Geografia da Fome, de Josué de Castro, faz 40 anos

   Em 2006, o livro Geografia da Fome, de Josué de Castro, completa quarenta anos de história. A publicação apresenta um dos mais profundos estudos brasileiros sobre a insegurança alimentar presente no Brasil, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.

Aponta também que a falta de nutrientes, na comida cotidiana de tais povos, se dá por características climáticas, culturais e do solo, próprias de cada localidade, além do motivo principal: a concentração de terra na mão de poucas pessoas.

O pensamento, à época do lançamento "1946", era de que o fenômeno da fome era natural e impossível de ser revertido. Por isso, Josué de Castro colocou na introdução do livro: "Interesses e preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado".

Ao quebrar este silêncio, o autor ganhou destaque internacional e suas obras traduzidas para mais de 25 países e recomendadas pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Ele, inclusive, ocupou a presidência do Conselho do órgão, de 1952 a 1956, e recebeu duas indicações ao Prêmio Nobel da Paz. Uma das filhas de Josué, a professora universitária Anna Maria de Castro, conta que Geografia da Fome serviu para desmistificar a crença de que o fenômeno é um mal ligado à raça. "A fome foi criada artificialmente pelo modelo adotado então. Dizia-se que o Brasil era um país de indolentes, mestiços, de gente de cor e que, por isso, a fome deveria fazer parte do dia-a-dia do brasileiro", explica a socióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para desconstruir tal discurso, Josué de Castro viajou todo o Brasil, dividindo-o em cinco regiões, conforme características alimentares de cada uma: Amazônia, Nordeste açucareiro, que abrange somente o litoral, Sertão nordestino, Centro-Oeste, ao qual foi incorporado o estado de Minas Gerais e o Sul do país. Ele dedicou um capítulo de Geografia da Fome a cada uma dessas localidades e analisou o processo de colonização das áreas, de produção de alimentos e de aparecimento de doenças nos moradores.

Assim, comprovou que o consumo irregular de proteínas, cálcio e ferro, em algumas regiões, e de vitaminas, iodo e cloreto de sódio em outras, não decorre de fenômenos naturais, mas da prioridade dos governantes. Para o autor, a forma de evitar tais carências nutritivas seria a distribuição de terra. "É indispensável alterar substancialmente os métodos de produção, o que só é possível reformando as estruturas rurais vigentes. Apresenta-se, deste modo, a reforma agrária como uma necessidade histórica nesta hora de transformação social que atravessamos, como um imperativo nacional", escreveu Josué de Castro, na análise final do livro.

Ele é autor de frases emblemáticas que serviram para popularizar as injustiças que o fenômeno trouxe, e ainda traz, a milhões de indivíduos do planeta Terra: "Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens", "Metade da população brasileira não dorme porque tem fome; a outra metade não dorme porque tem medo de quem está com fome", "Só há um tipo verdadeiro de desenvolvimento: o desenvolvimento do homem".

Fome: do silêncio à garantia constitucional
Em meados de 1946, a fome era tratada como tabu. Josué a classificava como delicada e perigosa. Nos anos seguintes, entretanto, a temática passou a ser estudada nas escolas e universidades, conforme relata Anna Maria de Castro: "Geografia da fome marcou tanto que era um livro básico para os jovens. Todos liam". Com o regime militar, o assunto perdeu importância e o próprio Josué de Castro teve os direitos políticos cassados. À época, o autor era o deputado federal mais votado do Nordeste.

Exilou-se na capital francesa, Paris, onde ainda exerceu o ofício de professor, como o fez na então Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Acabou morrendo longe do país de origem, em 24 de setembro de 1974, aos 65 anos de idade.

Anna Maria de Castro, filha do estudioso, conta que a bandeira do combate à fome seguiu pelas mãos do teólogo e escritor Frei Betto e do sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho. Porém, na visão da professora um momento separa a luta antes de Josué e a luta depois dele: a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), sancionada em setembro de 2006. "Se antigamente nem era possível falar em fome no Brasil, hoje a constituição prevê o acesso à alimentação como um direito humano", comemora. "É o coroamento da idéia de Josué de Castro".

Mas a Losan vai além: responsabiliza o poder público pelo acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, a toda população Em outubro de 2005, quando o anteprojeto de lei foi encaminhado ao Congresso Nacional, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, fez referência à importância do texto: "A proposta criará condições para que o combate à fome e a promoção da alimentação saudável, tornem-se compromisso permanentes do Estado Brasileiro, com participação da sociedade civil".

Era justamente a interferência dos governantes no combate à fome que Josué de Castro defendeu em sala de aula, em fóruns internacionais e na atuação parlamentar pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Obra de Josué de Castro, Geografia da Fome, apesar de sexagenário, pode ser encontrado nas livrarias pelo preço médio de R$ 47,9. É que, em 2001, foi lançada nova edição pela editora Civilização Brasileira, com 318 páginas. Outras duas publicações, das 22 de autoria de Josué de Castro, merecem destaque: Geopolítica da Fome, análise panorâmica do fenômeno no mundo, e Homens e Caranguejos, romance que narra à história de um menino que vive na miséria em meio à lama do mangue.

Para repensar a atualidade da obra do estudioso, foi organizado pelo historiador Manuel Correia de Andrade, em 2003, Josué de Castro e o Brasil. O livro reúne textos de José Graziano e Malaquias Batista Filho, por exemplo. No campo cinematográfico, Silvio Tendler dirigiu o documentário Josué de Castro: Cidadão do Mundo, de 1994.

Outras informações
Há muito mais a dizer sobre o professor, parlamentar e médico-geógrafo Josué Apolônio de Castro e mesmo de sua principal obra Geografia da Fome. Por isso, é importante lembrar o endereço eletrônico de dois Portais que contêm informações relacionadas ao autor:www.projetomemoria.art.br e www.josuedecastro.org.br

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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