Carta Pedagógica Rio Grande do Norte (09/2012)

E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz.
Teremos coisas bonitas pra contar.

E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos.
O mundo começa agora
Apenas começamos
.

(Metal Contra as Nuvens/Legião Urbana)

 

Desculpem o atraso no envio da carta, esperamos que ainda dê tempo de falarmos de nossa caminhada, das boas, das não tão boas e novas coisas que estamos construindo.

Essa carta tem, como destinatário, todas e todos educadores populares que conservam a faculdade de sonhar, que seguem firmes na organização das lutas sociais, se embrenhando em cidades, florestas, comunidades quilombolas, indígenas e rurais desse imenso, belo e diverso país. E com os pés firmes, fincados na realidade brasileira, intervêm de forma articulada e politicamente, tendo como horizonte a construção do poder popular.

Ela tem como intenção fundamental compartilhar com todas/os as coisas que acontecem pros lados de cá, dizer da nossa ação política nesse pedacinho de Brasil. Certamente essas linhas de palavras, agora lidas por vós, não dará contar de expressar a complexidade da vida social em movimento, aqui será revelado apenas aquilo que nossas retinas fotografam e traduziremos os sons das palavras captados por nossos ouvidos, quando de  nossa prática educativa.

 

 

Começaremos a falar, então, do chão onde pisamos, o Rio Grande do Norte possui clima, temperatura e posição geográfica privilegiados, situado na esquina do continente sul-americano, numa posição central entre Europa, América do Norte e África.

Recursos naturais temos em abundancia, somos o maior produtor de petróleo em terra e de sal marinho, terras férteis, são 410 km de costa favorecendo atividades pesqueira e turística; enfim, o RN possui um enorme potencial de desenvolvimento econômico e sustentável com distribuição de renda e sem desigualdades sociais.

No entanto, assim como os outros estados do Nordeste, o RN passou por um processo de formação social com base no autoritarismo, repressão, exclusão das camadas populares e na expropriação do estado por uma elite conservadora e atrasada, responsável pelo surgimento de oligarquias com o mesmo perfil e que até hoje dirige e controlam os recursos públicos do RN, essa prática é secular e vem ao longo do tempo acentuando as desigualdades sociais.

O RN possui uma conjuntura desfavorável à construção das lutas populares, criando assim alguns limites para nossa ação política, contribui para esse cenário nossa formação social¹ e o momento político atual em que estamos inseridos.

Enquanto em âmbito nacional o DEM – Partido Democrata, dá sinais de esgotamento, sendo rejeitado eleitoralmente nos grandes centros urbanos, aqui ele ressurge das cinzas, sendo responsável pela eleição de Micarla de Souza, prefeita da capital, a maior fraude eleitoral nos últimos anos; dirige ainda a segunda maior cidade do Estado, Mossoró, e nas eleições de 2010 elegeu em primeiro turno a governadora, Rosalba Ciarlini. É nesse cenário adverso aos Movimentos Sociais que desenvolvemos nossas ações políticas.

Da nossa ação

As ações da RECID têm como base seu projeto político pedagógico, elemento unificador dos diversos sujeitos que a compõem e orientador de sua ação política pedagógica na perspectiva de construção de um Projeto Popular para o Brasil, utilizando a metodologia da educação popular freireana com referência.

Por aqui, às vezes, temos a sensação de estarmos sempre começando, mas o bom nesse re/começar é o fato de reencontramos antigos educadores e acolhermos novos.

Depois de mais uma crise, cujo desfecho resultou na saída de três educadores contratados e na paralisação das atividades, se faz urgente e necessário um olhar mais atento, uma avaliação realista de nossa prática, sem perder de vista a capacidade da crítica, como diz Gonzaguinha. “… a atitude de recomeçar é todo dia e toda hora, é se respeitar na sua força e fé, é se olhar bem fundo até o dedão do pé…”.

As constantes crises vividas e superadas pela RECID/RN possuem, como pano de fundo, um conjunto de elementos complexos e de difícil resolução, dentre eles estão: 1. A falta de clareza do nosso projeto político; 2. A falta de um modelo de organicidade para a Rede; 3. A falta de apropriação por parte dos educadores do PPP e dos documentos produzidos pela rede.

