Cercada por viveiros de camarão e bastante afetada pelos impactos da carcinicultura, a comunidade do Cumbe, no município cearense de Aracati, pôde voltar a catar caranguejo depois de muito enfrentamento com carcinicultores da região, que foram obrigados a não despejar elementos químicos nas gamboas. A mortandade dos crustáceos fez com o que os pescadores ficassem três anos sem a atividade da pesca artesanal.
Retirado do site da Adital, 24/08/06
Rogéria Araujo *
Adital – Cercada por viveiros de camarão e bastante afetada pelos impactos da carcinicultura, a comunidade do Cumbe, no município cearense de Aracati, pôde voltar a catar caranguejo depois de muito enfrentamento com carcinicultores da região, que foram obrigados a não despejar elementos químicos nas gamboas. A mortandade dos crustáceos fez com o que os pescadores ficassem três anos sem a atividade da pesca artesanal.
Os participantes do seminário "Manguezais e Vida Comunitária" fizeram uma visita, nesta terça-feira, 22 de agosto, e puderam comprovar a realidade da comunidade: viveiros abandonados, mudanças de hábito das pessoas e destruição de áreas de manguezais. João Luis Joventino, pescador e morador do Cumbe, fala sobre a situação da comunidade hoje.
Adital – Como se iniciou a atividade da carcinicultura na comunidade do Cumbe?
João Luis Joventino – O processo começou entre 1997 e 1998, mas eles pegavam o camarão da gamboa e usavam ração natural. Entre 2000 e 2002, a idéia de produção em larga escala é que promoveu isso, pois os empresários começaram a usar metabisulfita e despejavam esse material na maré vazante matando os peixes e acabando com a vida no mangue. Nós chegamos a passar três anos sem ter o caranguejo para capturar, os pescadores daqui tiveram que ir para o Rio Grande do Norte para catar caranguejo.
Adital – Que tipos de problemas os pescadores tiveram que enfrentar?
Joventino – Num hectare de mangue 10 famílias trabalham, num hectare de carcinicultura menos de duas pessoas trabalham. Isso já é um problema. Além de se apropriarem de Áreas de Preservação Permanente, os carciniculturores interrompiam (continuam interrompendo) a passagem das pessoas, e jogavam muitos produtos químicos nas águas. O Cumbe abastece Aracati, uma população de 32 mil habitantes, com água. Com esses cativeiros, a água salgada era levada para os terrenos de água doce. Como não tem nenhuma proteção embaixo, a água salgada se infiltra no lençol freático comprometendo o abastecimento. Em vários pontos, a água era salgada.
Adital – Quais foram os principais impactos sofridos pela comunidade?
Joventino – Nós somos em torno de 750 pessoas. Antes da carcinicultura se instalar, 80% eram catadores de caranguejo, marisqueiros e pescadores. Isso não existe mais. A atividade mudou os hábitos da comunidade e como não havia mais o que pescar, as pessoas tiveram que trabalhar para os carcinicultores e em regime escravagista. Temos uma quantidade enorme de viveiros abandonados. O que vamos fazer com esses tanques vazios? A Semace licenciou isso. Agora, ela deveria devolver a área da comunidade para ver se a gente faz o replantio, para ver se ele se recupera. Mas sabemos que o mangue pode até nascer, mas o manguezal, o ecossistema, não volta jamais.
Adital – E como a comunidade começou a se organizar?
Joventino – Foi no período da mortandade que nós fomos procurar algumas organizações não governamentais e aí fizemos um trabalho de conscientização para que as pessoas reagissem. Elas tinham medo, pois se falassem contra a carcinicultura não iam conseguir emprego. Mas a comunidade viu que era mentira, que a atividade não dava emprego para todo mundo. Depois de muitas reuniões, fomos ameaçados, eu fui um deles, fizemos mobilizações e conseguimos com que eles não jogassem mais metabisulfita nas gamboas. Após dois anos sem a substância, o caranguejo retornou ao manguezal e, graças a Deus, hoje temos caranguejo suficiente.
* Jornalista da Adital