Arena democrática com foco na violência

Os debates realizados durante o seminário Favela é Cidade! Violência e Ordem Pública, em 29 e 30 de outubro, no Rio de Janeiro, contaram com a presença de cerca de 200 pessoas. O que motivou o evento foi o debate da pesquisa qualitativa “Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento”.

 

Flávia Mattar e Paulo André

Os debates realizados durante o seminário Favela é Cidade! Violência e Ordem Pública, em 29 e 30 de outubro, no Rio de Janeiro, contaram com a presença de cerca de 200 pessoas. O que motivou o evento foi o debate da pesquisa qualitativa “Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento”, coordenada por Ibase e Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública (Iuperj), entre 2005 e 2007.

O estudo teve como objetivo romper a “lei do silêncio” nas comunidades quando o assunto é violência. Foram ouvidos(as), em 15 grupos focais, 150 moradores(as) de 45 favelas cariocas. Também foram feitas entrevistas em profundidade com 15 moradores(as) de três favelas: uma considerada “tranqüila” (sem tráfico nem grandes operações policiais), outra violenta e uma terceira onde há milícias. Os nomes das comunidades não podem ser identificados por motivo de segurança. O relatório final da pesquisa ainda não foi divulgado na íntegra, mas o resumo já pode ser conferido (ver destaque ao lado).

Entre os resultados apontados está o fato de que moradores(as) não querem afastar a polícia das comunidades. Assim como o restante da cidade, desejam segurança. O que querem é que a polícia não atue mais nesses territórios utilizando força desmedida, desrespeitando moradores(as) etc, diferente do que ocorre nos territórios de classe média.

Porém, o estudo aponta entraves a tal concretização “devido às dificuldades internas (a desconfiança generalizada produzida pelo medo das conseqüências de conversas abertas) e externas (os estigmas sofridos pelos moradores dos territórios pobres, que bloqueiam a formação de alianças mais amplas)”.

Segundo a pesquisa, a política de segurança precisa se fundamentar em uma visão mais ampla da vida social. Para isso, é preciso haver debate nos quais moradores(as) de territórios pobres participem livre, organizada e ativamente. E que seja possível a formação de alianças que impeçam o isolamento social e político de moradores(as) de territórios pobres, como ocorre hoje.

Podemos ver o seminário realizado como uma importante arena de debates acerca da violência, onde pesquisadores(as), ativistas, moradores(as) de favelas, entre outros(as), participaram ativamente. Os(as) debatedores(as) falaram sobre suas experiências com o tema violência, tanto do ponto de vista de estudos acadêmicos como do ponto de vista da vivência. E o público interviu de forma crítica, incorporando suas visões, sempre que julgou necessário.

Favela é comunidade?

O debate "Favela é comunidade?" acolheu pontos de vista bastante diferentes e divergentes sobre se favela é ou não comunidade. Para algumas pessoas, a favela está perdendo o sentido de comunidade por causa da marginalização e discriminação, o que é preciso ser retomado; enquanto para outras, a idéia de favela como comunidade é contextual.

De acordo com Patrícia Birman, da Universidade do Estado do Rio do Janeiro (Uerj), quando a palavra favela é utilizada, em vez de comunidade, há a alteração do registro de moradores(as). No seu entender, favela é uma designação política usada com a finalidade de criar enclave e excluir o grupo que ali vive. "O governo pretendeu identificar as favelas com a barbárie e a pobreza e isso vem acompanhado de um dispositivo de tratamento", disse, questionando: “Se favela não é comunidade, então o que são os favelados?”

Para Paulo Magalhães, da Caixa Econômica Federal (CEF), existe ambigüidade no entendimento de comunidade. Referindo-se ao tráfico de drogas, Paulo considerou os traficantes como "intelectuais do tráfico" porque têm formação e cursos patrocinados pelo Estado para praticar tais ações.

"O sentido de comunidade nas favelas está se perdendo, não só por conta dos crimes da polícia e dos traficantes, mas por causa dos interesses econômicos do Estado", afirmou Mônica Santos, moradora do Borel (zona Norte do Rio)e integrante da Agenda Social Rio, irritada com a situação. O assunto, na sua opinião, tem conotação política e não é apenas uma questão de ordem pública.

Dulce Pandolfi, diretora do Ibase e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que, embora o tráfico seja uma realidade, o clima de guerra criado em torno das favelas está sendo utilizado para acentuar preconceitos e discriminações históricas.

”A favela não é percebida como parte da cidade. É percebida como algo que precisa ser eliminado. Durante o século 20, quando surgiram as primeiras favelas, o tratamento dado era de eliminação, por diversas maneiras, ou removendo ou intervindo de forma discriminatória", afirmou ela.

Dulce defendeu a integração da favela à cidade e também criticou a polícia. “A polícia e a justiça são os órgãos encarregados de garantir a cidadania. O problema é que temos instituições muito falhas, todo mundo sabe que a polícia não tem atitudes cidadãs", aponta. E alertou: “Um bandido tem que ser preso e condenado, mas mesmo um bandido tem que ter direitos humanos respeitados."

Itamar Silva, coordenador do Ibase, acha que o mais importante não é definir se favela é ou não comunidade, porque, para ele, isso não muda a realidade. Contudo, apóia a necessidade de uma mudança de mentalidade da sociedade, algo que definiu como "limpeza moral".

Ele ressaltou, também, ser necessário que discriminados(as) ou favelados(as) se organizem para que, de forma unânime e conjunta, possam fazer valer a sua voz e apresentar ao Estado seus pontos de vista.

Movimentos sociais nas favelas

O debate intitulado “É possível um movimento social na favela?” contou com o depoimento impactante da integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Patrícia de Oliveira. Seu depoimento demonstrou as dificuldades de expressão de demandas e reivindicações por parte de moradores(as) de favelas.

Publicado em 1/11/2007.

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