Governo e moradores de rua discutem promoção de políticas. Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) vai elaborar censo amplo e detalhado e coordenar ações que tenham como foco a promoção dos direitos dos moradores de rua. Para movimento, programas de assistência social são insuficientes.
Presentes no cotidiano brasileiro, os moradores de rua sempre foram relegados a uma posição de invisibilidade e abandono por parte tanto da sociedade quanto do Estado. Para tentar mudar esta situação, o governo federal montou um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) que vai produzir um diagnóstico e coordenar ações governamentais que tenham como foco a promoção dos direitos desta parcela da população. Em reunião na última quinta-feira (1º), os sete ministérios que dele participam se reuniram para o início dos trabalhos.
Já vínhamos financiando atividades e projetos como pesquisas, manutenção de redes de acolhida temporária [albergues], iniciativas de capacitação e de melhoria da qualidade de vida destas pessoas, mas agora vamos fazer uma ação mais efetiva, envolvendo os ministérios, explica Marlene Azevedo Silva, diretora do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Para identificar os problemas emergenciais e estruturais dos moradores de rua, uma primeira medida já definida no âmbito do GTI será a realização de um censo com vistas a produzir um diagnóstico sobre a situação deste contingente de pessoas em 60 cidades com mais de 30 mil habitantes.
Os dados existentes hoje são de um levantamento preliminar feito pelo MDS junto a 49 cidades com mais de 300 mil habitantes. O referido estudo identificou a presença de 27 mil pessoas vivendo nesta situação, com forte predominância do sexo masculino – em um índice que chegou a 80% dos entrevistados – entre este grupo social. No que toca a cor, a maior ocorrência é de pardos e negros que, juntos, somam até 65% desse segmento populacional. O planejado censo pretende dar uma visão mais fiel da realidade, uma vez que esse estudo realizado em 2004 pelo MDS foi baseado em respostas de questionários aplicados por parte das prefeituras municipais e pode ter refletido algumas inconsistências.
Outra iniciativa para trazer uma visão mais aprofundada sobre o problema se concretizou com o convite para que o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) faça parte do GTI. Na avaliação do MNPR, é preciso enfrentar os diversos fatores que levam uma pessoa a esta condição. Entre os principais está a dificuldade de sustentar os custos de vida, em especial aqueles relacionados à moradia. A maioria do problema em si é dificuldade de se pagar um aluguel, que hoje está muito difícil, explica Sebastião Oliveira, da equipe de articulação do movimento. Ele aponta como principal razão deste quadro a queda da renda da população mais pobre. Antes era possível pagar quartinhos. Hoje não existe esta possibilidade.
Outro motivo apresentado consiste na perda de vínculos familiares, que se dá tanto entre pessoas na linha da miséria quanto entre pessoas com algum poder aquisitivo que, por conta de separação ou expulsão do lar, acabam nas ruas. Esse tipo de situação é bastante comuns no caso dos jovens. Há pessoas estruturadas que estão nessa situação por problemas familiares. No caso de muitos jovens, o uso de drogas serve como razão para saírem ou serem expulsos, comenta Oliveira.
Medidas
Mesmo antes do resultado do censo governamental, o movimento cobra ações emergenciais do GTI. Algumas delas aparentemente simples, como fornecer banheiros públicos. Para quem mora na rua não tem isso [banheiro]. Só o fato de ter que usar a rua como banheiro afasta a pessoa como ser humano, comenta Sebastião de Oliveira.
Outras são mais estruturais e dizem respeito a dívidas histórias para com a população mais pobre do país, como uma política mais efetiva de geração de renda para as pessoas em situação de miséria e programas de moradia popular voltadas à restituição de um espaço físico para estas pessoas. Segundo o representante do MNPR, esta medida em especial é essencial frente ao pouco êxito dos albergues como solução para moradores de rua. Está mais do que provado hoje que a assistência social não dá conta de parar a situação das pessoas morando na rua, porque albergue é temporário, afirma.
Outro problema que voltou a freqüentar as páginas de jornais é o da segurança. Não na ótica da população de rua como autora de crimes, mas como vítimas da violência cometida por agentes do Estado. Um dos pontos da pauta do MNPR ao GTI é a realização coordenada de ações que pelo menos evitem ações como a retirada de moradores de rua de maneira forçada dos locais mais freqüentados por pessoas de maior poder aquisitivo, dentro da própria cidade, ou dela para outros municípios do interior. Isso sem falar na necessidade de coibir e punir devidamente casos mais extremos, como a execução sumária de moradores de rua, como nos caso do massacre em São Paulo (saiba mais sobre protestos contra a violência policial e manifestações que relembraram as execuções em 2004).
O MNPR reivindica ainda o acesso a programas de assistência, sobretudo os de transferência de renda. Em muitos casos, a falta de endereço e renda comprovada é colocada como um impeditivo para que uma família ou pessoa possa requerer benefícios como o Bolsa Família.
Jonas Valente Carta Maior