Recentemente, David Brooks, articulista do New York Times, escreveu que "O principal motor dos eventos neste momento não é apenas a globalização – a integração de empresas e povos. É também uma disputa entre culturas pelo poder de consagração, o poder de definir o certo e o errado. Hegemonias em ascensão como o Irã e os Estados Unidos enxergam a si mesmas não apenas como nações mas também como movimentos morais
Jung Mo Sung *
Recentemente, David Brooks, articulista do New York Times, escreveu que "O principal motor dos eventos neste momento não é apenas a globalização – a integração de empresas e povos. É também uma disputa entre culturas pelo poder de consagração, o poder de definir o certo e o errado. Hegemonias em ascensão como o Irã e os Estados Unidos enxergam a si mesmas não apenas como nações mas também como movimentos morais" (NYT, 03/09/2006, reproduzido no O Estado de São Paulo, 10/09/2006)
Nessa citação, podemos perceber três níveis distintos mas interligados onde se dão as principais lutas ou conflitos no atual sistema mundial. O primeiro é o da globalização econômica onde os poderes estão concentrados em três pólos – EUA, Comunidade Européia e Japão, que detêm dois terços do PIB mundial -, com a China buscando o seu lugar nesse pequeno e seleto "clube". É o "lugar" onde se dá não somente a integração de empresas e povos, mas também a exclusão de grandes setores da população; lugar onde funciona a lógica da integração-exclusão movida pelo capital. O segundo é um que está implícito na frase de Brooks: o militar. Nesse nível temos o predomínio absoluto dos Estados Unidos no campo militar e ele coloca o Irã como o representante do único "campo" que pretende desafiar esse poderio militar. O terceiro é o da "batalha no campo moral".
Cada vez mais, analistas de diversas áreas e opções político-ideológicas estão reconhecendo que os modos tradicional e moderno de definir o bem e o mal, o certo e o errado, não estão mais funcionando para os desafios do nosso tempo. Estamos assistindo a crise da hegemonia do mundo capitalista construída em termos modernos de racionalidade e progresso. É preciso ter claro que essa crise da hegemonia cultural moderna não significa a crise do próprio sistema capitalista, mas o surgimento de um espaço de luta nesse campo em torno de novas formas hegemônicas de definição de valores morais e culturais.
O interessante a notar no texto de Brooks é que ele – como tantos outros – procura reduzir essa luta a dois pólos: os Estados Unidos, como defensor dos valores democráticos e liberais, e o Irã, como representante do irracionalismo religioso fundamentalista. Ele apresenta as diferenças entre essas culturas dessa forma: "Pessoas de sociedades de honra – nas quais alguém mata sua irmã porque ela foi maculada por um estupro – são diferentes daquelas de sociedades onde as pessoas são avaliadas pela suas intenções individuais. As que vivem em sociedades onde o passado domina o presente são diferente daquelas que vivem em sociedades onde o futuro domina o presente".
Dessa forma, esse tipo de pensamento procura reduzir as opções do mundo atual a dois caminhos: ou os valores norte-americanos ou os valores do fundamentalismo islâmico. Essa visão caricaturada do islamismo e também do próprio Estados Unidos revela a intenção de dizer que não há outro caminho viável para o futuro da humanidade e do atual sistema mundial a não ser o caminho liderado econômica, militar e moralmente pelos Estados Unidos.
Não quero discutir aqui os preconceitos e as falácias desse argumento, mas apontar para dois fatos: a) a importância da luta pela definição do que é certo ou errado, pela definição do quadro ético de referência, no atual momento da globalização; e b) a ausência da referência ao cristianismo – aos seus valores, à sua "cultura" ou a suas principais instituições – na análise dessa luta. As Igrejas cristãs – especialmente a Católica Romana – que sempre se apresentaram como "reserva moral" ou como a "mestra da moral" da sociedade não têm sido atores importantes ou significativos nesse "palco".
Se o cristianismo quiser ter um papel mais significativo nessa luta, eu penso que os seus líderes espirituais e teólogos precisam ter como interlocutor privilegiado o "mundo", e não somente a Igreja e o seu público interno. Pois, quem atua no "mundo" tem perguntas e questões diferentes das que pensam em função da Igreja, como também pede um método e uma linguagem teológicos e pastorais diferentes.
Retirado do site da ADITAL 19/09/2006