicação da miséria; realizar Semináriopara aprofundar a metodologia de educação popular.

Os aromas do monrom romai (pão), do rezo romai (arroz cigano) e do chai romanô(chá com vinho) e da dança cigana e leitura de mãos feitas por Luna Romi acompanharame abençoaram todo Encontro.

Em tempo: Numa oficina de formação, feita pela RECID no Mato Grosso doSul, ciganos e ciganas, segundo Luna, abriram o coração, dizendo de suas angústias edemandas. Querem educação; não querem mais ser analfabetos, eles que muitas vezessão discriminados na escola formal. Eles são um povo, com seus costumes, tradições,valores e história, e assim querem ser reconhecidos e respeitados em seus direitos.

Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Em dezesseis de março de dois mil e doze

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