Um ensaio sobre o momento e os desafios da Educação Popular – no Brasil e na América Latina.

Um ensaio sobre o momento e os desafios da Educação Popular – no Brasil e na América Latina.

Contexto atual

No ultimo FREPOP – Fórum de educação popular, realizado em Lagarto-SE, para além das avaliações sobre o próprio evento que foi o décimo segundo de sua história, ao final realizamos uma reflexão sobre o papel do FREPOP e o esgotamento de seu atual modelo de organização. Esta já é uma discussão que estamos amadurecendo a pelo menos três edições do FREPOP. Concluímos sobre a necessidade de sistematizarmos a experiência do FREPOP e repensarmos um novo modelo de organização e realização, que amplie a participação nacional e internacional de educadores e educadoras no processo de fazer o FREPOP, e que por fim se desvincule da ONG FREPOP, que hoje o organiza.

Convidado a participar da Assembleia Intermediaria do CEAAL em Quito-Equador, estivemos eu e o Educador Antônio Folquito Verona entre os dias 29 de agosto e 1 de setembro, que reuniu organizações que atuam nos pressupostos da educação popular enraizadas em praticamente todas as regiões da América do Sul tais como Região Andina, Centro América, Cone Sul, e pela dimensão territorial, México e Brasil. Neste evento participamos do intenso debate sobre o momento do CEAAL seu o contexto atual e os desafios que o cercam, se estabeleceu um fecundo dialogo muito similar com o que vivenciamos no interior do FREPOP.

Participando da assembleia do CAMP ( Centro de Assessoria Multiprofissional, uma escola de cidadania que atua com educação popular a 30 anos) realizada em Porto Alegre, deparei-me com um debate similar ao do FREPOP e do CEAAL, guardadas as devidas proporções e características, o CAMP que fez 30 anos em 2014, rediscute seu formato de organização inclusive como ONG dentro do processo de articulação das ações de educação popular no Rio Grande do Sul, no Brasil e em cooperação com outras instituições internacionais.

Pelas veredas da educação popular no Brasil, tenho encontrado educadores e educadoras da RECID – Rede de Educação Cidadã, uma das mais importantes Redes de movimentos e educadores/as, vinculados/as e estruturados a partir de um programa de governo iniciado pelo Frei Beto no primeiro governo Lula. A RECID tem como mérito ser uma rede efetiva que reúne experiências, valores, aprendizagens da vários setores da educação popular organizados no campo, na cidade, nos quilombos, aldeias e na floresta. Minha observação pessoal, sobre estes breves encontros em que tive a oportunidade de estar presente ou dialogar com educadores/as da RECID, remete ao desafio constante de enfrentar atuar com um pé dentro e um pé fora do governo. Experiência que com certeza promove aprendizagem constante em administrar contradições na tensa relação entre estado e sociedade civil. Para além das importantes conquistas e méritos, o debate sobre o futuro da RECID esta aberto, e tem diálogos com dilemas similares aos enfrentados para seu formato de organização próximo aos exemplos mencionados anteriormente.

Contexto histórico.

A educação popular foi fundamental na década de 80 e parte dos anos 90 para a resistência às politicas neoliberais desenvolvidas por governos alinhados com o consenso de Washington para a América Latina. Este foi um período de refluxo da organização das camadas populares com baixa capacidade de articulação entre as diversas experiências de educação popular. Apesar de todas as dificuldades, não foram poucas as atividades que reuniram pessoas em todos os cantos da América Latina para compreender a partir de sua realidade as consequências das politicas implementadas pelo neoliberalismo e oferecer alternativas para superar o momento defensivo em que vivíamos.

As camadas populares resistiram, e abriu-se um novo processo conquistado com luta e sangue para a democratização do Estado, que no final dos anos 90 e inicio dos anos 2000 tiveram suas sementes germinando.

Tomando aleatoriamente como ponto de partida o ano 1999 com a primeira eleição de Chaves (Venezuela), nos anos seguintes com as vitorias de Lula (Brasil), Bachelet ( Chile), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia), Mujica (Uruguai) entre tantos mais ou menos progressistas abriu-se espaços para que as organizações de educadores e educadoras populares pudessem sair da defensiva e construir uma agenda de ofensiva, reorganizando forças, reconhecendo-se nos Fóruns nacionais e internacionais, sistematizando sua historia de luta, dando significado a vida de seus mártires e projetando o futuro em ações no presente.

