A teologia da libertação está viva

A Teologia da Libertação está na vida concreta das pessoas e das comunidades. Isso não se consegue destruir de um dia pro outro. E se faz e acontece em práticas e ações de fé e política, caminhando com e sem a paróquia, com e sem a diocese, avançando na mística do povo e tornando viva a fé.

O Papa Bento XVI passou pelo Brasil como um vendaval: multidões nas ruas, cobertura da mídia, debates provocados, questionamentos mil, artigos, entrevistas e reflexões de todos os calibres e origens.

A igreja católica está ficando conservadora, depois dos ventos de abertura do Vaticano II, num contexto em que a onda neoliberal e seus valores seduziram o mundo nas últimas décadas: os novos bispos (os estudantes da minha geração, dos tempos da Faculdade de Teologia, estão sendo nomeados, quase invariavelmente o que então eram os mais conservadores), a formação nos seminários, a secundarização das pastorais sociais, o reforço a pastorais setoriais em geral assistencialistas e que não questionam a estrutura econômica, social e cultural capitalista, os conteúdos moralistas. Tudo revela uma igreja voltada para dentro de si, para sua estrutura interna, para uma relação direta com Deus, sem a mediação do mundo e da realidade, ou então numa mediação a-crítica. Busca-se reunir massas e multidões falando-lhes apenas ao espírito como se este fosse desencarnado, pairasse no ar, fora das estruturas sociais injustas, estivesse além dos problemas da fome, da miséria, despreocupado com a justiça e a solidariedade evangélicas.

Mas se você anda pelo Brasil, descobre muita vitalidade, que nenhum padre, bispo ou religioso conseguem abafar. Leigos e leigas, militantes e lutadores organizados em grupos e comunidades onde vivem sua fé engajada nas lutas e comprometida com os problemas cotidianos do povo, especialmente o mais pobre. Quantas vezes chego em encontros da Rede TALHER de Educação Cidadã, que a partir do governo federal busca mobilizar e conscientizar os empobrecidos, desencadear processos formativos e organizativos, e sou surpreendido com liturgias, a oração do Pai Nosso, a leitura do Evangelho, a manifestação explícita da fé, como se fé e vida não se separassem, como se o Evangelho fosse parte integrante e constituinte do dia a dia.

Na base da sociedade, a fé conduz as ações da economia solidária, da construção das cisternas, da animação de grupos de jovens e de organizações locais, da presença nos órgãos de controle social do Estado, das ações de solidariedade.

A Teologia da Libertação está na vida concreta das pessoas e das comunidades. Isso não se consegue destruir de um dia pro outro. E se faz e acontece em práticas e ações de fé e política, caminhando com e sem a paróquia, com e sem a diocese, avançando na mística do povo e tornando viva a fé.

Hoje esta caminhada estende-se ou reestende-se à América Latina e do Sul, quando esta vive seu momento mais alto de soberania e afirmação nacional. Estas experiências de governos comprometidos com a maioria do povo, que não são as mesmas em cada país, surgiram no contexto da Teologia da Libertação, têm lá suas raízes mais profundas e apontam um rumo de justiça social e emancipação, coisa que nunca se deu neste nível no continente latino-americano, chamado por Bento XVI (não necessariamente pelas mesmas razões e conteúdo) de o Continente da Esperança, o que ele efetivamente é. Não é por outro motivo que o Movimento Fé e Política prepara seu 6º Encontro para 10 e 11 de novembro em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, com o tema PELOS CAMINHOS DA AMÉRICA LATINA, UMA NOVA TERRA.

A história faz-se às vezes como ondas que vão e vêm. Mas nunca se consegue destruir os ventos da libertação e a palavra profética, a coragem de enfrentar os poderes, anunciar a justiça e construir a solidariedade. Sempre há um São Francisco, um Bartolomeu de las Casas, um D. Oscar Romero, sempre surge um Santo Dias, um Chico Mendes, uma Dorothy Stang. Ou um D. Luciano Mendes de Almeida, um Adriano Hypólito, um Ivo Lorscheiter, um Helder Câmara, que foram, cada um a seu tempo, portadores do novo e protagonistas do futuro. E sempre de novo surgem os mártires do povo, muitos dos quais nunca vai se ouvir falar, mas que no chão da vida doam seu sangue por um novo céu e uma nova terra, pelo Reino.

Selvino Heck

Assessor Especial do Presidente

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