A atual política desenvolvimentista do governo Lula, que dá prioridade ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), traz o debate sobre os impactos ambientais, sociais e culturais que as obras de infra-estruturas nas construções de hidrelétricas e até mesmo na transposição do Rio São Francisco podem causar.
O cinema brasileiro discute o problema por meio do documentário O Profeta das Águas. O Filme tem como pano de fundo, o ano de 1970, a ditadura militar e o alagamento da cidade de Rubinéia (SP) para construção da usina hidrelétrica de Ilha Solteira (SP), que aconteceu após represamento das águas do rio Paraná.
Em meio ao processo, um agricultor e líder religioso local, chamado Aparecido Galdino Jacintho, consciente dos males que o represamento das águas iria causar à população e ao meio ambiente, luta contra a construção da usina. Aparecido é preso, conduzido a São Paulo, onde foi torturado e depois internado em um manicômio, de onde saiu em 1979.
Em entrevista à Radioagência NP, o cineasta, diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e autor do recém-lançado documentário Leopoldo Nunes, conta como foi sua experiência em fazer o filme e questiona a viabilidade da realização de obras que causem tamanho impacto.
Radioagência NP: Como se deu o contato com o Aparecido e Rubinéia? E como surgiu a idéia para o filme?
Leopoldo Nunes: Eu sou da cidade, de Santa Fé do Sul (SP), município visinho do Ribinéia, ali é palco desses acontecimentos. Em 1970, a região vive um grande alvoroço de desocupação da área inundada. Isso foi uma coisa muito presente na minha vida. Eu comecei a me interessar em fazer cinema no início dos anos 80 e certamente essa era uma grande história e o Aparecido tinha saído da prisão em 1979. Eu começo a me relacionar com ele no início dos anos 80. Era como se eu estivesse indo em busca de minhas raízes.
Radioagência NP: A cidade agora está debaixo d’água e não há mais registro do que foi aquela antiga Rubinéia?
LN: Não há. O que existe são aqueles escombros que eu filmo ali debaixo d’água. Mas o importante disso é que na época, a usina de Ilha Solteira iria representar 45% da demanda energética do país e o hoje ela representa menos de 1%. Com aquele impacto, hoje, 30 anos depois, ela se tornou praticamente obsoleta. Acho que isso é uma contribuição nesse aspecto, o filme cria essa discussão. Na verdade vivi um rio ali antes da construção e depois eu vivi um lago.
Radioagência NP: A história se passa em 1970, em meio à ditadura militar. No entanto, o filme é atual porque faz pensar em acontecimentos recentes ligados a pessoas que militam em movimentos contra a construção de barragens.
LN: A demanda energética é uma coisa muito séria. A força hidrelétrica é uma forma antiga, convencional e no entanto, extremamente eficiente. O problema é que a demanda de energia é cada vez maior, aumentou em um passo muito crescente e é um dos entraves para o desenvolvimento do país. Acho que o Brasil deveria ser protagonista em formas alternativas e mais modernas de produção de energia. Eu acho extremamente danoso, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto do visto cultural e também do ambiental. Isso é uma coisa muito séria, eu acompanho a luta dos Atingidos por Barragens [Movimento dos Atingidos por Barragens MAB] e vejo como eles lutam contra o que geralmente são grandes interesses. Ninguém pode ser contra o desenvolvimentismo, mas temos que calcular melhor os custos. Temos exemplos de usinas mais recentes, que foram feitas com grande impacto ambiental e se tornaram quase inadequadas em um prazo muito mais curto que a própria Ilha Solteira.
De São Paulo, da Radioagência NP, Juliano Domingues.
01/08/07