Ventos da liberdade ou não

Chorei final do filme ‘Ventos da Liberdade’, de Ken Loach.O contexto geral do filme tem a ver com a liberdade e a soberania nacional. A América do Sul hoje e o Brasil não deixam de estar, de alguma maneira, neste dilema. E há então, e está presente nos processos históricos em curso, pelo menos duas questões de fundo, que desafiam mais uma vez os que querem mudanças e lutam pela transformação econômica, social e cultural.

Chorei final do filme ‘Ventos da Liberdade’, de Ken Loach. Fiquei estatelado na poltrona enquanto os créditos subiam na tela. O filme é impactante, especialmente seu duríssimo e chocante final, absolutamente dramático, que não vou contar para não tirar a surpresa e a dramaticidade para quem for vê-lo.
 Trata da Irlanda do início do século XX, quando o país está ocupado por tropas britânicas que, como fazem hoje no Iraque, perseguem a população e não permitem nenhum espaço de liberdade. A Irlanda de então é colônia inglesa. Infelizmente, não conheço o suficiente a história da Irlanda para aprofundar questões históricas, mas vi esta semana a notícia, dada com destaque, de que finalmente, depois de décadas, católicos e protestantes se uniram num governo de coalizão, sob as bênçãos de Tony Blair. Ou seja, as bênçãos da Inglaterra.
 O contexto geral do filme tem a ver com a liberdade e a soberania nacional. O povo, especialmente os jovens, começa a se organizar para buscar autonomia e libertação nacional. E consegue importantes avanços, ao ponto de ameaçar o império inglês e este ser obrigado a começar um processo de negociação entre as partes envolvidas. E aí está o centro do filme: a relação entre o (necessário?) pragmatismo e a coerência política (no limite da intransigência). Ou a eterna discussão sobre a estratégia da transformação de um país, a necessidade de alianças e coalizões num determinado momento histórico x a pureza programática até chegar à vitória.
 Há os que querem negociar um governo irlandês e a retirada das tropas irlandesas, mas mantendo-se a Irlanda província do Reino Unido. Há os que, avaliando que a vitória e a independência estão próximas, querem manter e ampliar a organização popular, continuando na luta até a libertação total. Os primeiros confiando que chegou a hora de negociar para garantir e consolidar avanços e conquistas. Os segundos dizendo que a vitória está próxima, logo ali na esquina, pode ser total, e que os ingleses podem ser total e definitivamente expulsos. O confronto que se estabelece a partir daí já não é mais entre ingleses e irlandeses, mas entre irlandeses e irlandeses. Até chegar ao dramático final.
 A América do Sul hoje e o Brasil não deixam de estar, de alguma maneira, neste dilema. E há então, e está presente nos processos históricos em curso, pelo menos duas questões de fundo, que desafiam mais uma vez os que querem mudanças e lutam pela transformação econômica, social e cultural.
 Por um lado, como tratar, concretamente, a necessidade de alianças e compromissos com quem não exatamente é da mesma posição e projeto, alguém que é aliado, no máximo adversário, mas não inimigo? Dar-lhe ou não dar-lhe fatias do poder, para garantir a sobrevivência política e algum futuro? E aí, eventualmente, total ou parcialmente, pôr em xeque ou até abdicar da coerência de programas e projetos, da transparência das ações, ou mesmo, no limite, do sonho e da utopia. De outro, como assegurar a coerência das ações, não transigindo em princípios políticos e ético-morais, manter-se firme nas idéias e compromissos de vida, sem deixar contaminá-los ou embolorá-los com a corrupção, não deixá-los pela metade, a meio caminho, ou abaixar a cabeça e trair envergonhadamente a causa?
 Ser duro e intransigente e talvez perder a batalha, buscando ganhar a guerra ao longo do tempo? Ou ser flexível, para buscar com mais segurança o objetivo, talvez em menos tempo e não integralmente? Eis o dilema do filme, da vida e da revolução.
 No meio de tudo isso, como tratar as divergências estratégicas na construção de um projeto coletivo. Cada um seguir seu caminho, como tantas vezes tem acontecido, arriscando perder os avanços feitos ou atrasar todo processo histórico? Ignorá-las, buscando formas de convivência ou de solução e decisão democráticas? Ou partir para o confronto, os companheiros de ontem eliminando-se mutuamente, como acaba acontecendo no filme e aconteceu tantas vezes com a esquerda na vida concreta?
‘Ventos da Liberdade’ é um filme imperdível para todos os sonhadores e revolucionários. Não traz respostas, não soluciona os dilemas, mas, no mínimo, leva à reflexão.

Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente

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