Um novo legado para a Copa de 2014

Definido o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, o setor privado e a sociedade civil precisam pensar de forma estratégica, mais a longo prazo, quando planejarem as realizações que pretendem com a Copa do Mundo. O torneio abre uma janela de investimentos e atenção pública que permite, para além de construir estádios e cumprir demandas pontuais, enfrentar problemas socioeconômicos e estruturais

 

Francisco Valdean / Imagens do Povo
Definido o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, o setor privado e a sociedade civil precisam pensar de forma estratégica, mais a longo prazo, quando planejarem as realizações que pretendem com a Copa do Mundo. O torneio abre uma janela de investimentos e atenção pública que permite, para além de construir estádios e cumprir demandas pontuais, enfrentar problemas socioeconômicos e estruturais históricos, pagar parte do nosso passivo social e transformar realmente a cidade. Isso é o correto do ponto de vista estratégico e é o justo do ponta de vista ético.

Sobre isso, o site do Observatório de Favelas conversou com o coordenador do Legado Social dos XV Jogos Pan Americanos Edson Diniz, que diz que a Copa pode entrar para a história se “os governos compreenderem o desafio que têm pela frente e a enorme chance que se apresenta para a fundação, a partir de agora,  de uma nova política de segurança pública baseada no paradigma da valorização da vida”.

Que tipo de possibilidades um grande evento como o Pan ou a Copa do Mundo de Futebol abre para uma cidade como o Rio, tão marcada por desigualdades sociais?
Os grandes eventos têm o mérito de mobilizar a sociedade e ao mesmo tempo para serem realizados precisam de grandes recursos públicos e privados. Nesse momento é que eles ganham importância para além das competições ou do  mero evento em si. Os Jogos Pan-Americanos deste ano, por exemplo, trouxeram a tona muitas questões ligadas à dinâmica e ao modelo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro. O próprio conceito de Legado Social – criado a partir do Observatório de Favelas – nasceu com os Jogos, bem como uma intensa discussão sobre o que, de fato, ficaria para sociedade carioca, principalmente para as comunidades populares.

Por isso pensar na Copa de 2014 é pensar em como um evento desse porte, que vai mostrar o Brasil para o mundo e necessitará de vultosos investimentos, pode contribuir para repensarmos o modelo de cidade e país que queremos. Seguramente boa parte desses investimentos serão gastos em infra-estrutura para a realização do evento, mas outra parte pode e deve ser aplicada na melhoria das condições de vida das comunidades populares que têm necessidades básicas que precisam ser atendidas com urgência.
 
O Pan deixou um legado social efetivo para o Rio de Janeiro ou os investimentos sociais ficaram aquém do esperado?
Os jogos Pan-Americanos de 2007 trouxeram a certeza da vocação do Rio de Janeiro para a realização dos grandes eventos e deixou, certamente, uma infra-estrutura esportiva significativa para a cidade. Contudo, os investimentos sociais que deveriam concretizar o Legado Social ficaram aquém do que poderia ser feito. Mas é preciso reconhecer que pela primeira vez na história de um evento como esses se falou em Legado Social e isso já é um Legado. O desafio agora é não deixar arrefecer esse conceito e a idéia de que os grandes eventos, esportivos ou não, podem e devem contribuir para que tenhamos uma sociedade menos desigual e mais justa.

Qual a experiência que o projeto Legado Social deixa para ações deste cunho na Copa de 2014?
A principal experiência e lição é a de que se deve pensar não apenas no evento em si. Devemos refletir sobre o que esses eventos, como a Copa de 2014, podem mobilizar e trazer de desenvolvimento e transformação para o Brasil. Isso pode parecer uma exigência muito grande para um evento esportivo, mas não é, pois a Copa do Mundo trará, necessariamente, uma enorme mobilização da sociedade brasileira e isso, por sua vez, trará questões ligadas a que país apresentaremos ao mundo em 2014. O país campeão das desigualdades sociais ou o país que realmente investiu na diminuição das desigualdades e das injustiças sociais?

Para você, quais as vias que devem ser tomada pelos organizadores da Copa, para um compromisso social no evento?
Primeiro deve ser colocada na pauta, com urgência, e ao lado da preocupação com as reformas e com os investimentos em infra-estrutura necessários para a realização da Copa a idéia do Legado Social. Vivemos nesse momento uma disputa entre os estados brasileiros para sediar os jogos da Copa. Creio que para a escolha desses estados uma das condições deveria ser, justamente, o compromisso que eles tem de assumir,  com a sociedade  e com os organizadores,  da melhoria dos indicadores de sociais. 

Em termos de segurança pública, que tipo de intervenção tem que ser pensada para um acontecimento esportivo que mobiliza todos os estratos da sociedade, como é a Copa? O que tem que ser feito de diferente, neste campo, em relação às iniciativas anteriores, como na Eco 92 ou no próprio Pan?
É preciso pensar um modelo de segurança que tenha como meta a proteção à vida e o respeito aos direitos humanos. Isso significa que não se pode pensar em ações que tenham como princípio a orientação bélica como os modelos que, infelizmente, temos visto como política de Estado até aqui.  Não se pode insistir nas ações como as de cercar militarmente e tratar as comunidades populares  como uma ameaça aos grandes eventos.  É preciso entender segurança pública como um direito de todos e não como privilégio de alguns. Se os organizadores da Copa de 2014 e os governos compreenderem o desafio que têm pela frente e a enorme chance que se apresenta para a fundação, a partir de agora,  de uma nova política de segurança pública baseada no paradigma da valorização da vida, seguramente essa Copa entrará para a história.

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