Quanto vale uma lata d'água…

Olhando o Sertão caririense é impossível não se perceber. Está estampado em toda a paisagem, nas flores, nas crianças, nas mulheres…
Vão surgindo novidades: mulheres gestando água. Pois é mais que cuidar da água, é mais que construir cisternas… É resgatar a dignidade, é sair da condição de "dona de nada" e sermos as guardiãs da vida. Sabemos o valor de uma "lata d’água"!

A cisterna vai além da captação da água das chuvas, muda tudo. Onde não tinha perspectiva, hoje tem água. Onde tem água, tem melhoria de vida, mais festa e mais alegria. O segredo é o antigo novo jeito de ser e se fazer solidários.

Surgem alternativas como a Agrofloresta, que não é só deixar de queimar a terra, é cuidado com tudo que ela gera; é garantia de futuro para os jovens; é fazer a terra voltar a produzir; é deixá-la bonita. Isto muda a relação das trabalhadoras e trabalhadores com todo o meio ambiente. As tecnologias não são novas, por exemplo, cisternas e pequenos açudes, o mestre Ibiapina, nos primórdios de mil e oitocentos, já fazia. Como é antigo este jeito!

Plantar de tudo, e tudo misturado, é o chamado quintal produtivo. Tudo tem: frutas, plantas medicinais, galinhas, porcos, cabras; é mesmo diverso este jeito de ser camponês no sertão nordestino. Também selecionar sementes e guardar, é proteger um patrimônio biológico.

Muito tem sido feito, mas muito há que se fazer. Há um desejo de se ir mais longe, de conquistar a cidadania. O começo é sair da condição de derrotadas, é fortalecer a auto-estima é mostrar que podemos. "Juntas, somos mais".

O destaque é para quem acompanha o processo. Somos mulheres e homens. Somos inúmeros, de carro, moto, bicicleta, cavalo e também a pé. Fazendo de nossa crença a esperança!

Mobiliza, escuta. "Falando em escuta! Me faz lembrar do livro do Êxodo (Êxodo3,7-10), onde Deus diz que vê e ouve os clamores do seu povo e vem para livrá-lo da condição de escravo".

A responsabilidade nos foi dada. Escutar, ver e assumir a luta com o povo sofrido é papel nosso, de mulheres e homens. É urgente; é além da construção de cisternas. O povo começa/recomeça a ‘sair do Egito’, da condição de subjugados; mas, é preciso saber aonde vamos! Onde está a Terra prometida!

Com as perspectivas climáticas que, segundo estudiosos, o nordeste será de novo o mais afetado, aumentará o índice de evaporação e a redução de água no subsolo diminuirá em 70% até o ano de dois mil e cinqüenta (2050).

Que nordeste estamos construindo? Que Reforma Agrária faremos? Está em nós a construção do nordeste possível. Não cabe um projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para evaporar-se, perder-se no caminho. E com o discurso de que o problema é seca, encher de novo os bolsos das elites nordestinas. É preciso que se diga que este projeto não é para os pobres. A elite agora se diz preocupada com os sedentos, colocando a transposição como solução para os problemas da seca. O mais impressionante é que o Atlas da Agência Nacional das Águas (ANA, 2007), nas ações para o semi-árido cearense, não faz menção à transposição.

Para nós, o valor de uma lata d’água tem preço de liberdade, de dignidade. E não podemos abrir mão disto com promessas falsas que sempre chegam de modo duvidoso, com falácias de que o problema da seca será resolvido. Aprendemos a conviver com o semi-árido. Isto faz a diferença.

Angelita Maciel
Comissão Pastoral da Terra – CPT, Crato-Ceará

Adital

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