Acadêmicos aprovam políticas do ministro da Cultura e afirmam que o governo pela primeira vez abriu espaço para o conhecimento universitário na gestão do setor. Pesquisadores, reunidos no III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, temem, no entanto, pela não manutenção e não continuidade de políticas.
Depois de anos da gestão do setor ser comandada apenas pela lógica neoliberal, a eleição de Lula e a nomeação do tropicalista Gilberto Gil para o Ministério da Cultura ampliaram a compreensão das políticas culturais no Brasil. Comunicólogos, historiadores, antropólogos, economistas, sociólogos, cientistas políticos e outros acadêmicos envolvidos com a Cultura estiveram reunidos entre os dias 23 e 25 de maio em Salvador (BA), para o III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (III Enecult) e aprovaram as políticas do ministro Gil.
O presidente da Fundação Biblioteca Nacional e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, afirma que qualquer política cultural tem que rever os conceitos básicos de cultura e compreender sua complexidade. Entender sobre o que se fala é o primeiro passo. Repensar e resignificar tudo deve ser o segundo, pontua.
Professor de Ciências da Informação e da Comunicação da Univesité Paris, Armand Mattelart lembra que foi em 1982, no México, quando pela primeira vez se reivindicou a noção antropológica de cultura. Anita Simis, da Universidade do Estado de São Paulo, afirma que o papel do Estado não é o de dizer o que é cultura ou como ela tem que ser. Mas o Estado tem a função de regular mecanismos para ajustar o desenvolvimento da cultura, garantindo a autonomia democrática. Política Cultural em um universo de diversidade cultural é isso. Diversidade representa também a questão de classe.
A pesquisadora paulista acredita que somente na gestão do ministro Gilberto Gil é que passamos a ter uma política cultural. Além disso, a questão da diversidade foi assumida enquanto chave para a elaboração de uma política cultural diferenciada. Sem voltar para os preceitos do estado desenvolvimentista, o Estado voltou a ter um papel a cumprir, no desenvolvimento econômico, no setor cultural, na regulação de economias da cultura, de árbitro, de legislador, entende Anita Simis.
O secretário da Cultura da Bahia, Márcio Meirelles, empossado no começo do ano (leia entrevista exclusivaleia entrevista exclusiva com este repóter na Carta Maior), acredita que ousar é prerrogativa de quem governa: Se não tivéssemos o Gil, ainda estaríamos falando que a cultura é um bom negócio.
Albino Rubim, coordenador do Enecult diz, contudo, que é preciso radicalizar mais. Tivemos três tradições na história da gestão de política cultural no Brasil: a da ausência, a do autoritarismo e a da estabilidade. O Gil parte para o enfrentamento, mas com uma série de limitações, enfatiza. Rubim, como a maioria de seus colegas acadêmicos, considerou falha a atuação do Ministério na apresentação da Ancinav. Eles consideram que as necessárias mudanças na regulação do audiovisual podem atrasar dez anos com a ofensiva da mídia contra a regulação da comunicação.
Políticas Perenes
O professor Rubim, da Universidade Federal da Bahia, afirma ainda não ser possível realizar uma avaliação completa das ações do MinC: Não é simples avaliar políticas culturais. É preciso trabalhar toda a complexidade e continuidade das ações.
A historiadora Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, diz ser difícil analisar os impactos de políticas culturais como causa e efeito. O desafio é montar projetos que não se desmanchem com o advento de um novo governo. E a manutenção da política é tão mais intensa quanto for a sua relação com a sociedade, diz a pesquisadora.
Calabre ainda espera uma visão inter-relacionada entre outros setores do governo e da universidade com a cultura. Mas considera que o Ministério conquistou espaço fundamental dentro do governo: A gestão atual do Minc realizou avanços significativos no sentido de colocar a cultura dentro da agenda política do governo, fez com que ela deixasse de ter um papel praticamente decorativo entre as políticas governamentais. Porém, novas questões colocam-se. O grande desafio é transformar esse complexo de ações em políticas que possam ter alguma garantia de continuidade nas próximas décadas.
Isaura Botelho, da Fundação Memorial da América Latina e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, avalia que o Ministério da Cultura deu início a um intenso processo de discussão e reorganização do papel do Estado na área cultural. Houve um grande investimento no sentido de recuperação de seu orçamento e a discussão de mecanismos que possibilitassem uma melhor distribuição de seus poucos recursos em relação ao equilíbrio regional voltou a ser uma preocupação, considera.
Botelho afirma que esta é a primeira vez que o MinC abre espaço para o pensamento acadêmico na avaliação de políticas e dos números da cultura, em parceria com o IBGE. Embora seja cedo para apostarmos no que ficará desta gestão, registro, pelo menos, a consistência do que vem sendo proposto e implementado. A aposta é consolidar a cultura como a base de expressão do próprio indivíduo e de conjuntos de indivíduos, como ferramenta mais decisiva para a construção e o exercício da cidadania, conclui a pesquisadora.
Carlos Gustavo Yoda*
* A reportagem do 100canais, parceiro da Carta Maior, acompanhou o III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, entres os dias 23 e 25 de maio, a convite da organização do evento.