Não existe uma receita pronta para a resolução desses impasses, não é um problema matemático, onde a aplicação de uma fórmula resolveria, é um problema de ordem política, acreditamos que sua superação é de longo prazo, passa pela combinação de dois movimentos.

Primeiro: a RECID precisa se inserir nas lutas sociais, assumir seu papel de articuladora dos movimentos populares no estado, e paralelo a isso, a rede deve intensificar um processo de formação dos educadores. Será na caminhada, no fazer Educação Popular onde haveremos de encontrar uma solução, não há outro caminho que não seja a formação política e a luta social.

 

A retomada dos trabalhos precede uma reflexão sobre nosso papel, sobre nossas tarefas vindouras, sendo assim, pediremos emprestado o verso de Noel Rosa para o desafio de recomeçar: “… eu lhe pergunto, com que roupa eu vou pro samba que você me convidou…” . Recomeçar vai exigir do coletivo o mínimo de clareza dos nossos objetivos e do projeto político que queremos construir. Se tivermos consciência do nosso propósito, a caminhada torna-se mais suave e apaixonante.

Foi com esse questionamento que, em marco/2012, realizamos o encontro intermunicipal da RECID/RN. Nesse momento contamos com a presença de Dorival, membro da Comissão Nacional, e dos educadores Antônio e Iracema, ambos do Ceará.

O encontro avaliou nossas ações, constatamos nossa distancia dos movimentos sociais, a necessidade de sermos uma rede com a participação de entidades e, sobretudo definimos como desafio colocado para a RECID/RN superarmos as questões pessoais, picuinhas e discutirmos a política, a fim de melhorarmos nossa prática e visualizarmos com segurança o nosso horizonte político.

Foi feito um levantamento das oficinas realizadas, planejamos as ações seguintes, o encontro deliberou pela contratação de dois novos educadores em substituição aos educadores afastados, e redefinimos as equipes de trabalho.

Passadas as águas de março, é hora da ação, o encontro deliberou três tarefas urgentes: arrumar a casa, retomar o trabalho com os núcleos e buscar aproximação com os movimentos sociais.

Sem muita pressa e exigências, estamos tocando as coisas, pois esse momento nos impõe a condição de termos que caminhar e trocar de roupa ao mesmo tempo.

Começamos pela mudança do escritório da Rede para o centro da cidade, onde dividimos espaço com o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular-CDHMP. Estabelecemos uma parceria política e colaborativa com o CDHMP, uma organização com mais de 25 anos de atuação na luta em defesa dos direitos humanos no estado. Nesse momento o CDHMP está empenhado no funcionamento da Comissão da Verdade, já instalada em Natal, e temos participado dessa articulação e mobilização política em conjunto.

Com a mudança para o centro da cidade, temos avançado no que diz respeito ao expediente dos/as educadores/as no escritório, bem como na realização de reunião ordinária toda semana; estamos elaborando um banco de dados com os contatos das pessoas que compõem a Rede – o que vai melhorar nossa comunicação.

Além da participação no processo de instalação da Comissão da Verdade em Natal, nesse período participamos do comitê local da Cúpula dos Povos; tivemos três representantes da RECID/RN na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro; temos construído uma intervenção e parceria com o movimento da Economia Solidária; abrimos diálogos com o DCE/UFRN, Coletivo Leila Diniz, Consulta Popular, PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular, Marcha Mundial das Mulheres, Grupo Habeas Corpus Potiguar, Comitê da Copa; estamos articulando um novo núcleo da RECID na cidade de São Gonçalo do Amarante/RN e temos estabelecido contatos com antigos núcleos na perspectiva de retorno à Rede.

Paralelo a essas articulações políticas, fomos construindo roteiro metodológico, programação e a mobilização para o Encontro Intermunicipal da Rede.

Realizamos, no último final de semana do mês de julho, o Encontro Intermunicipal da RECID/RN, cujos objetivos foram: 1. Refletir sobre a concepção metodológica dialética da educação popular e sua contribuição para a prática educativa na RECID; 2. Discutir, refletir e tirar encaminhamentos sobre organicidade da RECID no Estado.

