500 educadores do MST estão reunidos nesta semana, em Brasília, para discutir os impasses relativos ao ensino do campo. Dados revelam que das 8.679 escolas existentes em assentamentos, apenas 373 delas oferecem o ensino médio.
Jonas Valente Carta Maior
SÃO PAULO Dentro da bandeira da educação, erguida sobretudo neste período eleitoral, um dos principais desafios a serem enfrentados pelo país está no ensino médio, que compreende o antigo 2o grau. Dados do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) revelam que menos da metade dos jovens em idade para cursar esta etapa educacional o estão fazendo, sendo que apenas 50% deles conseguem concluir todas as séries. O problema tende a se agravar se considerado que o Brasil passou recentemente por um processo de ampliação vigorosa da oferta de vagas no ensino fundamental (1ª a 8ª série), o que está gerando crescimento cada vez maior da demanda pela entrada na etapa posterior. No campo, a situação do ensino médio é ainda mais delicada.
De acordo com o Inep, pouco mais de um quinto dos jovens de 15 a 17 anos ali residentes está freqüentando o ensino médio. A principal causa deste quadro é a oferta insuficiente de matrículas para esta etapa educacional nestas regiões. Dados da Pesquisa Nacional de Educação e Reforma Agrária (PNERA) revelam que das 8.679 escolas existentes em assentamentos, apenas 373 delas oferecem o ensino médio. A situação contrasta com o quadro de grande demanda pela educação básica no campo. A Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar de 2004 indicou a existência de seis milhões de jovens entre 15 e 24 anos no campo. Em áreas de reforma agrária, segundo a PNERA, há 48 mil jovens de 15 a 17 anos fora da escola e cerca de 500 mil jovens de 7 a 14 anos, o que representa uma demanda potencial considerável para os próximos anos.
Como enfrentar este cenário rumo a uma educação de boa qualidade, e que seja capaz de absorver toda a demanda, é o desafio principal de encontro com mais de 500 educadores do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra, que está sendo realizado esta semana em Brasília. O objetivo da reunião é fazer uma avaliação da educação nas áreas de reforma agrária e discutir uma proposta do movimento sobre o tema para debate com o poder público e com os demais agentes envolvidos na educação do campo. Na avaliação de integrantes do MST, há hoje sérios obstáculos tanto no acesso à educação escolar quanto na qualidade desta, de forma cada vez mais descolada do compromisso de gerar reflexão sobre melhoria das condições de vida nas regiões rurais.
Hoje é verificada a existência de poucas escolas no campo, com deficiência na estrutura e ineficiência de atendimento, que estimulam jovens a deixar o campo, não reconhecendo esta identidade cultural, avalia Djacira Araújo, do Coletivo Nacional de Educação do MST. A análise da organização é reforçada pelas informações da PNERA, que apontou como prioridades de educadores e diretores das unidades educacionais: construir, ampliar e melhorar instalações (45%), ampliar e criar níveis e modalidades de ensino (12%) e obtenção de mais recursos didáticos, como livros, laboratório e bibliotecas (8%).
Além da baixa oferta de vagas e falta de estrutura das escolas, os presentes ao encontro ressaltaram a concepção de educação predominante nestes locais, que homogeneíza os conteúdo, desconsiderando as especificidades do campo. Para Ricardo Henriques, secretário de educação continuada, alfabetização e diversidade do Ministério da Educação (MEC), ainda vigora a lógica de que o direito à educação é para todos, mas a educação de qualidade é para poucos. Além disso, continua ele, distorceu-se o sentido de qualidade, equivalendo-o ao acúmulo mecânico de conhecimentos, independente da relevância destes para a formação dos estudantes em seu contexto social. Se confundiu qualidade com mérito, e mérito sem relevância não é qualidade. Não é possível que juventude do país não fale do seu cotidiano. Não é possível que livros de biologia não falem da vida do campo, disse na abertura do encontro.
Segundo Djacira Araújo, ao invés de fortalecer as escolas no campo, os governos estaduais (responsáveis pelo ensino médio) fazem o contrário, tentando resolver o problema ampliando o transporte escolar para que estes jovens possam estudar nas escolas da cidade, onde eles vivenciam uma realidade alheia. Em documento intitulado Caminhos da Educação Básica de Nível Médio para a Juventude das Áreas de Reforma Agrária, que sintetiza as propostas em debate no encontro do movimento, o MST defende a necessária estruturação da educação no campo não só como solução à demanda de formação de seus jovens, mas como instrumento estratégico de desenvolvimento dos assentamentos e da vida rural.
As escolas, especialmente as do campo, muitas vezes são mais do que escolas, tornando-se uma referência sociocultural para a comunidade: seja pelo envolvimento na solução de problemas locais e que permitem aos estudantes avançar no conhecimento científico, na apropriação de tecnologias e na capacidade de intervenção concreta na realidade; seja pelas oportunidades de convivência social que oferece, pelo resgate da memória das famílias, ou pelas oportunidades de contato com livros, filmes, debates e expressões culturais diversas, diz o texto.
Para cumprir este objetivo, o MST defende o atendimento da demanda de escolarização no campo, com ampliação massiva de escolas públicas em assentamentos e no seu entorno. Para resolver o problema da má qualidade, o movimento propõe a adoção no campo da proposta de ensino médio integrado, que reúne os conteúdos gerais da etapa com aqueles presentes nos projetos pedagógicos do ensino tecnológico e profissionalizante. Os currículos seriam organizados por etapas, e não por séries, e por áreas de conhecimento. Esta nova concepção teria ainda um tempo ampliado de presença dos jovens na escola e uma formação de professores que inclua a licenciatura em educação do campo, que será criada pelo governo em breve. A formação dos professores tem que fazer com que eles se voltem para a realidade em que a escola está inserida, defende Djacira Araújo.