Acelerar não é problema maior. Crescer é problema relativamente menor. O busilis está no incluir, ou seja, crescer distribuindo renda, conhecimento e qualidade de vida.
Selvino Heck
Desde Aristóteles na Grécia antiga, passando por Santo Ambrósio no século IV, São Francisco no século XII, Marx no século XIX e tantos outros utópicos e sonhadores, este é um dilema da humanidade. O capitalismo, desde o surgimento nos séculos XVI e XVII, acelera o crescimento econômico, mas não distribui a riqueza produzida. Concentra.
O socialismo, na maioria dos países onde supostamente existiu, fez crescer a economia, igualou todos ou quase todos na renda menos a burocracia estatal -, mas sem liberdade e democracia. E aí fracassou.
Eis o desafio do século XXI. Disse o presidente Lula em Pernambuco: O país foi terceirizado, os governantes entendiam que tinha havido um tal de Consenso de Washington, que ninguém tinha lido, mas se era de Washington era bom, e para mim o consenso é do sertão nordestino, é de Brasília, é de São Paulo, é do Sul deste país. É esse o consenso que nós precisamos construir para termos a sabedoria de ouvir quais são as nossas necessidades para, a partir daí, começar a trabalhar. No lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), disse o presidente: O Brasil tem que ser o palco de experimentação social profunda, e a transformação social não é feita pelo condão mágico dos governos, mas sim pela força criativa e mobilizadora da sociedade. Não desperdicemos esta chance. Mais que nunca é tempo de sonhar e progredir, tempo de acelerar, tempo de crescer e tempo de incluir.
Qual país ou governo do mundo propõe como objetivo central a distribuição da riqueza produzida? Fala-se muito em crescimento econômico e progresso, a partir dos quais viriam o emprego, a melhoria da renda. Na prática, porém, os ricos ficam cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres. Dezenas de milhões de americanos vivem abaixo da linha de pobreza e o número de milionários e bilionários cresce vertiginosamente na China.
O Brasil, membro do BRIC Brasil, Rússia, Índia, China -, os 4 países emergentes que, dizem, serão os donos do mundo em 2050, propõe, em movimento contrário, desenvolvimento com distribuição de renda, com inclusão social. Será isso possível? Quais mecanismos políticos, econômicos, sociais, culturais permitirão esta mudança de inflexão, se não se está falando de socialismo ou algo semelhante? Como escreve Márcio Pochmann: No Brasil, o avanço do desenvolvimento econômico não ocorreu acompanhado das transformações sociais necessárias para alterar significativamente a orientação do excedente gerado e a repartição de renda e riqueza (A hora e a vez da economia popular, Valor Econômico, 25.01.07).
O desafio está posto. É preciso criar uma consciência nacional da urgência da repartição da renda nacional, de que o Brasil precisa, para ser Nação, dar espaço e qualidade de vida ao conjunto da população, especialmente os milhões de empobrecidos e trabalhadores. Neste sentido, além da eleição de um presidente trabalhador, o Brasil conta com um movimento social poderoso, que vem lutando por igualdade econômica e social, igrejas e pastorais sociais comprometidas com o fim da pobreza, setores médios da sociedade conscientes da necessidade de mudanças estruturais no modelo econômico. As elites brasileiras, corporativas e patrimonialistas, nunca propuseram ou tiveram sensibilidade para um modelo de desenvolvimento que incluísse socialmente. Ao contrário, sempre exploraram sem dó nem piedade e apoiaram a exclusão social.
Mas apenas a vontade e a consciência não serão suficientes. São necessários mecanismos legais, por exemplo uma reforma tributária que leve a riqueza e as grandes fortunas a pagarem impostos compatíveis, desonerando quem produz e trabalha, e uma Reforma Agrária. Isso se faz construindo uma maioria política e social que dê sustentação às necessárias alterações nas políticas públicas e no modelo econômico. E exigindo dos governos apoio à elevação do rendimento dos setores pauperizados para contribuir na ampliação do consumo popular, já que quase 80% da população com idade ativa recebe até dois salários mínimos mensais (R$ 700,00). A incorporação gradual da população no padrão de consumo representa um esforço não desprezível na estrutura produtiva do país (Márcio Pochmann).
Acelerar, crescer e principalmente incluir (distribuir) não se dará num passe de mágica ou por milagre. Haverá disputas na sociedade pelo bolo a ser distribuído. Haverá quem, poucos em número, deverá perder parte de sua riqueza, para que muitos, milhões possam ter acesso à renda, ao conhecimento e à qualidade de vida.
Ou se faz isso nos próximos anos, ou em 2050 o Brasil, mesmo rico e poderoso, continuará um país cheio de brasileiros pobres e famintos.
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente da República