Carta Pedagógica do Talher Nacional – Jul/ 2012

Brasília-DF, 03 de julho de 2012

 

“A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la”.

Cecília Meirelles

Caros/as educadores/as da Rede de Educação Cidadã,

Desde os “chãos” onde pisamos mais recentemente e olha que são muitos: espaços de governo, encontros nos estados, Cúpula dos povos, Rio + 20, presença no Consea Nacional, Mercosul Social e Solidário, Ato no Congresso que consagra, Paulo Freire patrono da Educação Brasileira, reuniões no CAMP, com o MEB, educação popular e saúde, economia solidária, movimentos sociais, tantas e tantas outras atividades e articulações e das relações que estamos construindo, temos o dever rigoroso, como parte do processo de tecitura desta rede, de compartilhar com todos/as o que nós, equipe do Departamento de Educação Popular, o Talher Nacional , da Secretaria Nacional de Articulação Social, da Secretaria Geral da Presidência, estamos percebendo, construindo e fortalecendo. E o expressamos na forma desta Carta, conforme  compromisso assumido  na 1ª Reunião Ampliada Nacional, realizada em abril deste ano.

 

Os dias são preocupantes para os/as que sonhamos com uma América Latina livre e soberana, a partir dos saberes, ancestralidade e utopias de seus povos. A exemplo do que aconteceu há pouco tempo em Honduras, o governo democrático de Fernando Lugo no Paraguai foi sumariamente abortado por  um Golpe, com a máscara de um rito legal, contudo ilegítimo. O que está em jogo é a continuidade dos avanços, a continuidade da democracia, da distribuição de renda daquele país, bem como o bloqueio do uso de sua TV pública que tem feito o debate sobre questões de interesse popular. Conforme Mario Neto, o Governo Lugo afronta os interesses dos fazendeiros, latifundiários e produtores de soja para a exportação.

No momento exato em que o Brasil é sede da Rio + 20 e da Cúpula dos Povos e torna-se o centro do debate mundial sobre qual concepção de desenvolvimento o futuro vai seguir, duas concepções estão fortemente colocadas em disputa: a dos capitalistas que querem privatizar os bens naturais da humanidade, conferindo-lhes valor de uso, e a luta dos povos para consagrar na ideia de desenvolvimento outros princípios, como os do bem comum, do Bem Viver, do bem público e do saber popular.

Nossos Governos, de Lula e Dilma, tem resultados que apontam para outro modelo de desenvolvimento, com crescimento e inclusão social. Contudo, não sem grandes contradições.  Há muitos limites neste modelo, e seu desgaste é explícito frente a um aparelho de Estado que, longe de ser ‘imparcial’, está organizado para dinamitar projetos que afrontem a lógica dominante.

Os avanços são conhecidos. Alguns, objeto de controvérsia quanto à consistência estrutural. Outros, ainda por demais tímidos para reverter desequilíbrios históricos. Mas a percepção vivenciada e majoritária da população é a de que o Brasil é hoje, após 10 anos dos governos de origem popular, um país menos desigual do que foi em seus 5 séculos de história oficial – 4 dos quais em regime de senzala e casa-grande. O recuo da taxa de pobreza no país foi notável no período: uma redução da ordem de 15 pontos percentuais, caindo de 39% da população em 1999, para 23,9%, em 2009 no  segundo governo Lula.

Nestes cenários, as experiências de educação popular como experimentos de construção da autonomia popular latino-americana, em luta pela descolonização da política e da cultura de nossos países, articulam protestos e propostas para a construção de um novo mundo possível e necessário. São práticas fundamentais e características da luta cotidiana da classe trabalhadora e dos grupos oprimidos por nuestra América onde se encaixa a Rede de Educação Cidadã.

Esse esforço, dedicação e compromisso têm nos movido. Nele jogamos nossa energia, definimos nossa atuação e decidimos com quem vamos nos articulando, como parte da nossa tarefa específica no fortalecimento da Rede e da construção de um projeto de país e de continente sonhado pelos nossos povos originários: justo, soberano, diverso e plural, que valoriza o conhecimento e as experiências populares. E sonhado junto com todas e todos.

Neste sentido, nos últimos meses, buscamos nos articular com os processos de economia solidária, com os processos de construção da política nacional de agroecologia, com os processos de Segurança Alimentar e Nutricional, com os processos educativo-formativos do governo, nas articulações com a Academia, com as experiências de educação popular e saúde, de educação em direitos humanos e com a juventude. No rumo do que o próprio Paulo Freire definia: “Minha opção é por uma pedagogia livre para a liberdade, brigando contra a concepção autoritária de Estado e de sociedade”.

