Carta Pedagógica Amazonas (07/2012)

Queridas/os Educadoras/es da Rede de Educação Cidadã

 

Deixe as muletas no chão,

dance

Solte a língua e xingue

Livre o rosto das rugas de preocupação, ria

Ampute a desesperança, cuspa

Cuspa no medo

(Fritz Rohrer, educador de teatro popular/Alemanha)

 

Nosso corpo é ponto de partida e instrumento de aprendizagem e libertação. Sendo corpo em rede, e em movimento, somos chamados/as a interiorizar padrões de movimentos que possibilitam reconhecer e transformar. O uso consciente desse instrumento nos leva a ter percepções concretas e libertarias. Aqui está uma das grandes causas da Educação Popular. Nosso desafio é largar as muletas e dançar sob a luz dessa nova pedagogia. Desta forma, com a intencionalidade da educação popular, a Rede de Educação Cidadã do Amazonas, como uma malha ou membro desse pequeno corpo espalhado pelo Brasil, saúda a todos/as e convida para juntos/as navegar no exercício da partilha. Assim, queremos amputar a desesperança e cuspir em nossos próprios medos. Propondo aqui a compartilha dos nossos feitos durante os meses de abril a junho do ano em pauta.

Salientamos nossas limitações diante do grande desafio de transformar vivencias em sistematização escrita, o que não é uma simples tarefa, por outro lado, o bom mesmo de tudo isso é saber que “o quase tudo será sempre o quase nada”. Pois nada estar pronto e acabado. Na educação Popular construir, desconstruir, reconstruir é uma dinâmica cotidiana aplicada com intencionalidade pedagógica e libertadora. Neste caso, vamos lá fazer o que será. E fazendo com participação dos/as envolvidos/as foi que pautamos partir da realidade, especialmente com observância e percepções de quem vive na própria pele os males deste sistema. Como isso socializamos que a construção pedagógica de nossa carta fez os seguintes caminhos: a) partimos dos eixos estratégicos e planos de ação do nosso planejamento; b) promovemos uma chuva de idéias sobre nossa pratica de Educação Popular a caminho da construção do Projeto Popular para o Brasil/Am; c) promovemos trabalho em grupo para analise de conjuntura referente as questões políticas, sociais, econômicas, organização e participação na Cúpula dos Povos e ações realizadas nos três primeiros meses.Mediante essa proposta metodológica foi possível contar com as contribuições, acúmulos e aprendizados vindos dos próprios companheiros/as participantes do coletivo estadual.

Das contribuições e acúmulos dialogados e problematizados no coletivo de contratados/as, em encontros que ocorrem sempre as terças-feiras, e no coletivo estadual de educadores/as voluntários/as, primeiro sábado de cada mês, relembramos os passos que foram dados na construção do nosso planejamento estratégico 2012, aqui pautados: em março realizamos um encontro intermunicipal com o tema Análise de Conjuntura sobre os Mega-Eventos e Mega-projetos para a Amazônia. Avaliação e planejamento da RECID/AM para avançar no sonho da construção do poder popular. O objetivo do encontro foi avaliar as atividades desenvolvidas pela Rede de Educação Cidadã do Amazonas a partir das ações do Planejamento 2011 (Convênio) e tendo como eixos as Políticas de Gestão e Sustentabilidade, Política de Comunicação, Política de Organicidade e o Plano Nacional de Formação – PNF (Formação e Trabalho de Base) com o intuito de pensar as ações.

Dos resultados deste evento destacamos a construção e síntese do Planejamento Estratégico da RECID Amazonas para 2012, o que foi dividido em 04 eixos: Formação e Trabalho de Base (PNF); Organicidade; Comunicação; e, Gestão Compartilhada e Sustentabilidade. Nele contém as diversas atividades de oficinas e intermunicipais com suas respectivas temáticas, localidade e público envolvido. A intencionalidade em foco do planejamento visa: a) qualificar as ações e empoderar pessoas dos processos da educação popular; b) fortalecer a organicidade da rede nas comunidades e municípios de Manaus, municípios entorno e região do Baixo Amazonas; c) consolidar a comunicação como um processo coletivo de construção do conhecimento; d) garantir uma gestão compartilhada, sustentabilidade pedagógica, politica e econômica da RECID Amazonas

A partir da definição do Plano de Ação a RECID/AM, no período de abril não houve atividades de oficina, porém foi realizado o encontro Intermunicipal com o tema Modelo de Desenvolvimento, Mega-eventos (Esportivos, Rio+20), Mega-projetos, onde o objetivo do encontro foi realizar uma análise sobre o Modelo Desenvolvimentista, a partir da formação, multiplicação das ações, para fortalecer as lutas de enfrentamento e a construção do Projeto Popular com Grupos de Base, Movimentos Sociais e Articulações em Rede. Esse encontro teve a parceria do Comitê Popular da Copa, com assessoria da Rede Jubileu Sul.

