Carta Pedagógica Minas Gerais (02/2012)

Caros(as) Recidianos (as),

Nós Educadores/as da Recid-MG reunidos em Belo Horizonte, nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2012, relatamos nossa discussão e amadurecimento das ideias que levantamos ao fazermos a análise de conjuntura e proposições para o PNF. Partimos da nossa mística lembrando o aniversário de Dom Hélder Câmara, que com suas palavras e práticas pedagógicas inspira e revigora nosso caminhar: “É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca.”

@s, iniciamos nossa análise dos desafios da conjuntura para o campo das lutas populares no nosso encontro estadual realizado de 10 a 12 de fevereiro, com a participação de alguns dos movimentos sociais e redes sociais no Estado, quando debatemos

Avaliamos que num contexto de profunda crise e mudanças econômicas e sociais, em que o capitalismo globalizado tenta se reciclar para avançar em seu projeto de enriquecimento de poucos, os impactos sobre o cotidiano do trabalho e da vida e da produção das subjetividades (individualismos, psicopatia social, consumismo exacerbado) a realidade é cada vez mais complexa, acelerada e de difícil entendimento. Nesse contexto o governo em MG caracteriza-se por sustentar um planejamento centrado no desenvolvimentismo com um forte viés “neo-liberal”, numa lógica de mercado e manutenção do “Estado mínimo”, onde as privatizações da saúde, da educação, das políticas sociais e do sistema penitenciário têm sido a tônica. Além disso, a exploração dos recursos naturais como a mineração, a privatização do uso da água, a exploração do gás natural e o boom imobiliário, tem atingido milhares de famílias, que são expulsas de seus territórios, casas e espaços que sempre ocuparam e viveram por várias gerações.

Ao mesmo tempo este “Estado mínimo” vive uma relação ambivalente com a sociedade, vide as longas greves dos professores, dos policiais civis, que resultaram em acordos que logo depois foram descumpridos pelos órgãos do governo de Minas. Por outro lado, procura uma aproximação com os movimentos sociais, lançando o programa Minas sem Miséria e trazendo para dentro do Estado pessoas de reconhecida expressão nos movimentos sociais. Contudo, nos últimos anos percebemos uma tentativa dos movimentos sociais de sair da posição defensiva e de refluxo impostos pela conjuntura das duas últimas décadas. Neste sentido temos que repensar/requalificar nossa atuação nos preparando para o 4º Encontro dos Movimentos Sociais, que acontecerá em maio deste ano.

Também percebemos a inoperância do governo federal com relação à questão da terra, a não realização da reforma agrária e nem mesmo de uma política de assentamentos, a exemplo do Projeto de Assentamento Fritz, no vale do Mucuri que espera há quase 10 anos pelo parcelamento de suas propriedades. A longa espera pelo reconhecimento e regularização dos territórios quilombolas e a terceirização no caso dos laudos, onde empresas assumem o papel do estado nesses serviços.

Tudo isso indica a necessidade de reafirmar nossa missão de contribuir para reacender as utopias, retomada do trabalho de base, revisão de valores, colocando no centro das discussões o debate sobre o projeto de sociedade, de “um novo e possível” mundo.

Reconhecemos que a tarefa é difícil e que fazer educação popular é remar contra forte maré, sobretudo, porque as contradições se impõem, continuamente na nossa própria reprodução da lógica do mercado. Essa lógica entrou nos partidos, nas nossas organizações, nos grupos, nas famílias, nos nossos comportamentos. E na própria Recid, tendo que cumprir metas, número de participantes em nossas oficinas, nota fiscal e tantos entraves que nossa realidade muitas vezes não consegue dar conta, atropelando um processo que é lento, gradual e de longo prazo. A tradução de nosso trabalho de base no formato do convênio, em oficinas de 4 horas acaba por impor uma lógica de “escola formal” quando nosso trabalho vai muito além das oficinas, pois passa pelas idas e vindas, conversas e “causos” nas casas, visitas nas taperas, nos barracos, na participação nas caminhadas e marchas, audiências públicas, nos debates, celebrações, batizados, mutirões, seminários, rodas de conversa, “gritos” e embates nas suas mais diversas nuances.

A nossa avaliação acerca do PNF pode ser resumida em três principais pontos:

  • O formato de gestão (convênio) e das ações numa lógica de “escola formal” (atividades de sala – oficinas de 4 horas, etc) cria uma incompatibilidade com as  opções políticas e os princípios metodológicos do “PNF”;
  • A identidade e o processo de construção são ainda embrionários e pouco consolidados, não permitiu, ainda, no caso de MG a construção de um Plano Estadual de Formação, mais articulado e sistemático;
  • As atividades de formação foram mais localizadas atendendo à realidade local, às capacitações/qualidades do Educador e pouco articuladas no âmbito do Estado.

