“Sem mudança no monopólio da mídia não há mudança social”, afirma Sader

Em conferência  na aula inaugural do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília, dia 21 de março, o sociólogo Emir Sader afirmou que sem mudanças no monópilio das comunicações dificilmente um pensamento crítico pode se contrapor aos valores norte-americanos na América Latina.

Em razão do monopólio da opinião pública, não sabemos o que está acontecendo na Bolívia, país que está vivendo o processo político mais importante da América Latina na avaliação de Sader.  “A Telesur – TV criada pele presidene venezuelano, Hugo Chaves, para integrar as comunicações na América Latina -, apesar de sua qualidade técnica, é uma boa iniciativa para mostrar as notícias sobre o continente sob outra ótica", disse.

Não sabemos, exemplificou Emir, que na Bolívia está em curso, pela primeira vez, uma assembléia nacional constituinte multicultural e multietnica, que vai valorizar a forma de organização política dos indígenas, maioria da população. "Das relações Brasil e e Bolívia, sabemos apenas que nosso país perdeu nas negociais comerciais do gás”, afirmou.

Há no mundo, atualmente, segundo o professor, três monopólios: o das armas; o do dinheiro; e o da palavra. Há alguma coisa sendo feita contra o monopólio do dinheiro, na medida em que muitos países mais moderados vão desenhando a política internacional a partir de relações multilaterais. Contra o monopólio das comunicações, advertiu Sader, pouquíssima coisa ou quase nada tem sito feita.

Dilemas latinoamericanos – O diretor executivo do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso), falou também sobre os dilemas contemporâneos da América Latina. Para ele, um dilema comum à maioria dos países na América Latina é o que afirma que: “quando a esquerda chegou aos governos, já haviam perdido a batalha das idéias”. Vários governos progressistas chegaram ao poder, mas num cenário onde são predominantes os valores e idéias liberais, expressado pela cultura e o modo de vida norte-americano, o “America way of life”.

E o estilo de vida do shopping center – publicidade, consumo, tv – é devastador, sob todos os pontos de vista. O poderio ideológico norte-americano não encontra um contraponto no mundo capaz de apresentar aos jovens outros valores. Os valores não estão centrados no direito, mas no consumo e na realização pessoal e esse modelo não encontra formas de vida que podem competir no sentido contra-cultural.

Segundo o sociólogo, duas datas, que contribuíram para conformar a identidade latinoamericana, são marcantes este ano: os 40 anos da publicação do livro “Cem Anos de Solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Marquez; e o aniversário de morte do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara.

Em 1982, quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, lembrou Sader, Gabriel García Marquez disse: “O mundo reconhece a capacidade da América Latina de produzir sua própria arte, mas não reconhece a sua capacidade de construir sua própria história”. Sader afirmou que a despeito de toda tentativa de apresentar uma outra imagem do Che, a sua figura e mensagem continuam fortes como um revolucionário apaixonado, ícone da rebeldia e de militância contra-cultural.

O professor da UERJ disse que a América Latina teve um papel secundário até o século XX, situação que começou a mudar no continente desde que os mineiros chilenos enfrentaram os militares no início do século. A Revolução Mexicana e a reforma universitária de Córdoba também colaboraram para projetar mundialmente a América Latina, a partir de um posicionamento crítico.

A América Latina foi um laboratório para as políticas neoliberais. Chile, Bolívia e a Argentina são os melhores exemplos disto. O neoliberalismo conquistou um amplo espectro de políticos latinoamericanos, desde a direita aos nacionalistas até os sociais democratas. Isso foi uma das derrotas mais graves da América Latina, segundo o professor.

Sempre com a justificativa cínica de baixar a inflação, a máxima do neoliberalismo: “reduzir gastos públicos e deixar o mercado arbitrar as relações”, foi implantada no Continente na forma de abertura dos mercados, das privatizações e da liberalização do capital. Isso produziu, segundo Sader, a supressão dos direitos trabalhistas, contratos precários e o empobrecimento da população.

A Argentina, de acordo com o historiador inglês Eric Hobsbawm, teve a maior regressão histórica num curto espaço de tempo, passando, nos últimos 25 anos, de uma situação de pleno emprego para um desemprego em torno de 20% de sua população.

Ao liberar o capital para investir, o neoliberalismo provocou uma migração do capital do âmbito da produção para o da especulação financeira. Os primeiros sinais de esgotamento deste modelo na América Latina aparecem na crise do México, em 1994, e no Brasil em 1999, quando o Banco Central aumentou a taxa de juros para 49%.

Integração justa e solidária – Apenas os movimentos sociais resistiram às políticas neoliberais, mas apenas com a capacidade defensiva, uma vez que não têm capacidade de disputar hegemonicamente, segundo Sader. No âmbito das relações dos estados latinoamericanos, Cuba era uma voz solitária, reforçada pela eleição de Hugo Chaves, da Venezuela, e mais tarde pela eleição de governos progressistas: Lula, Tabarez Vasquez, Michel Bachelet, Evo Morales. “A maioria destes governos são contra os tratados de livre comércio e favoráveis à integração latinoamericana”, disse.

