Na região há comunidades quilombolas que estão se organizando para terem suas terras reconhecidas, legalizadas e poderem viver dignamente. Casas típicas de arquitetura colonial. Região de muita população negra, onde a escravidão teve presença marcante. A igreja, de mais de 200 anos, foi construída em cima de um cemitério de escravos.
Conceição da Barra, onde estive em encontro estadual do TALHER Rede de Educação Cidadã, é um pequeno município do Norte do Espírito Santo, praia que recebe muitos turistas no verão e no carnaval. É cidade antiga de colonização portuguesa, com suas casas típicas de arquitetura colonial. Região de muita população negra, onde a escravidão teve presença marcante. A igreja, de mais de 200 anos, foi construída em cima de um cemitério de escravos.
Na região há comunidades quilombolas que estão se organizando para terem suas terras reconhecidas, legalizadas e poderem viver dignamente.
Há várias aldeias de índios guaranis que, ao chegarem ao encontro, falavam entre si em sua própria língua. Contei que o Brasil é muito grande, tem muitas realidades e culturas diferentes, e que em Santa Emília, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, eu só falo alemão com minha mãe de 80 anos. E pedi que na hora da apresentação inicial eles se apresentassem e fizessem uma saudação em sua língua guarani. (Pena que os negros tenham sido dispersados, perseguidos, mortos séculos atrás e não tenham conseguido preservar suas línguas originais.)
É uma região que tem (ou tinha) agricultura forte, com forte presença e organização de pequenos agricultores e sem terras. No centro do local da reunião, foi colocado o que se produz: enormes cachos de banana, grandes raízes de mandioca, abóboras, cocos, espigas de milho, laranjas, flores.
Qual é o dilema de Conceição da Barra e dos municípios da região, São Mateus, Aracruz, Linhares?
Mesmo com a luta pela legalização, reconhecimento e demarcação das terras de quilombolas e indígenas, da luta pela reforma agrária, o eucalipto e a cana estão ameaçando tomar conta da região. Há um processo local e regional em curso de a agricultura familiar diversificada, predominante, ser engolida pela monocultura dominada por poucas grandes empresas. Daí os confrontos e conflitos que têm aparecido seguidamente na televisão de índios e quilombolas com a Aracruz Celulose, semelhantes aos ocorridos em outros recantos do país.
A região de Conceição da Barra é um exemplo vivo da disputa entre diferentes projetos de desenvolvimento. A palavra inicial dos guaranis, que tinham uma banquinha para venda de seu artesanato, foi: Está acabando o material para fazer nossos colares, nossos brincos, nossos arcos e flechas e estamos ficando sem condição de plantar e produzir nossos alimentos.
Um projeto de desenvolvimento sustentável que garanta distribuição de renda precisa respeitar as vocações econômicas locais e regionais e não pode expulsar de seu espaço os povos originários nem os pequenos que plantam a terra e produzem o alimento. A busca do lucro através das grandes extensões de terras e das monoculturas leva à concentração de renda e ao enriquecimento de poucos e a maioria à exclusão social e à fome. Este é um debate fundamental neste momento histórico para os governos e um esforço e luta dos milhões de brasileiros e brasileiras que querem justiça e igualdade social. Se o Brasil quiser ser Nação e ter soberania, precisa fazer as rupturas necessárias para dar espaço aos pobres e aos trabalhadores. O latifúndio domina este país há séculos e sempre produziu dominação e exclusão social.
No final do encontro de Conceição da Barra, os participantes do encontro foram para a praça central da cidade, em frente à igreja, levando os seus produtos, e relembraram os negros enterrados debaixo de suas lajes. Os índios explicaram que em outras épocas caminhavam 60, 80 dias sem parar rumo à Terra Prometida. Para lembrar a longa marcha, foram dadas 3 voltas na praça, os guaranis entoando seus cantos de caminhada. Depois, os quilombolas, em procissão, também cantaram seus hinos de dor e festa. E todas e todos se (re)animaram para a difícil e longa luta do dia a dia na construção de um Brasil justo, uma terra, um lar com espaço, oportunidades e qualidade de vida para todas as brasileiras e brasileiros.
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente