O governo Lula fracassou na reforma agrária

No Boletim Especial Letra Viva – MST Informa nº 107 foi divulgado o artigo do pesquisador Juliano de Carvalho Filho, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), que trabalhou na elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária e integra a Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA).

     
ImageDepois de fazer uma análise da forma como sucessivos governos agiram ao divulgar os balanços de assentamentos de trabalhadores sem-terra, o professor ratifica a posição do Movimento Sem Terra em relação ao governo Lula: os números divulgados não estão de acordo com a realidade e não representam um efetivo processo de Reforma Agrária.

 José Juliano de Carvalho Filho*

Controvérsia sobre números não é novidade quando se trata de reforma agrária. Quem acompanha a política agrária no Brasil deve se lembrar de várias situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula.

No governo Figueiredo, final do período ditatorial, houve controvérsia sobre os números da reforma. Naquela época, final de 1984, foi oficialmente anunciada a emissão do milionésimo documento de titulação de terra. O governo de então apontava este fato como evidência de que estava em curso no país o maior programa de reforma agrária do mundo .

Os jornais publicaram várias análises. Manifestei-me a respeito em artigo publicado pela Folha de S. Paulo à época: O milhão de títulos anunciados refere-se a uma série de documentos, entre os quais se incluem títulos de propriedade definitivos para agricultores sem terra, para posseiros que já ocupavam a terra e títulos com direito a ocupação provisória. Evidentemente, a dita maior reforma agrária do mundo , e dos militares, não ocorreu. Cabe também relembrar o óbvio, ou seja, os movimentos sociais foram perseguidos e reprimidos nesse período negro da nossa história .

Em dezembro de 1995, primeiro ano do governo FHC, o presidente da República afirmava na imprensa ter conseguido cumprir a meta de campanha, assentando mais de 40 mil famílias. O MST questionava os números oficiais, apresentando o número de famílias assentadas em 1995 como inferior a 15 mil. De acordo com o movimento, a diferença se devia ao fato de que FHC, para chegar à meta de 40 mil famílias assentadas naquele ano, somara títulos de regularização fundiária de processos que vinham de governos anteriores e, ainda, de títulos de posseiros. Para o MST, a meta anunciada pelo governo se referia a 40 mil novas famílias que seriam assentadas.

Megalomania tucana

Durante a campanha pela reeleição, sempre a inflar seus supostos feitos, o então candidato FHC afirmava pelo site do Incra: O Brasil está realizando a maior reforma agrária em curso no mundo. Na televisão, na propaganda oficial, ator famoso anunciava: Uma família assentada a cada cinco minutos.

O segundo mandato, marcado pela chamada reforma agrária de mercado de FHC, desmontou conceitos e condições para uma distribuição fundiária efetiva. Duas linhas de atuação norteavam o governo. De um lado, agressividade na implementação da política fundiária, anúncio de medidas e números, sempre, com razão, contestados. De outro, com a conivência da mídia, crítica contínua aos movimentos sociais, sobretudo, o MST com os objetivos de desqualificá-los, enfraquecê-los e criminalizá-los. Essa outra maior reforma agrária em curso no mundo também não ocorreu.

Chegamos ao governo Lula. De início, houve esperança na concretização da aspirada reforma agrária. Foi encomendada uma proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Seu objetivo era desencadear o tão necessário processo de mudança estrutural em favor das populações vulneráveis ao modelo vigente e reverter o processo de concentração fundiária.

A proposta não foi aceita. Em seu lugar, o governo anunciou o II PNRA. Mais tímido em suas metas, significou o abandono da pretensão de instalar um processo de alteração da absurda estrutura agrária brasileira. Mesmo assim, houve colaboração por parte dos movimentos no sentido de acordar com o governo um conjunto de metas que significassem uma política fundiária aceitável.

Nova frustração

Em 22 de dezembro último, depois de anunciar que a meta anual havia sido superada, o governo emite nota em resposta à crítica recebida do MST por carta em outubro, durante a Assembléia Popular, em Brasília. Entre outras afirmativas, diz que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no II PNRA… o melhor desempenho da reforma agrária em toda a nossa história . Rebate ainda as contestações do MST afirmando que o Movimento faz crítica leviana e procura estabelecer com o governo um debate sem nenhuma seriedade .

