O governo federal atuará na qualificação de docentes por meio da Capes. Pacote anunciado pelo governo federal prevê ainda isenção para empresas que investirem em universidades e redução de juro para financiamento estudantil.
Jonas Valente Carta Maior
BRASÍLIA – A formação de professores, atribuição anteriormente exclusiva dos governos estaduais e municipais, passará a ter suporte do governo federal. Na última quarta-feira (11), o presidente Lula lançou um conjunto de medidas na área da educação voltada especialmente para o fortalecimento da formação de professores por meio de programas de educação à distância. A participação do governo federal na qualificação de docentes, possível graças à alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), será feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável pelo sistema de pós-graduação universitária em todo o País.
Ficará a cargo da Capes a operação do programa Universidade Aberta, que
articula a realização de cursos de diversas instituições federais de ensino à distância, sobretudo para professores da educação básica (antigos 1º e 2º graus) que ainda não têm diploma de ensino superior. Esta tem sido uma das grandes preocupações do governo federal, já que o Plano Nacional de Educação (PNE) previa a conclusão da educação superior, por parte de todos os docentes da 5ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio até o final deste ano. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais (Inep), cerca de 10% dos aproximados dois milhões de docentes da rede pública estão nesta situação. Por isso, o Ministério da Educação (MEC) investirá cerca de R$ 200 milhões com o objetivo de saltar dos atuais 10 mil estudantes para chegar a 100 mil alunos matriculados em cursos vinculados ao Universidade Aberta. O governo está chamando para si parte da responsabilidade sobre a formação de professores, diz Paulo Speller, reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMY) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Ensino Superior (Andifes).
José Vitório Zago, do Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), afirma que a entidade tem discordâncias com a concepção do Universidade Aberta. Nós achamos absurdo que o formador do ensino básico ser formado à distância. O futuro professor, ao invés de ter contato com o seu professor e seus colegas, vai ter contato com a máquina, critica. O secretário de educação à distância do MEC, Ronaldo Mota, defende a opção adotada pelo governo afirmando ser um método já testado em outros países e com bons resultados já comprovados. Os estudantes no modelo que adotamos têm interação permanente com tutores nos momentos presenciais e à distância e a presença permanente do professor responsável pela disciplina. Comparados com professores formados no modo normal, eles têm mostrado desempenho superior, defende.
Para Mota, ao contrário da posição defendida pelo Andes-SN, o modelo do
Universidade Aberta qualifica a formação dos professores, pois os coloca
em contato com novas tecnologias, o que pode ser usado por estes
professores na sua atividade pedagógica. Neste sentido, outra medida no
pacote anunciado pelo governo federal foi a compra de 75 mil computadores e 7,5 mil impressoras para fortalecer o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo). Serão entregues às escolas também 76 mil kits com 50 DVDs contendo conteúdos da TV Escola, sistema de apoio pedagógico por meio da mídia televisiva.
O governo, opina Zago, busca acelerar a formação para embelezar estatísticas, sem preocupação com a qualidade. O docente cita a contradição entre os mais de R$ 180 bilhões gastos em juros da dívida pública brasileira e os investimentos insuficientes para que os quase 200 mil professores da educação básica sem diploma tenham vagas nos cursos superiores nas universidades públicas. Se os professores reclamam mais verba, os reitores afirmam que o governo está no caminho. Há retomada dos recursos de custeio e de investimento. O contraste no plano orçamentário é entre este governo e os anteriores é grande, afirma Speller. Para o presentantes do sindicato nacional dos docentes, há um movimento contrário cujo maior exemplo é a Desvinculação dos Recursos da União (DRU), que retira 20% dos 18% da arrecadação de impostos que a União tem de destinar à educação por conta de obrigação constitucional.
Também foi anunciado no pacote o incentivo a investimentos privados em pesquisas nas universidades públicas por meio de isenções fiscais. Segundo a nova norma, uma empresa interessada em investir em um estudo poderá abater de metade até duas vezes e meia o que investiu. Mas quanto maior o abatimento, menor a participação da empresa nos resultados da pesquisa. A discordância entre as entidades dos professores e dos reitores novamente aparece neste ponto. Se de um lado o Andes-SN considera esta uma das formas de aprofundar a privatização das instituições de ensino, subordinando a produção de conhecimento aos interesses do mercado, os reitores defendem a medida afirmando que ela é complementar ao aporte de recursos da União.
Já houve e está havendo aumento de recursos para a pesquisa. Agora esta nova forma é adicional, não é a única. Acho que não há risco de
subordinar pesquisa ao mercado. Havendo identidade de interesses, não
vejo problema, avalia o presidente da Andifes. Em artigo publicado na
revista Guia do Estudante deste mês, o ex-reitor da Universidade de
Brasília (UnB) e vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Lauro Morhy, advoga a necessidade do
aumento de investimentos a partir da constatação de que o País, apesar
de ser responsável por 46% dos trabalhos publicados na América Latina,
ainda não apresenta bom desempenho na inovação´científica, sobretudo no que se refere ao pedido de patentes. De fato não estamos usando a capacidade formada para a produção de conhecimento produtivo, o que depende de maior interação com o setor empresarial.
Predomina na academia brasileira a pesquisa básica, que na opinião de Zago deve ser financiada pelo governo, enquanto as aplicadas devem receber maior aporte da iniciativa privada. Ele defende que o investimento na produção de conhecimento no País não se dê por meio da injeção de recursos por parte de empresas, mas pela ampliação de recursos do Estado. Seria mais adequado cobrar imposto e aumentar a dotação das universidades. É muito polêmico quando há subsídio para estudantes pobres, mas quando é para empresas é visto como algo normal, questiona.
A redução dos juros do Financiamento Estudantil (Fies) de 9% para 6,5% e a extinção desse tipo de cobrança para estudantes de pedagogia e licenciaturas também fizeram parte do novo pacote. Para o sindicato dos socentes, a lógica por trás da ação seria atacar a inadimplência no setor privado, problema recorrente nas críticas das mantenedoras do sistema privado. Para a Aandes-SN, os juros menores seriam um incentivo para que os estudantes carentes contraiam o financiamento, o que representaria maior injeção de caixa para as universidades privadas.
Para o ministro da educação, Fernando Haddad, a intenção do governo foi facilitar a entrada de pessoas que não têm acesso por meio do Fies. A medida vai auxiliar muitos jovens que não têm condições de pagar faculdades particulares; agora eles terão a oportunidade de se tornarem t
ecnólogos e contribuírem para o desenvolvimento nacional, disse o ministro na cerimônia realizada na última quarta-feira (11). O embate entre o movimento docente e o governo deve prosseguir após as eleições, quando a proposta de Reforma Universitária começará a ser debatida no Congresso.