Falando especificamente do Brasil, a maneira particular de interpretar e agir no mundo proposta pela educação popular a partir de cada contexto, ocupou nesta ultima década espaços de atuação que dialogam com vários segmentos e setores da sociedade e que não se via nem mesmo no período democrático que antecedeu o Golpe Militar quando Jango iniciava o processo de enraizamento da alfabetização de jovens e adultos pela perspectiva freireana como uma politica de Estado.

Os caminhos

Um dos caminhos para entendermos o momento atual talvez esteja em nos dedicarmos a entender a inquietude que esta no centro das organizações, redes, instituições e grupos de educação popular. Sermos bons ouvintes destas inquietudes para sermos capazes de formularmos boas perguntas.

As perguntas surtem de uma boa escuta de contextos objetivos, são produto das reflexões sobre a realidade vivida, experimentada de alguma forma pela experiência humana. No entanto há perguntas que nos remetem a um comportamento circular, que sentimos sempre retornamos ao mesmo lugar, e outras que nos impulsionam e promovem respostas que são capazes de mobilizar contextos, alterando a realidade, em alguns casos revolucionando a vida.

Talvez, este seja o segundo caminho, a fundamental tarefa que devemos nos impor como um esforço pessoal e coletivo. Ampliarmos nossa aprendizagem para escutar. Impactou-se muito a perspectiva de Rafael Echeverria herdada dos estudos do biólogo Humberto Maturana sobre a distinção entre ouvir e escutar. Nesta perspectiva ouvir é uma condição biológica característica da vários seres vivos, entre eles os seres humanos. Escutar é uma ação própria dos seres humanos, pois esta intrinsecamente ligada a condição de interpretar, dar sentido e significar.

Tome como metáfora a ideia de que cada uma das experiências de educação popular na américa latina é uma arvore enraizada, que já foi uma ideia que germinou, tornou-se um pequeno broto e hoje tem raízes profundas nas comunidades e contextos onde atua. Agora proponho um convite ao encantamento, que abre mão da razão e eleva-se para além do espaço seguro das raízes. Sugiro que a arvore se veja sobrevoando a floresta, para além das copas de todas as árvores e observe quantas arvores estão a sua volta, e quantas mais surgiram depois de si, muitas a partir de sementes que ela mesma produziu, cuidou e jogou ao vento, germinaram, e hoje ocupam seu espaço. A floresta é resultado da ação de educadores e educadoras populares que nos últimos, e antes mesmo deste tempo, com sua diversidade de experiências, em seus afazeres anônimos resistiu e consolidou-se como um espaço politico e metodológico de interpretar o mundo e o ser humano e desta interpretação construir novas formas de convívio, com amorosidade e cuidado, mas com compromisso de transformar.

Problematização

Há no interior dos debates que desatamos a partir das experiências de organizações, instituições, redes e Fóruns uma algumas questões que surgiram e tratarei aqui somente de descrever como as escutei até o momento.

Como ampliar os espaços para a tomada de decisões necessárias a ação coletiva, para novos aprendizados que tenham como consequência resultados novos, que incidam no novo mundo que se faz a partir das praticas da educação popular?

Quais os caminhos para expandir as articulações entre organizações de educação popular e educadores e educadoras que atuam em cada país da América Latina, nos territórios formais e informais do conhecimento humano?

Como estabelecer marcos de conquistas, e ao mesmo tempo abrir-se para novos processos de conhecimento que tenham a capacidade de revelar contextos, contradições, dilemas e perspectivas para as camadas populares organizadas a partir da ação, reflexão e atuação de educadores e educadoras populares na América Latina?

Como criar espaços de sustentação da ação social sem a dependência de recursos provenientes de politicas de Governos, mas ao mesmo tempo, sem abrir mão de disputar o resultado da riqueza produzida pela força de trabalho social e popular, e que é administrada pelo Estado?

Estas são algumas das questões que escutei nas atividades que participei e que, por mais distante que se encontrem o FREPOP, o CEAAL, o CAMP e RECID, com as varias deres e grupos que participam dentro destes espaços, percebo que realizamos os mesmos diálogos, o que revela talvez a necessidade de construirmos juntos, respostas que sejam capazes de incidir de maneira amorosa, mas, poderosa na realidade.

MARCIO CRUZ – Educador Popular que atua na coordenação do FREPOP – Fórum de educação popular.

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