Gilson Lucena

A Recid Ceará num diálogo em carta.

Gilson Lucena

Recid Ceará

Carta Pedagógica da Recid Ceará

 

Ceará, Junho de 2012

 

“O gênero “carta” (…) estabelece um vínculo imediato entre quem escreve e quem lê. (…) ao mesmo tempo em que pode dirigir-se a um público maior, se dirige a cada um em particular. (…) expõe intimidade e convida a aproximação, à cumplicidade, ao diálogo. (…) não se presta ao discurso autoritário. (…) espera uma resposta, um gesto, a tomada de posição, o engajamento”. (Moacir Gadotti)

 

Companheiros(as) Educadores(as) Populares da Rede de Educação Cidadã, caríssimos(as) leitores(as),

 

Saúde, garra e conquistas!

É com animação, entusiasmo e comprometimento com a luta do povo que é, antes de tudo, nossa, que vos escrevemos para denunciar nossa realidade e ao mesmo tempo, indo na sua contramão, anunciar o nosso sentimento esperançoso por um mundo melhor. Denúnciar e anunciar, por entendermos que faz parte da nossa missão “o exercício constante da leitura de mundo que, demandando necessariamente a compreensão crítica dessa realidade, envolvem de um lado, sua denúncia, de outro anúncio do que ainda não existe”. Isso “implica em denunciar de como estamos vivendo e anunciar de como poderíamos viver, um pensamento esperançoso, por isso mesmo. Denunciar a realidade e anunciar um mundo melhor. Crendo que não é possível o anuncio sem a denuncia: dados concretos, leitura de mundo, e a nossa posição em face do que está ou vem sendo feito”.

Para tanto, gostaríamos de iniciar nos valendo da descrição do escritor Moacir Gadotti sobre o gênero carta, justificando o motivo e a importância da escolha pedagógica por este gênero para sistematizar a vivência da Rede no estado do Ceará, expondo, dialogando e refletindo sobre nossas realizações, desafios, limites, avanços e aprendizados neste primeiro semestre de 2012. Esperamos com esta, possibilitar a aproximação, o diálogo reflexivo e comprometido, e o vosso engajamento nas lutas populares, como descreve Gadotti, que não são só nossas enquanto estado, mas única e de todos(as) nós educadores(as) e militantes que anseiam por um Projeto Popular de Nação.

Nossa caminhada cearense na construção do Poder Popular concretiza-se paulatinamente quando agregamos a nossa luta cotidiana e intensa, parceiros, parceiras e parcerias que se tecem e se arvoram a desafiar e discutir com o povo os grandes “gargalos” que interceptam nossa caminhada.

Desde o ano de 2011 optamos político e pedagogicamente por potencializar os educadores e os grupos de base com formações continuadas e itinerantes a fim de dar corpo, conhecer e dialogar as diferentes realidades regionais que compõem o cenário estadual. Esta dinâmica nos possibilita inserção, diagnóstico, diálogo e intervenção junto aos grupos de base através dos(as) educadores(as) de referencia dos coletivos de cada região.

Neste primeiro semestre de 2012 estamos realizando o nosso 3º Curso de Formação em Educação Popular abordando o tema da Comunicação Popular e os Movimentos Sociais Populares.

Por termos na Educação Popular Crítico-Freireana o diálogo como principal veículo de comunicação. Buscamos e promovemos a comunicação que informa, mas que também forma, como nos diz Freire: “Comunicação é co-participação dos sujeitos no ato de pensar. Implica numa reciprocidade que não pode ser rompida. O que caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se é que ela é DIÁLOGO, assim como o diálogo é COMUNICATIVO”.

Portanto o curso tem como objetivo construir e efetivar uma Comunicação Popular e Democrática. Comunicação esta que fortaleça os movimentos sociais e que esteja realmente “a serviço” da sociedade indo assim de encontro a efetivação da construção de um Projeto Popular para os(as) brasileiros(as). Com isso “reafirmamos o desejo de transformação e inserção social, consolidando a comunicação como um processo sócio-político coletivo de construção do conhecimento, de humanização, de diálogo, de relações horizontalizadas e de expressão da diversidade, à luz do seu Projeto Político Pedagógico, com formação prática e ênfase na formação política rumo à construção de práticas contra hegemônicas e ao fortalecimento do poder popular”.

