Ministério do Meio Ambiente inicia processo de consulta pública para melhorar a legislação que cuida da repartição dos benefícios gerados pelo uso de um conhecimento tradicional de comunidades indígenas ou locais.
SÃO PAULO Povos amazônicos usam uma substância subcutânea do sapo verde para produzir remédio para curar o amarelão e dores; erveiras do Pará extraem essência aromática da raiz da priprioca para fazer perfumes; o povo indígena Baniwa, do Alto do rio Negro, é conhecido pela sua produção de cestos artesanais. Todos esses casos são exemplos de conhecimento tradicional, que comunidades indígenas e locais detêm e que são repassados de geração em geração ao longo dos anos. Não raro, institutos de pesquisa, academia e empresas manifestam interesse em estudar ou utilizar esses recursos. Atualmente, no Brasil há uma legislação que trata dessas questões tanto para garantir o direito das comunidades detentoras do conhecimento, como para regulamentar e assegurar o uso desses recursos por outrem.
O direito das comunidades indígenas e locais de decidirem sobre o repasse de seus conhecimentos tradicionais – uso de plantas, animais ou outro componente da biodiversidade – para empresas ou instituições de pesquisa é assegurado pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e pela Medida Provisória nº 2186-16/01. Para permitir o acesso, a comunidade deve estar ciente de como será usado o seu conhecimento e para qual finalidade. A criação de um produto com potencial de exploração econômica, a partir do conhecimento, deve render benefícios para a comunidade, como a capacitação de recursos humanos, a recuperação de áreas degradadas ou o apoio para a formulação de projetos. Essas determinações devem constar em um contrato formalizado entre as partes.
Mas apesar de a legislação brasileira vigente ser avançada nesse sentido, ela ainda deixa uma lacuna: não há especificação sobre como deve ser feita ou tratada a repartição de benefícios entre duas ou mais comunidades detentoras de um mesmo conhecimento. A lei atual apenas designa os direitos entre uma comunidade e a parte interessada em explorar o recurso por meio de um contrato.
Consulta pública
A partir disso, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente deu início ao processo de consulta pública para a aperfeiçoar a legislação brasileira. A consulta deve reunir críticas e sugestões para criar critérios mais adequados e justos para a repartição de benefícios, principalmente quando mais de uma comunidade for detentora do conhecimento tradicional.
Há dois objetivos principais: o primeiro é buscar justiça e eqüidade para as questões de repartição de benefícios, previstas pela Convenção de Diversidade Biológica. E o segundo é contemplar a segurança dos atores participantes de um contrato, tanto para as comunidades envolvidas quanto para as instituições de pesquisa e empresas, interessadas no conhecimento tradicional para o desenvolvimento de produtos, explica Inácio Cançado, coordenador das Câmaras Técnicas do CGEN.
Cançado explica que hoje os contratos pelo uso de conhecimento tradicional são celebrados entre apenas uma comunidade e a outra parte interessada em usufruir o recurso. Outras coletividades, dependendo da situação, podem ser excluídas dos direitos de repartição de benefício numa situação de desigualdade. Diante disso, outra comunidade pode reivindicar seus direitos também e com razão, afirma.
Para Cançado, além das brechas legais, o maior desafio para implementar a legislação de repartição de benefícios no país é o seu ineditismo. O próprio CGEN tem cinco anos e surgiu de uma discussão complexa. A legislação é muito recente e a gente não tem muito parâmetro de comparação em relação a outros países De acordo com o coordenador do CGEN, o Brasil é o país mais avançado na discussão e nesse tipo de legislação. Estamos dando o primeiro passo. Ainda aprendemos muito com a própria prática da lei, avalia.
Serviço
O CGEN conta com a participação de todos os setores na consulta pública. Ou seja, tanto as comunidades indígenas e locais, como os setores acadêmico, empresarial, organizações governamentais e não-governamentais podem dar a sua contribuição. Inicialmente, a consulta vai até 26 de março e pode ser encontrada no endereço eletrônico www.mma.gov.br/port/cgen.
As contribuições para a consulta pública devem ser enviadas, por e-mail, para [email protected] e, pelo correio, para o endereço do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (SCEN, lote 2; trecho 2, Ed. Sede do Ibama, bloco G, Brasília- DF, Cep 70.818-900). O número do fax é (61) 4009 9524. Interessados em obter mais informações podem entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (61) 4009-9514.
Outras instituições recebem contribuições para a consulta pública e esclarecem dúvidas:
– A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN):
E-mails: [email protected] e [email protected] – Tels: (97) 3471-1632 ou (97) 3471-1254
– Fundação dos Povos Indígenas do Amazonas (FEPI-AM),
E-mails: [email protected] – Tel: (92) 3622-8168
– Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
E-mails: [email protected] – Tel: (92) 3233-0548
– Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual (Inbrapi)
E-mails: [email protected] – Tel: (61) 3033-7019
* Com informações do Ministério do Meio Ambiente
Natália Suzuki – Carta Maior