Fazemos nossas tarefas sendo pé dentro para uns e pé fora para outros. Pois como equipe do governo estamos muito próximos dos movimentos sociais, e como militantes tentamos contaminar o governo todo com a educação e a participação popular. Mas sem crise de identidade, pois sabemos qual projeto defendemos.Temos dúvidas, muitas vezes, de vez em quando não conseguimos dar as respostas justas, mas temos a certeza de caminhar juntos e com esperança.

Dentro da estratégia de avançar para que o Estado brasileiro assuma a educação popular como política pública, aconteceu em 30 de maio o 2º Seminário dos Processos Educativos-Formativos do Governo Federal, do qual participaram 45 pessoas  representantes de 20 órgãos e ministérios, tendo como objetivo, fortalecer as experiências e a perspectiva de educação popular nestes processos. Como encaminhamentos, destacamos: a) Avançar para que a educação popular seja concebida de forma transversal nos processos formativo-educativos, por meio de construção coletiva de diretrizes orientadoras, a partir das diferentes experiências. Estas diretrizes devem ser capazes de ser um elemento para formação de agentes públicos envolvendo Enap, Esaf, MEC.; b) Sistematizar as práticas formativas e educativas existentes no Governo Federal com vistas à qualificação destas, ver como aproximá-las da educação popular e como divulgá-las; c) Construir um programa mais amplo de formação articulado com vários ministérios, numa formulação que potencialize a intersetoridalidade e o compartilhamento de saberes e articulação das experiências.

O vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, definiu a descolonização como um processo de desmonte das estruturas institucionais, sociais, culturais e simbólicas que subsumem a ação cotidiana dos povos aos interesses, às hierarquias e às narrativas impostas por poderes externos. Desmontar essa máquina de dominação, segundo ele, requer muito tempo. Em particular, o tempo que se necessita para modificar a dominação convertida em sentido comum, em hábito cultural das pessoas.

A Rede de Educação Cidadã, somos testemunhas, vem cumprindo um importante papel neste processo de descolonização do povo brasileiro. Na medida em que organiza, com todas as dificuldades, nos mais diferentes espaços e rincões do Brasil, um processo de educação popular, articulado com organizações e movimentos do campo popular, um processo político e pedagógico que vai aos poucos fortalecendo o processo de construção da autonomia e emancipação de diferentes grupos sociais: mulheres, jovens, trabalhadores do campo e da cidade, comunidades tradicionais, etc.

Contudo, ainda percebemos  práticas contraditórias, às vezes em nós mesmos, com o projeto e a concepção de educação que assumimos e anunciamos: a) práticas corporativas e pouco coletivas, no planejamento, na gestão e na organização das atividades; b) gestão resumida ao aspecto financei
ro e ainda concentrada nas mãos de poucas pessoas; c)  processos ainda frágeis de articulação política com organizações e movimentos sociais; d) organização de atividades pedagógicas pontuais, sobretudo de oficinas, sem intencionalidade política, espontaneístas, etc.;e) dificuldade de realizar planejamentos participativos e de democratizar as decisões; f) fragilidade na formação política e metodológica dos educadores/as para o trabalho de base; g) fragilidade de criar momentos coletivos para reflexão e acompanhamento das práticas…

Por outro lado, tivemos grandes avanços. A conclusão de nosso plano de ação trienal de 2012 a 2014, com a realização de nosso XI Encontro Nacional e a 1ª Reunião Ampliada Nacional de 2012. O aprofundamento do processo de reflexão e produção de conhecimento a partir da Rede. O reconhecimento da importância desta experiência por um amplo leque de movimentos sociais. A realização de milhares de atividades que envolvem dezenas de milhares de pessoas e centenas de grupos Brasil afora.

De todo modo, das ações nos últimos meses, uma certeza fica para nós, a partir destes “chãos” onde pisamos: um desenvolvimento, de fato, justo, sustentável e economicamente solidário só virá da clareza dos povos da América Latina e da sua capacidade de pressionar os diferentes governos para as reformas estruturais em nossas sociedades, quando chegará o tempo do Projeto Popular, que tarda, mas não falhará, que é urgente e há de acontecer, construído coletivamente por todas e todos nós, os pobres e trabalhadores/as do Brasil, da América Latina e do mundo.

 

Com afeto e admiração,

Iracema, Marcel, Vera, Selvino e Willian

Equipe do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã da Secretaria Nacional de Articulação Social-SG

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Para baixar o arquivo de texto, clique aqui.

Carta_pedagogica_do_TN.doc

Um comentário em “Carta Pedagógica do Talher Nacional – Jul/ 2012

  1. É isso ai companheiradas meus parabéns, como dizia Helen Keller-Educadora americana.
    “ Otimismo é a fé que leva à realização. Nada pode ser feito sem esperança e confiança. ”
    Rosangela Muniz
    Educadora Social- Recid BA.

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