O curso acontece no período de 30 de Março a 26 de Agosto de 2012. É valioso anunciar que a realização dos dois primeiros módulos envolveu parcerias importantes nas regiões Centro Sul e Jaguaribe que os sediaram. No Centro Sul, destacamos a 16ª CREDE/Iguatu, cedendo o seu laboratório de informática e o SINTSEF e a 18ª CRES que hospedaram os participantes durante os dias de formação. No Jaguaribe, tivemos como parceria a Escola Estadual de Educação Profissional Avelino Magalhães.

Mesmo sendo uma atividade da Rede Ceará, anunciamos ainda, a contribuição dos Educadores da Recid Paraíba na facilitação técnica das mídias web-rádio e blog e destacamos a importante participação da juventude, que protagonizaram os dois momentos, participando e interagindo com o processo da educação popular.

Estamos certos que estes momentos contribuem na formação destes(as) jovens e educadores(as) que se contrapõem e desvelam a realidade, denunciando as mazelas das grandes mídias que massificam e alienam a sociedade com sua “comunicação plastificada”, excludente e verticalizada.

É com essa óptica e dinâmica que gerimos desde 2011 o nosso fazer pedagógico e político, tanto as oficinas quanto as atividades intermunicipais, dando um único corpo e cadeamento para enredar nossa história, unir e fortalecer nossos fios.

Outro momento que vale relembrarmos logo no início deste semestre foi o exercício de reavaliação da nossa caminhada no último triênio que constituiu-se como mais um marco na nossa trajetória, pois representou o esforço de projetarmos o futuro da Rede (2012 a 2014) a partir do acúmulo das nossas experiências e debates em torno da nossa prática pedagógica e política.

 

Olhamos para o nosso planejamento coletivo 2011 e desenvolvemos um processo gradual de avaliação do 2º Programa Nacional de Formação e das Políticas de Comunicação, Gestão e Organicidade, o que resultou num texto que tinha por objetivo sintetizar reflexões, propostas e orientar o debate sobre os nossos desafios enquanto Recid para o próximo período. Em janeiro, munido(as) deste texto debatemos no coletivo estadual e, no Encontro Macrorregional, na cidade de Pedro II, no Piauí, vimos brotar, da nossa luta, um novo Nordeste que foi forte rumo ao XI Encontro Nacional grávido do nosso esperançoso futuro problematizado.

 

Em março, no XI Encontro, Brasília/DF, parimos, num parto normal e coletivo, o nosso Plano Nacional de Formação e as diretrizes das nossas políticas para os anos que se aproximam.

No mês seguinte, abril, definimos os primeiros cuidados com o recém-nascido durante a 1ª Reunião Ampliada 2012, onde na oportunidade, dialogamos com a equipe responsável pela Articulação política da Recid na Cúpula dos Povos encaminhando a participação de 02 educadores(as) por estado, educadores(as) estes(as) responsáveis por articular outros movimentos e comitês estaduais para potencializar a participação popular na cúpula. Outra deliberação foi a decisão de realizar uma roda de conversa sobre educação popular e o bem viver, onde apresentaríamos a atuação direta da Rede em defesa dos biomas brasileiros. Registramos aqui o equívoco da equipe em substituir a apresentação do bioma Caatinga pelo Serrado, não que um seja mai
s importante que o outro, mas que não nos pareceu uma construção legítima e em rede.

A Rede estadual, na tentativa de cumprir seu papel de articuladora e formadora, realizou atividades de cunho formativo junto aos movimentos, mas não conseguiu dialogar com o Comitê estadual, muito embora tenha tentado inúmeras vezes.