Segundo Emir, criar uma moeda supranacional e um Banco do Mercosul e desdolarizar a economia são medidas necessárias para fortalecer os países latinoamericanos. Até a pouco tempo, o Mercosul se reduzia a disputas empresariais do Brasil e Argentina. A entrada da Venezuela no bloco elevou as discussões sobre a integração a um novo patamar político, econômico e cultural.

O comércio entre Venezuela e Cuba é um comércio justo. Estão trocando petróleo por conhecimento. Cuba ajudou a Venezuela a erradicar o analfabetismo. Quais sã os 2 únicos países que erradicaram o analfabetismo na América Latina? E não foi com escola privada e tampouco com os cursinhos da TV Globo.

Por que o Brasil, que produziu um dos melhores métodos, o de Paulo Freire, não consegue acabar com o analfabetismo? No Haiti, o Brasil só tem tropas. O que vai ficar no lugar quando as tropas se retirarem? Por que o Brasil não contribui de uma forma mais solidária com aquele país?

A América Latina precisa pensar formas de integração em uma perspectiva mais solidária e um comércio justo. A integração proposta pela Alternativa Bolivariana das Américas (Alba) é muito mais solidária que a integração comercial proposta pelo Mercosul.

A América Latina, na década de 90, era um continente arrasado pelas políticas neoliberais. Nosso continente tem demonstrado uma capacidade extraordinária de recuperação, criando um consenso alternativo difícil de se manter se não alterar o poder e a concentração da mídia. Nenhum outro continente expressa e aponta para a novidade que está brotando aqui.

A intelectualidade latinoamericana, anestesiada e distante da vida e pensamento políticos, precisa estar à altura deste momento. Exatamente num momento de maiores mudanças econômicas e políticas e crise do modelo hegemônico, os intelectuais têm demonstrado um desânimo ou muitas vezes mergulham num pensamento abstrato, incapaz de compreender a realidade.

Os intelectuais precisam ajudar a pensar o mundo pós-liberal, com idéias para a nova sociabilidade que aponte para o fortalecimento da esfera
pública. O Estado moderno é o espaço da disputa entre os interesses privados (mercantis) e o interesse público. O nosso campo de ação é a favor do interesse público, não estatal.

Por Willian Bonfim

Sobre o sociólogo

Emir Simão Sader, pensador de orientação marxista, foi condenado à prisão em novembro de 2006, em regime aberto, além da perda da função pública por calúnia ao senador Jorge Bornhausen (PFL de Santa Catarina). Após a declaração do presidente do PFL, há cerca de um ano, de que o Brasil precisava "livrar-se dessa raça", em referência ao Partido dos Trabalhadores e aos petistas, Emir Sader atribuiu a ele, em artigo no site Carta Maior , no dia 28 de agosto de 2005, a prática de “racismo”. Sader imputou ao senador discriminação aos "negros, pobres, sujos e brutos", intitulando-o de fascista.

Em primeira instância Sader foi condenado por injúria “à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída nos termos do artigo 44 do Código Penal por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oito horas, a ser individualizada em posterior fase de execução.”

Solidariedade
Em resposta à condenação judicial, que ainda não é definitiva, cabendo recurso, intelectuais encabeçados por Antônio Cândido fazem circular um abaixo assinado contra a sentença, já com centenas de assinaturas. Sustenta o manifesto que a decisão judicial afronta a liberdade de expressão, intimidando e criminalizando o pensamento crítico, e a autonomia universitária. A sentença, continua o manifesto, transforma o agressor em vítima e em criminoso o defensor dos agredidos. O manifesto pode ser lido na íntegra na página Consciência.net. Outros afirmam que a liberdade de expressão é um direito que traz deveres consigo. A punição judicial diz respeito a manifestações caluniosas por parte de Emir Sader.

Sugestões de bibliografia:
· O Anjo Torto (Esquerda e Direita no Brasil). Ed. Brasiliense, 1995
· Estado e Política em Marx (Ed. Cortez)
· A transição no Brasil: da ditadura à democracia? (Ed. Atual)
· Cuba, Chile e Nicarágua: o socialismo na América Latina (Ed. Atual)
· Que Brasil é este? (Ed. Atual)
· O poder, cadê o poder? (Ed. Boitempo)
· Movimentos sociais na transição democrática (org.) – Cortez Editora – São Paulo – 1987
· Constituinte e democracia no Brasil hoje (org.) – Ed. Brasiliense – São Paulo – 1985
· E agora, PT? (org.) – Ed. Brasiliense – São Paulo – 1987
· O socialismo humanista do Che (org. e introdução) – Ed. Vozes – Petrópolis – 1990
· Gramsci: poder, política e partido – (org. e introdução) – Ed. Brasiliense –
· Pós-neoliberalismo – As políticas sociais no Brasil – Ed. Paz e Terra – São Paulo – 1995
· O mundo depois da queda (org.) – Ed. Paz e Terra – São Paulo – 1995
· Karl Marx – Bibliografia (org.) – Programa de Pós-graduação do Departamento de Sociologia – FFLCH – USP – São Paulo – 1995
· Sem perder a ternura – O livro de pensamentos de Che Guevara – organizador – Ed. Record – 1999
· Contraversões – com Frei Betto – Ed. Boitempo – São Paulo – 1999

Fonte:
Wikipedia

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