As atividades do aditivo iniciaram no mês de maio, onde houve a mudança de duas educadoras, entre o Convênio (2011) e Aditivo (2012). As oficinas, a partir do Plano de Ação, ocorreram de modo a fortalecer os grupos já acompanhados e que formam o Coletivo Estadual, mas também tivemos a ampliação de novos grupos em outros municípios. Passamos a abranger os municípios de Careiro Castanho, Itapiranga e Silves, além dos 10 já acompanhados.

Nesse período, estivemos participando das ações do Comitê Popular da Copa 2014, da Comissão Estadual rumo a V Plenária do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, Fórum das águas e Plano Diretor, dentre outros espaços. Outras participações foram em preparação para a Cúpula dos Povos, onde participamos da realização de três ações locais interligadas a Cúpula. A primeira foi no dia 05 de junho, onde estávamos na exposição Oca do Conhecimento: Na Construção da Cidadania Ambiental, com a experiência da agricultura urbana. A segunda foi a Marcha de Mobilização dos Catadores e Catadoras em Defesa do Meio Ambiente e a terceira no dia 20 de junho, dia da Mobilização Global da Cúpula dos Povos, com um ato público na frente da Arena da Amazônia (onde estão construindo o estádio de futebol para a copa 2014).

Pois bem, em três meses conseguimos dar alguns passos rumo à consolidação do projeto popular. Primeiro, mantendo, com todos os desafios deste modelo de convenio, a gestão compartilhada e a organicidade da rede nesta região. Isto nos remete afirmar que, para além das fragilidades dos próprios movimentos sociais e grupos de base, o que é também um reflexo na rede, estamos conseguindo dar continuidade ao processo organizativo da RECID Amazonas, como também, de modo particular, manter regularidade dos encontros do coletivo estadual, este sempre pensando com os educadores/as voluntários/as, o modelo da gestão compartilhada.

Muito nos anima ter a certeza de que, apesar das fragilidades e crises, estamos em “criação de um mundo em que seja menos difícil amar”, como afirma Paulo Freire. Por isso, com intencionalidade de uma educação libertadora continuamos na luta e fortalecendo os espaços de protagonismo da população, como é o caso da nossa participação na Radio Comunitária A Voz das Comunidades, 87.9 FM, levando sempre uma boa noticia com foco nos temas sobre Educação Popular, Comunicação Popular, Democracia e Participação Cidadã, Metodologia do Trabalho Popular, Cidadania e Combate a Corrupção, Política Representativa: função do Legislativo e Executivo.

Foi também nestes três meses que toda a região do Amazonas sofreu a maior cheia já registrada na historia desse estado. Com
cidades totalmente tomadas pelas águas, famílias das áreas urbanas e ribeirinhas com suas casas alagadas, plantações perdidas, e tendo que serem deslocadas para casas de parentes, prédios públicos e outros. Já aqui registramos a ação dos governos federal, estadual e municipais que atenderam as famílias com doações de cartões intitulados de “bolsa alagação”. No entanto, em nível local que também se registre nesse cenário a omissão, o descaso, a falta de planejamento e ainda a presença da forte cultura paternalista e assistencialista dos governos estadual e municipais, pois órgãos científicos já haviam projetado e mensurados sobre a cheia. Tais projeções foram ignoradas pelo governo estadual. A cheia dos rios e os impactos dela advindos foi sempre uma “moeda de troca em tempos próximos à campanha eleitoral nesta região”

De modo particular destaca-se nesse cenário a atuação da rede na região do Baixo Amazonas que se voltou, de maneira estratégica, para manter a realização das oficinas de base e ao mesmo tempo fortalecer parcerias com outros seguimentos que realizaram campanhas de emergências para coleta de alimentos e outros itens necessários, a serem doados para as pessoas alagadas. Como foi o caso da parceria com a UFAM-Universidade Federal do Amazonas e a Cáritas Arquidiocesana de Manaus.

A conjuntura politica da região, misturada com o advento da cheia dos rios, trouxe a tona a dependência partidária e politica dos prefeitos, a fragilidade, ineficiência e má administração dos bens públicos e, sobretudo revelou a corrupção dos poderes executivos e legislativos municipais. Que segundo o TCE apresentam prestação de contas retalhadas, o que dão margem a desvio de recurso publico, particularmente com verbas voltadas para a área da educação, como é a verba da merenda escolar. Isto se dá também por conta das alternâncias de prefeitos, fato que ocorre na região devido a crimes eleitorais ou o envolvimento com o crime de pistolagem.