Outra luta que caracteriza a Recid em todo o estado é a mobilização e organização sociais voltadas para o exercício do controle das políticas públicas. Neste tocante muito se foi feito neste semestre. Além da participação nos fóruns e conselhos, em reuniões mensais, participamos, com a proposta de debater e inserir a pedagogia e metodologia da educação popular nos espaços onde se tencionam e disputam o poder, da Reunião Regional dos Conselheiros de Municipais de Saúde, com presença do Conselho Estadual de Saúde – CESAU, o que resultou no convite e participação da Rede no I Encontro Nordeste de Movimentos Populares em Saúde – MOPS, em Fortaleza, com presença dos estados do Pernambuco, Maranhão, Ceará e Bahia e do Representante do Ministério da Saúde, que discutiu a importância da Educação Popular Crítica Freireana e as possibilidades de contribuir com os movimentos populares em saúde.

Neste semestre, incidimos ainda mais na Luta pela Convivência com o Semiárido, o que não data só deste período, pois histórico, cultural e geograficamente estamos envolvidos. Muito se tem o que anunciar: mudamos nosso pensamento de sermos flagelados, vítimas do infortúnio divino e de sermos produtos da chamada “indústria da seca”, mas ainda existem denúncias a serem feitas e enfrentadas. Este ano fomos assolados por uma violenta seca, considerada uma das maiores dos últimos 50 anos, que agrava a situação das famílias, principalmente as rurais, em todo o estado e, melhor dizendo em todos os estados que compõem o nosso semiárido brasileiro. Mesmo sabendo que não se combate a seca, nos empenhamos, mobilizamos e nos organizamos enquanto movimentos, fóruns, redes e articulações. Algumas das ações concretas deste semestre são a nossa contribuição na construção das cisternas do P1MC, onde com o nosso tom, nos propomos a realizar as formações, com ideias que culminem com um processo mais completo no tocante a socialização do programa, bem com na difusão das políticas públicas que garantem acesso á saúde, educação e moradia. Também estamos fortalecendo a juventude camponesa na produção agroecológica e no acompanhamento das ferias de sócio-economia solidária e na rede de ecoturismo comunitário na chapada do Araripe. Uma grata novidade é que desde o dia 14 de junho, na região do Cariri, estamos firmes na Coordenação do Fórum Araripense de Prevenção e Combate a Desertificação, que elencou priorizar lutas que nos desafiam e nos estimulam a enfrentá-las.

Enfim chegamos á Cúpula com o propósito de negar a chamada “Economia Verde”, proposta pela ONU como um modelo econômico e ambientalmente correto e sustentável, por entendê-la como a nova roupagem do Neoliberalismo e válvula de escape para o Capital se restabelecer. Entendemos a cúpula como “uma atividade que termina em si, mas um instrumento para uma construção mais ampla. Parte de um processo de mobilização internacional e procura avançar na construção de espaços de análise da conjuntura, construção de uma agenda comum e dar visibilidade as verdadeiras soluções vindas dos povos”. Neste tocante e com a proposta de dialogar e contribuir com os demais povos da cúpula, realizamos no dia 19, a nossa Roda de Conversa sobre a “Educação Popular e Bem Viver”, onde dançamos e dialogamos numa ciranda popular, comprometida e amorosa sobre as práticas e conceitos de uma vida “bem-vivida”.

Na MARCHA DOS POVOS, encorpamos e ressoamos em uma só voz, por mais que fosse a várias línguas e sons, um apelo pela vida do planeta. Ressaltando aqui que fomos impedidos de participar do Ato na Vila Autódromo pela parte da manhã do mesmo dia, o que não anulou a grandiosidade da articulação dos movimentos em marcha. Mas, registramos aqui o nosso repúdio.

Foi assim que analisamos o que foi, é e, continuará sendo, se for necessário, o clamor humano e ecológico por um novo projeto para a humanidade e o planeta. Projeto este que nega o Capital em suas várias facetas, inclusive a pintada de verde.

Certos e certas de que “Mudar é difícil, mas é possível” e da necessidade de continuarmos na militância, que nos convoca a cada nascer do sol a lutar pelo anúncio desse mundo sonhado e possível, estamos atentos e fortes na perspectiva de construção do Poder Popular, ousando sonhá-lo, mesmo sabendo que “na verdade, a transformação do mundo a que sonhamos e aspiramos é um ato político e seria ingenuidade não reconhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos”.

 

Cordiais saudações,

 

Educadores e Educadoras da Rede de Educação Cidadã – Ceará.

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