A análise dos dados disponíveis confirma a crítica ao governo. Das 127,5 mil famílias consideradas assentadas em 2005, apenas 45,7% o foram em áreas de reforma agrária. O restante 54,3% refere-se a assentamentos ou reordenação de assentamentos em terras públicas. Os dados também mostram que grande parte dos assentamentos ocorre em áreas de fronteira agrícola, seguindo o comportamento de governos anteriores. O geógrafo Bernardo Mançano, da USP, com as informações do Banco de Dados de Luta pela Terra , prova que nos três anos do governo Lula apenas 25% das famílias foram assentadas em terras desapropriadas.

A reforma agrária no governo Lula não tem capacidade de alterar a estrutura fundiária. Os únicos resultados positivos se referem ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que é pouco para sustentar a afirmativa de que reforma agrária de qualidade está a ser efetivada. O que ainda diferenciava o governo Lula dos demais era a sua postura em relação aos movimentos sociais. Agora, nem isso. Sua política é inócua ao latifúndio. Não atinge o monopólio da t
erra.

* José Juliano de Carvalho Filho é professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou na elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária e é dirigente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA).

Fonte: Letra Viva – MST Informa nº 107

 
Em 2005, mais manipulação dos números
Dafne Melo Brasil de Fato
Um documento do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), obtido pela reportagem do Brasil de Fato, coloca ponto final na polêmica sobre os números da reforma agrária. Esse relatório mostra que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva assentou apenas 26,951 mil famílias em projetos criados em 2005, a partir da desapropriação de terras.

Esse contingente é bem inferior às 127,506 mil famílias que o governo diz ter assentado em 2005. Mas por que os números são tão divergentes? Como mostra o próprio documento do MDA, a questão é que o governo contabiliza também como reforma agrária: projetos criados antes de 2005 e assentamentos em terras públicas. Na visão de estudiosos do campo, esses procedimentos se caracterizam como projetos de colonização, mas não de reforma agrária.

É o que diz Bernardo Mançano, professor de Geografia e pesquisador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde coordena o Data Luta (Banco de Dados da Luta pela Terra). O geógrafo analisa que os dados de 2005 dão continuidade ao que o governo petista tem feito desde o início de seu mandato. Segundo Mançano, do total de 245 mil famílias que diz ter assentado nestes três anos, apenas 25% são fruto de novas desapropriações, como mostrou o Brasil de Fato em reportagens anteriores. As outras 75% são de regularização e reordenamento fundiário e de projetos de colonização em terras públicas (ou seja, terras que já pertencem à União). Dessa forma, pouco se alterou na concentração fundiária no país. "A reforma agrária no Brasil não desconcentra a propriedade da terra, só impede que a concentração seja maior ainda", avalia Mançano.

ALÉM DE METAS

João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que o movimento reconhece os números de famílias assentadas em 2005 como de 26,951 mil famílias. Rodrigues destaca, ainda, a importância das outras 49,203 mil famílias assentadas em terras públicas para a "regularização fundiária no país", mas explica que não poderiam ser contabilizadas como beneficiadas por um processo de reforma agrária. "Esses dois números são legítimos, o resto é inchaço. Infelizmente, o governo Lula entrou na lógica de mostrar números a qualquer custo", diz.

O dirigente sem-terra chama a atenção para o fato de que os critérios para avaliar a realização da reforma agrária não podem ficar apenas na discussão de metas. Ou seja, precisam ser levados em conta os fatores ligados à infra-estrutura que deve ser dada aos assentamentos. Para Rodrigues, houve avanços nas áreas de educação, assistência técnica, moradia e fornecimento de energia elétrica. Por outro lado, a desapropriação de latifúndios improdutivos e a melhoria na estrutura do Estado ainda deixam muito a desejar. Outro ponto negativo é a concessão de crédito agrícola que Rodrigues avalia ser uma "política fracassada".

ANÁLISE

Para Bernardo Mançano, o projeto de reforma agrária em curso no país desde a década de 1990 não está transferindo as terras para as mãos de famílias camponesas. Segundo o professor, de 1993 a 2003, as áreas agricultáveis do agronegócio cresceram duas vezes mais do que a da agricultura camponesa, deixando claro a prioridade dos sucessivos governos. Isso explica por que é cada vez mais difícil fazer desapropriação de terras no país. "Onde o agronegócio já está bem estabelecido, como no Sul e no Sudeste, o governo tem ainda menos força para desapropriar terras", diz Mançano.

Para o geógrafo, além de cobrar metas de famílias assentadas e infra-estrutura, é necessário que os movimentos sociais invistam em um projeto político-territorial. "As metas têm que ser por número de famílias e em áreas agricultáveis", defende o professor. Esta seria uma das maneiras de se evitar recontagem de famílias em projetos já existentes, ou seja, em territórios já desapropriados.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 + 1 =