Aquela reforma agrária que o MST sonhou não existe mais. Mas isso ajudou a politizar o movimento. Ou seja, quem politiza o MST não são as suas escolas, é a classe dominante, afirma João Pedro Stedile.
O capital tem atacado primeiro. Esta, grosso modo, é a avaliação do dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile, sobre a essência dos embates entre os movimentos sociais e os setores econômicos hegemônicos, no sentido de que os movimentos têm tido que adequar suas lutas e resistências aos avanços do capital nacional e internacional sobre direitos e recursos dos trabalhadores.
Retomando o período histórico a partir da Era Vargas, Stedile lembrou que até os anos 1970 a reforma agrária no Brasil visava o assentamento dos pobres para que se inserissem, com o tempo, no modelo de produção econômica de um país que vivia um crescimento de mais de 6% ao ano e um desenvolvimento exponencial da indústria nacional. Na época, afirma o dirigente, havia um projeto claro para o país que incluía ou definia o papel do campesinato como parte do processo produtivo.
A partir dos anos 1980, no entanto, houve uma estagnação econômica que teria levado a elite brasileira a optar pela subordinação do setor produtivo do país ao capital internacional, dando início a um processo de liberalização que se manifestou de forma aguda nos oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso.
Sob Lula, que não apenas não rompeu com o modelo econômico anterior, mas teria patrocinado a maior transferência de renda da história do Brasil do setor produtivo para o financeiro o capital financeiro lucrou mais nesta gestão do que sob oito anos de FHC, uma vez que os altos juros oferecidos no Brasil atraíram os investidores especulativos , acabou se consolidando um novo projeto para o campo, que uniu o latifúndio e o capital financeiro na construção de um modelo que não apenas descarta a idéia de reforma agrária, como também o pequeno agricultor, jogado nas periferias dos centros urbanos, disse Stedile. Hoje em Ribeirão Preto [maior pólo sucroalcooleiro de São Paulo] tem mais gente na cadeia do que no campo, exemplifica.
É nesse processo que o MST se viu obrigado a evoluir de uma pauta estritamente ligada à demanda por assentamentos para uma luta que enfrenta um modelo no qual a reforma agrária não tem função, exceto se tornar uma política de compensação social.
Posto de outra forma, o enfraquecimento dos movimentos sociais nas últimas décadas o que o MST chama de descenso das lutas de massa e a falta de capacidade de aglutinação colocou os movimentos a reboque do grande capital, reagindo às suas ofensivas e se adequando aos desafios por ele colocado, explica o dirigente do MST. Aquela reforma agrária que o MST sonhou não existe mais. Mas isso ajudou a politizar o movimento. Ou seja, quem politiza o MST não são as suas escolas, é a classe dominante, afirma.
Relação como governo
A proposta de uma nova reforma agrária demandada pelo MST é um dos principais pontos de pauta que o movimento trata com o governo, tanto no aspecto técnico localização dos assentamentos perto dos centros consumidores, estruturação de agrovilas e agroindústrias, etc quanto no político, que confronta a opção política pelo modelo do agronegócio, explica Stedile.
É esta a pauta do MST com o governo, e não um posicionamento que considera simplista, de pau no governo. Este posicionamento seria o que Gramsci chamou de política pequena. A grande política é analisar como a sociedade se move, defende.
Questionado sobre a delegação, por parte de vários setores de esquerda, de papel de liderança de um processo de reunificação e fortalecimento das lutas sociais, Stedile afirmou que o MST refuta esta posição. Não assumimos o papel de unificar as esquerdas. A unidade é um processo histórico, explica. A desvantagem dos movimentos sociais e de esquerda frente ao grande capital, segundo ele, está na sua incapacidade de unificação em torno de um projeto alternativo concreto para o país, uma vez que a direita não se prende nem em projetos nem e ideologias, o que facilita as alianças em torno dos seus interesses econômicos, avalia.
Por outro lado, um movimento de aproximação de vários setores em torno de posições consensuadas é vista pelo MST como um esforço de grande importância, uma vez que, para o movimento, a unidade só se dará no bojo das lutas sociais.
Verena Glass – Carta Maior