Como a mídia fala de si mesma? Responder essa pergunta é o objetivo da pesquisa inédita Mídia e Políticas Públicas de Comunicação, realizada pela ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância em parceria com a Fundação Ford. A televisão é o tema favorito dos jornais, que evitam temas delicados para as empresas de comunicação
Jornais de âmbito nacional respondem por quase um quarto da cobertura dessa temática; periódicos paulistas compõem 19,5% do total
Como a mídia fala de si mesma? Responder essa pergunta é o objetivo da pesquisa inédita Mídia e Políticas Públicas de Comunicação, realizada pela ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância em parceria com a Fundação Ford. A partir da análise quantitativa e qualitativa de 1.184 textos jornalísticos reportagens, artigos, colunas, editoriais e entrevistas publicados entre 2003 e 2005 em 53 jornais de todos os estados e quatro revistas de circulação nacional, o estudo investiga como a mídia aborda os temas inerentes ao universo dos meios de comunicação.
Entre as conclusões apresentadas no trabalho está a de que a mídia brasileira costuma falar de si mesma de forma seletiva, deixando de lado temas delicados, porém de central relevância para o desenvolvimento da democracia. A regulação e a concentração de propriedade dos meios de radiodifusão e as relações com a política e o poder são alguns exemplos de questões abordadas de forma parcial.
Segundo o estudo, quanto o assunto são as políticas de comunicação, a cobertura é fortemente centrada na televisão. Questões relacionados aos conteúdos veiculados, por exemplo, foram o foco de 50,2% do material analisado (594 dos 1.184 textos). O fenômeno é considerado pela pesquisa como uma limitação do trabalho da imprensa, pois apesar desse tema ser importante, outras questões relevantes foram relegadas a segundo plano, como as relações da mídia com a política (4,6% dos textos analisados), com a democracia (1,8%) e com o poder (0,3%). Aspectos estruturais e regulatórios concentração da propriedade, sistema de concessões, dentre outros também aparecem com percentuais bastante inferiores (11,7% do total).
Outros temas que, segundo o estudo, são amplamente negligenciados:
1,6% dos 1.184 textos analisados abordam o processo de concessões públicas dos meios de comunicação e 0,6% a renovação ou revogação destas.
1,3% diz respeito às fusões, aquisições e join ventures de empresas de comunicação.
Apenas 0,1% do material fala sobre a concentração da propriedade.
O mesmo percentual (0,1%) é dedicado à abordagem do Direito de Resposta à indivíduos e instituições prejudicados por equívocos da mídia.
A abertura do mercado na área ao capital estrangeiro é o foco de 0,8% dos textos.
Esses números foram repercutidos junto a especialistas e profissionais de alguns dos principais veículos de comunicação do País. O desinteresse dos jornais pelo debate acerca da regulação democrática da comunicação foi um dos pontos comentados e registrados na pesquisa. O que me chama a atenção é o descompromisso das empresas ao tratarem da desconcentração da propriedade e do papel que elas exercem no contexto das liberdades e da democracia. No caso da radiodifusão, por exemplo, o fato de a atividade acontecer a partir de uma concessão pública sujeita a normas constitucionais não é apresentado como informação pela cobertura jornalística. Faz-se necessário colocar mais luz nessas questões, pois é fundamental para a sociedade discutir políticas públicas de comunicação, afirmou Luiz Egypto, editor do site Observatório de Imprensa.
Além das estatísticas sobre a cobertura, a pesquisa Mídia e Políticas Públicas de Comunicação contribui ao debate através da análise do panorama midiático nacional. Em quatro capítulos o trabalho aborda as relações dos meios de comunicação com a política, o processo regulatório em construção no País, as novas tecnologias, a defesa do interesse público, entre outros assuntos, com a contribuição de profissionais da própria mídia e renomados especialistas.
A íntegra do estudo pode ser obtida no site da ANDI, através do link www.andi.org.br/_pdfs/midia_ppc.pdf
Jornais nacionais impulsionam a cobertura
A pesquisa Mídia e Políticas Públicas de Comunicação aponta uma média de 0,19 textos publicados por jornal diariamente sobre essa temática. Ou seja, somente a cada cinco dias os veículos analisados publicaram algo a respeito. A cobertura é alavancada pelos jornais de repercussão nacional, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense, que são responsáveis por 22% das inserções. Cada um destes contribuiu, em média, com 4,4% do total de textos analisados, enquanto os periódicos regionais representaram 1,1% cada um. E, no âmbito dos jornais nacionais, os paulistas reúnem um volume de textos desproporcional ao restante da amostra. Os periódicos de São Paulo publicam quase sete vezes mais do que os veículos dos demais estados, compondo 19,5% do total.
Já as revistas representaram 22,4% da amostra, sendo que, entre elas, a Carta Capital reuniu mais de 50% do total. A freqüência com que as semanais abordam os temas focados no estudo é de 0,43 textos por semana, ou praticamente um a cada 15 dias. Se for subtraída dessa conta a Carta Capital, essa média se altera para uma inserção ao mês.
Cobertura prejudicada por interesses
Um dos principais pontos da pesquisa é a constatação de que os jornais integrantes de grupos de comunicação detentores de outras mídias publicam menos textos sobre os temas em questão do que os concorrentes com perfil oposto. Diários ou revistas cujas empresas também possuem estações de televisão, por exemplo, respondem por 1,47% do material publicado, em média. Os que estão em grupos que contam com concessões de rádio são responsáveis cada um por 1,61%. Já os que não possuem nem rádio nem televisão contribuem, em média, com 6,2% da cobertura. Um exemplo citado no estudo, no campo dos grandes jornais, é a comparação entre O Estado de S. Paulo e O Globo. O diário paulista, responsável por 7,8% dos textos publicados, publicou 2,6 vezes mais conteúdo do que o periódico carioca, membro de uma holding com um leque de negócios comunicacionais mais significativo do que os empreendimentos do grupo Estado.
Os veículos pertencentes a conglomerados empresariais também tendem a atrelar a cobertura sobre políticas de comunicação a fatos específicos ocorridos no período analisado, como a discussão sobre o Conselho Federal de Jornalistas (CFJ), a Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Ancinav) e a expulsão do jornalista Larry Rother. 44% dos textos publicados remetem a estes episódios. Já os jornais cujos grupos não detêm concessões de radiodifusão apresentam uma cobertura menos reativa ao factual, dedicando apenas 29,6% das matérias a esses casos. A pesquisa considera que a postura desses veículos compõe uma cobertura mais sólida das políticas públicas de comunicação, e destaca que esses jornais cobrem duas vezes mais questões ligadas à infra-estrutura das comunicações e 2,75 vezes mais as relações entre mídia e política.
Como conclusão, o estudo afirma que a dificuldade de enveredar jornalisticamente por assuntos que contrariam as práticas adotadas por suas empresas são, provavelmente, as causas pelas quais jornais e revistas que integram as holdings ou mantêm estreita relação com grupos políticos apresentam uma cobertura menos consistente das políticas de comunicação. Esse é um fator que, segundo a pesquisa, pode explicar a pouca participação dos diários do Nordeste na cobertura dessa temática, apesar da região possuir o maior número de jornais pesquisados. É conhec
ida historicamente a relação entre a mídia e os políticos locais, detentores majoritários das empresas de comunicação.