Para definição do eixo estratégico de lutas, bebemos no texto de Euclides Mance e em seguida tentamos perceber qual a implicação de se fazer opção por organizar nossa ação em eixo. Nos embaraçamos, enrolamos, enredamos e percebemos a dificuldade de entender o que é eixo/bandeira de luta, estratégia/tática. Partimos para a síntese:

– A definição mais simples de eixo talvez fosse o/ou os rumos para os quais se decide assumir ações;

– Eixo é o agrupamento das diversas lutas, sem perder o foco das ações com o objetivo de fortalecer o poder popular;

– Eixo é ligação, sustentação e deve assegurar algo comum e que alimente os sujeitos no seu cotidiano;

– Estratégia que abale a estrutura capitalista, capaz de mover “corações e mentes ” – horizonte a longo prazo;

– Um Eixo de lutas é o conjunto de ações que vai intervir na estrutura do sistema capitalista e vai nos levar à conquista do nosso objetivo: “uma nova sociedade”’;

– Deve agregar lutas localizadas; reúne diversos sujeitos (coletivos) em torno da luta mais ampla; tratadas com um caráter estratégico que afeta a estrutura para mudanças;

– Para definir um eixo de luta a ênfase deve estar no objetivo estratégico da luta (seu horizonte de transformação) que articula diferentes movimentos específicos para acumular forças rumo ao objetivo maior. Um eixo de luta nos exige clareza de horizonte político sobre as estruturas da sociedade e um olhar agudo sobre a conjuntura econômica, política, ideológica e cultural do país;

– O exemplo da Assembléia Popular em Paracatu: bandeiras – Educação popular; gênero, moradia, mineração, etc. … pode nos ajudar a entender.

– A educação “critica” e transformadora é a nossa maior estratégia.

 

Buscamos as razões e sentidos de nos organizarmos, em nível nacional e estadual, por eixos estratégicos de lutas e indicamos alguns motivos:

– Pode ser mais ‘eficaz’ e ‘acelerar’ a missão da Recid  de fortalecer o poder popular;

– Os eixos devem contribuir para reduzir a fragmentação e pulverização do trabalho da Recid;

– O trabalho em eixos vai ajudar a dar foco no trabalho da Recid;

– Somos 186 educadores que se desdobram para ‘apressar’ as mudanças que queremos ver num país de 190.000.000 hab (a messe é grande, mas os operários…);

Contudo, reconhecemos que essa tomada de decisão tem implicações práticas que talvez não tenhamos, ainda, condições de tomar.

Nesses 9 anos de Recid em Minas
Gerais cumprimos as metas de formação propostas e ampliamos nossa articulação com os grupos de base, com movimentos sociais, entidades parceiras e conquistamos reconhecimento, porém há muito o que avançar. No mapeamento e visualização da nossa pratica atual, percebemos que nosso trabalho retrata ações de formação de três naturezas: acompanhamento sistemático de grupos, articulação, apoio a lutas específicas e localizadas, no campo e na cidade. E nossos educadores contratados estão localizados em seis microrregiões (Zona da Mata, Metropolitana, Norte de Minas, Vale do Mucuri, Noroeste e Sul) e constatamos que nosso trabalho contribui com os seguintes eixos estratégicos de lutas no Brasil, abaixo discriminados:

EIXOS OBSERVADOS

ÁREAS DE ATUAÇAO

– REFORMA URBANA

– Moradia, coleta de resíduos, meio ambiente, ocupações RURURBANAS

– EDUCAÇAO CRÍTICA E POPULAR

– MOVA, Crianças/adolescentes, mulheres, educação em DH;  População de Rua, Afrodescendentes; consciência negra

– ECONOMIA SOLIDARIA (EPS)

 

– SAN, Catadores, Empreendedores, Geração de renda, agricultura urbana, tecnologia social

– DEMOCRATIZAÇAO DA TERRA

– Atingidos, Agroecologia, Reforma Agrária, Regularização de territórios

– DEMOCRATIZAÇAO DO ESTADO

– Controle social, participação em conselhos, acompanhamento de Audiências Públicas, Fóruns, Conferencias, parcerias com poder público

– ENFRENTAMENTO ÀS TRANSNACIONAIS, AGRONEGÓCIO, MEGAPROJETOS

– Mineração, Atingidos pela COPA

 

 

Atuar em tantos eixos de lutas pode indicar certa dispersão, e exige de nós, educadores/as, continuar a aprofundar na pertinência deste tipo de atuação para eficácia dos resultados e a qualidade de nossas ações. Concluímos que é necessário focalizar, articular melhor e dar mais profundidade às nossas ações para avançar na nossa missão, porém consideramos que não temos, no momento, condições objetivas (de gestão, material e financeira) e subjetivas (amadurecimento pessoal) para decisões mais profundas. A discussão ainda é embrionária e nos comprometemos a continuar nesse esforço. Para este momento, o que nos parece possível são os seguintes  encaminhamentos:

– articular mais e melhor um plano estadual de formação;

– intensificar nossa prioridade no eixo estratégico EDUCAÇAO, articulando de forma mais consistente com as ações de educação e educação popular;

– racionalizar, integrar e focalizar mais as ações entre nós educadores;

– contribuir para discussão, junto às entidades sociais e parceiras, da efetivação do Marco Regulatório da relação do Estado e a sociedade civil organizada.

Sendo assim, queridos educadores e educadoras da Recid, queremos finalizar esta carta pedagógica esperando que contribua para a nossa tarefa de qualificar melhor nossa atuação e avançarmos nos nossos propósitos de contribuir para o fortalecimento do poder popular e a construção de outro mundo possível.

 

Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2012

Assinam as educadoras e educadores da Recid em Minas Gerais.

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