O Encontro contou com a representação dos atuais núcleos da Rede, de antigos núcleos e do novo núcleo que está sendo construído; tivemos a presença de Iracema Moura, representando o Talher Nacional, e de Iracema Silva da RECID/CE, contamos ainda com a participação de Ana Claudia, do Coletivo Leila Diniz, e de Suzany Gadelha, da Consulta Popular, que juntamente com Iracema Moura facilitaram a roda de conversa sobre conjuntura.

A conversa sobre conjuntura nos revela muitos e grandes desafios: entender a complexidade da crise econômica internacional, barrar o avanço do agronegócio, fortalecer a luta pela terra, a agricultura familiar e os empreendimentos de economia popular e solidária.

Enfrentar o atual modelo de desenvolvimento capitalista, alavancado no Brasil pelas grandes obras estruturantes, vai exigir das camadas populares ações políticas articuladas coletivamente, envolvendo os vários movimentos sociais, buscando a construção de uma agenda de lutas unificada. A Rede pode e deve contribuir na articulação e na construção dessa agenda. Definimos como segmentos a serem priorizados em nossas ações Juventude e Mulheres, que estão inseridas nas lutas do campo e da cidade.

Organicidade

O debate em torno da Organicidade da RECID/RN teve a contribuição de Iracema Moura, Talher Nacional e Iracema Silva, RECID/CE.

A RECID/RN atuava em três regiões, hoje nossa  ação se estende por quatro regiões geográficas do Estado, assim distribuídas:

 

1.  Terras Potiguares com núcleos ou articulações políticas em Natal nos bairros de: Redinha e KM 6, e nas cidades de São Gonçalo do Amarante, Macaíba e São Pedro;

2.  Região do Seridó com núcleos nas cidades de: Curais Novos, Flôrania, São Vicente e Tenente Laurentino;

3.  Região do Mato Grande com núcleos nas cidades de: Taipu e Galinhos e nas seguintes comunidades: Logradouro, Matão, Itaibuna, Umbuzeiro, Assentamento Surubim e Tabua;

4.  Vale e Oeste Potiguar com núcleos nas cidades de Campo Grande e Porto do Mangue.

Definimos para cada região um/a ou mais educador/a referencia com a tarefa de organizar e animar as ações da rede. A ideia inicial é de realizar reuniões bimensais, onde todas as regiões vão fazer levantamento das conjunturas locais, das realidades dos grupos, planejar coletivamente as ações da Rede, articular e mobilizar os núcleos.

As atividades regionalizadas têm como base para sua atuação política os eixos e prioridades definidos em âmbito nacional e estadual. No que diz respeito à organicidade, uma das prioridades é debater o que entendemos por regionalização da RECID/RN e refletir sobre o coletivo estadual.

As reuniões do Coletivo Estadual se constituem enquanto instancias  de formação política e é também de  deliberação das questões gerais da RECID/RN. Como estamos no início de um processo de repensar e refazer a organicidade da Rede, chegou a hora de termos mais clareza sobre a função do Coletivo, sua composição, critério de eleição ou escolha e tempo de mandato de seus membros.

Vamos encerrando por aqui, com saudades de todas/os que agora leem essas tortas linhas de palavras e a certeza de ter esquecido alguma coisa.  Por enquanto é isso que temos pra falar e dizer. Agora é seguir firme a caminhada, construindo as novidades para a nova estação, pois assim como Cecília Meireles acreditamos que a primavera vai chegar.

“ A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega…”

Quando setembro anunciar a chegada da nova estação, espalhando por aqui o cheiro e as cores da primavera, teremos muito mais coisas bonitas pra contar, por que assim como o girassol gira na direção do sol, haveremos de girar toda nossa disposição, inteligência e criatividade em direção à luta do povo na construção do poder popular.

 

 

Natal/RN, 24 de agosto de 2012.

 

RECID/Potiguar

 

¹- Ver construção social do RN na publicação sobre sistematização da experiência da RECID/RN

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