Aos que aplaudem a "Tropa de Elite"

A temática da segurança pública no Rio de Janeiro volta a lotar os cinemas. As cópias piratas de “Tropa de Elite”, há semanas vendidas por camelôs, não impediram que o filme batesse recordes de público nos seus primeiros dias em cartaz no Rio. O polêmico longa de José Padilha trata da segurança pública pela ótica de um oficial do Bope.

   A temática da segurança pública no Rio de Janeiro volta a lotar os cinemas. As cópias piratas de “Tropa de Elite”, há semanas vendidas por camelôs, não impediram que o filme batesse recordes de público nos seus primeiros dias em cartaz no Rio.
 
O polêmico longa de José Padilha trata da segurança pública pela ótica de um oficial do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar fluminense.
 
Capitão Nascimento, personagem principal e narrador do filme, interpretado pelo excelente Wagner Moura, não aceita propinas, despreza a polícia convencional e adota métodos de trabalho sanguinários e cruéis.
 
Apesar da brutalidade, Nascimento tem despertado manifestações de apoio de parte do público fluminense. Difícil é entender por quê.
 
O longa-metragem de Padilha ilustra em detalhes, com as aventuras do capitão do Bope, a forma como a polícia e as autoridades do Rio pensam o problema da segurança e atuam para solucioná-lo. E são décadas de equívocos, repressão abusiva, inteligência deficiente, desvios éticos, que só vêm agravando a situação.
 
O desrespeito aos direitos dos moradores de favelas, os tiroteios em áreas densamente povoadas, as revistas e interrogatórios constrangedores, os espancamentos, as execuções e a tortura, retratados de forma explícita em “Tropa de Elite”, são há anos práticas sistemáticas no combate à chamada criminalidade.
 
A representação da favela no filme também é coerente com as ações da polícia na vida real. Para muitos policiais, na favela, quem não é bandido é cúmplice, e todos os moradores são assim tratados. A autoridade que despacha essas incursões e depois as apóia publicamente referenda tal visão.
 
Não é preciso ler os relatórios de organizações que atuam em favelas e periferias, basta um pouco de bom senso, para deduzir sobre a diversidade que caracteriza as comunidades populares e a complexidade das suas relações sociais, culturais e econômicas. A violência policial e a lógica do confronto só têm servido para aumentar o número de vítimas em operações nesses espaços.
 
No caso do trabalho dos movimentos sociais e das entidades de defesa dos direitos humanos, a desinformação das autoridades é mais recente. A caricatura de ONG apresentada em “Tropa de Elite” é a concepção que muitos oficiais da polícia expressam no dia-a-dia sobre os movimentos sociais. Trata-se da mesma lógica míope do confronto: quem não pensa como eu está contra mim.
 
Também típico das forças de segurança é eleger, como fazem Nascimento e seus colegas de tropa, os usuários de drogas como bode expiatório do tráfico e ignorar a rede ampla de comércio de drogas, no atacado e no varejo. O fato é que a repressão pura e simples ao uso não teve até hoje nenhum efeito significativo. Por que a resistência em tratar as drogas como saúde pública? Por que nem se discute a revisão da legislação?
 
Assim, para os que aplaudem empolgados os feitos do capitão Nascimento nos cinemas, fica de novo o recado: faz tempo que o que está retratado ali na telona é costume no Rio de Janeiro, e a coisa só faz piorar.

Retirado do site Observatório de Favelas: http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatorio/noticias/noticias/4585.asp

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