Aqui na região ainda vivemos numa cultura do benfeitor e numa orfandade política, social e econômica. O povo vive abandonado pelos políticos, estes geralmente profissionais que se perpetuam há anos no poder, enquanto que o povo é espoliado pela economia, escorraçados pelos detentores do poder, minado por uma angustia psíquica e agredido pela miséria social. É um tempo em que se perpetua através das novas ferramentas a cultura do benfeitor, há benfeitores para tudo, principalmente agora no período da campanha eleitoral. Vivemos em uma época forte de má gestão, corrupção e descontrole em todas as áreas do setor publico aqui nesta região.

Em Manaus, capital do estado, onde se concentra em media dois milhões de pessoas, a receita tributaria fechou o semestre com alta de 22%, sendo o IPTU o imposto que mais teve ascensão arrecadando mais de R$ 47,8 milhões. No geral este percentual representa que de janeiro a junho o município faturou mais de R$ 341,2 milhões. Segundo o jornal a critica, o Secretario Municipal de Finanças, Planejamento e Tecnologia da Informação (Semef), afirma que os números positivos refletem a atual eficiência da maquina arrecadadora e da administração municipal.

Ao contrario da “eficiência” da maquina arrecadadora a cidade se arrasta com um “pandemônio”, o que reflete justamente uma concepção “arquétipo oligárquico” dos gestores municipal e estadual, onde a mentalidade que impera é a de que as elites são cortejadas, o povo depreciado, pois é tido como incapaz para decidir. Sendo a elite, em muitos casos corrupta, a mais valorizada do que o trabalhador/a manauara. Exemplo disso tem sido a concentração de serviços e melhoria de infra estrutural nas áreas nobres da capital, enquanto que bairros inteiros sofrem com a falta de saneamento básico, com péssimos serviços prestados na área de abastecimento de água, saúde, transportes públicos e outros.

No caso especifico do abastecimento de água o PROAMA – Programa de Águas para Manaus, ainda veiculado na gestão anterior a esta, tem sido até o presente momento apenas promessas, não saiu do papel. O programa apresentado pelos governos estadual e municipal tem projeção de atender 500 mil pessoas, particularmente nas duas maiores zonas da cidade, Norte e Leste. O programa que foi lançado em 2008, está com atraso de quase dois anos na execução, e já foram gastos recursos publico estadual na ordem de R$ 365 milhões, sendo que o projetado inicialmente era de 249 milhões. Este serviço ainda não saiu por questões política que implicam estratégias e articulações para manter o povo órfão e reféns dos períodos eleitorais, sejam da política estadual como da municipal.

Outro exemplo tem sido o “rolo compressor” na construção da Arena da Amazônia. Onde os processos impactantes dessa obra, em função da copa para 2014, prevêem a limpeza da cidade, ou seja, os pobres serão removidos para áreas distantes do centro comercial com o fim de mostrar aos turistas a beleza da cidade. Fato este que já vem sendo realizado no centro comercial da cidade.

Enfim, nessa contradição, de um lado os governos de Lula e de Dilma que apontam praticas com outro modelo de desenvolvimento, mesmo que ainda seja numa lógica do então intitulado “Ordem e Progresso”, mas que, sobretudo apresentam resultados positivos com inclusão social da grande massa populacional que se encontram a margem do sistema. Do outro lado, suas bases, seus aliados que numa resignação produzem e mantém em suas praticas a reprodução de abusos históricos. É que a Rede de Educação Cidadã do Amazonas, com um Pé Dentro e um Pé Fora, cumpre papel fundamental na organização do povo. Assim, compreendemos que somos um corpo em movimento e uma rede em construção.

Sendo corpo em movimento e rede em ascendência, mesmo com nossas limitações e fragilidades, estamos denunciando e anunciando, como diz Frei Betto:

Se o ser humano não se descobre cidadão sujeito histórico, até mesmo suas aspirações mais elementares como alimentação, saúde, educação, trabalho, moradia e cultura ficam confinadas ao paradigma liberal-burguês. Busca-se apenas a melhoria das condições de vida, o que é justo. Mas não é suficiente. É preciso modificar também a nossa maneira de pensar, a nossa postura, as nossas atitudes, a nossa escala de valores. Eis o papel da Educação Popular (Cartas Pedagógicas da RECID, 2008, p. 77).

 

Isto sim tem nos permitido avançar com grande motivação para participarmos de uma cidadania coletiva onde sua proposta é de um projeto histórico que responda às necessidades vitais da sociedade.

Finalmente, reafirmamos que nossa busca, a luz da metodologia da Educação Popular, é para que os cidadãos, homens e mulheres Amazonenses, das áreas onde estamos com eles nos permitindo trocar saberes, reencontrem o censo critico. Pois a criticidade leva as pessoas a questionarem fatos, injustiças, autoritarismo, nepostismo, corporativismo e pobreza crônica.

 

Fraterno abraço,

 

Rede de Educação Cidadã do Amazonas

Equipe de contratados/as: Ribamar Oliveira, Pedro Paulo, Maria Gorete, Rosiete Barros, Antonia Maria, Ana Rita e Valdemilson Pires

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