Porto Alegre (RS) – A necessidade de reduzir os gases causadores do efeito estufa foi um consenso entre os 190 países que participaram da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas.
Reportagem: Patrícia Benvenuti
O encontro terminou na última semana em Bali, na Indonésia, e iniciou as discussões para um novo acordo a fim de substituir o Protocolo de Kyoto, que termina em 2012. A reunião não estabeleceu metas de redução, mas ficou acertado que os valores devem ser definidos até o final de 2009.
O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Rocha participou da Conferência em Bali. Na entrevista a seguir, o cientista afirma que a reunião foi importante, pois conseguiu reacender os debates sobre as soluções para o aquecimento global.
Marcelo, qual foi sua avaliação da conferência?
Esta foi uma conferência onde não estava previsto nenhum resultado em termos de meta, em termos de compromisso. Porque essa conferência parte de um processo de negociação que se iniciou em 2005 e que, infelizmente, vai até 2009. Então, a conferência foi importante porque foi mais um passo no processo de negociação. E no caso, por exemplo, de florestas, foi um resultado importante porque decidiu-se, por exemplo, que vão ser feitas atividades de demonstração nesse período para a gente poder ter uma melhor solução do problema no futuro.
Como analisas a possibilidade de se contabilizar o desmatamento evitado no cálculo da redução da emissão de gases?
Depende, se os países tiverem metas bastante grandes no futuro, e no caso do Brasil em especial, houver uma pressão cada vez maior para o Brasil ter algum tipo de compromisso ou meta voluntária, aí é óbvio que isso vai ter que ser, de alguma maneira, contabilizado.
Quais foram os resultados da conferência para os países em desenvolvimento?
Para os países em desenvolvimento, é importante que os países desenvolvidos vão continuar tendo metas de reduzir suas emissões. Apesar de a gente não ter ainda os valores, há uma expectativa de que esses valores vão ser maiores; portanto, vai haver uma demanda maior por créditos de carbono no futuro. Acho que outra coisa importante da conferência é que ficou claro que o mercado de carbono vai continuar existindo. Não vai haver, provavelmente, uma ruptura aí no mercado, ou seja, vai haver ainda a necessidade de comprar créditos de carbono no pós 2012.
Os Estados Unidos não ratificaram o Protocolo de Kyoto, mas eles assinaram o documento final da conferência. Essa adesão é um sinal de que os norte-americanos estão dispostos a reduzir suas emissões?
Os Estados Unidos não está negociando Kyoto, ele negocia apenas os temas relacionados à Convenção do Clima. Por não ter ratificado o protocolo, ele está trabalhando e negociando os assuntos relacionados na Convenção. Na Convenção, o que se discutiu é uma forma de, além do Protocolo de Kyoto, os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, e os países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, terem uma participação maior aí nos esforços de mitigação do efeito estufa. Então, apesar de o documento que lá foi negociado não ter colocado de uma forma bastante clara que Estados Unidos, Brasil, China, Índia, precisam reduzir suas emissões, eu acho que todos esses países estão cientes que vão precisar fazer isso, mais cedo ou mais tarde. Não dentro de um protocolo de Kyoto, que estabelece metas, mas vão ter que fazer isso de forma a reduzir suas emissões também.
É necessário aumentar a responsabilidade dos países em desenvolvimento na redução das emissões ou o compromisso maior ainda deve estar com os países desenvolvidos?
As metas de redução tem que ser dos países desenvolvidos. Mas o compromisso dos países em desenvolvimento deve ser sempre buscar formas de crescer que sejam mais sustentáveis. Eu acho que o Brasil nessa conferência colocou isso, ele não nega o fato de que ele precisa crescer de uma forma mais sustentável. Eu acho que também ficou uma posição clara, principalmente do Brasil, de dizer que a gente não se furta de fazer isso de uma forma que possa ser verificada, que possa ser comprovada. Porque eu acho que um dos principais problemas quando você fala de compromissos voluntários ou de ações voluntárias é que ninguém sabe muito ao certo qual é o valor, quanto foi reduzido.
Como foi a participação do Brasil no encontro?
Eu acho que foi positiva. O Brasil sempre, nas negociações teve buscando criar condições para que a negociação avançasse. Eu acho que nessas negociações internacionais tem nações que tentam claramente retardar ou bloquear o processo, como foi o caso dos Estados Unidos, e tem países que buscam uma solução de consenso, buscam achar uma solução para o impasse da negociação. E no caso do Brasil, eu percebi que em várias ocasiões o Brasil procurou ter esse papel de estabelecer o consenso. Mas também sem exagerar e abrir concessões diversas, porque algumas posições precisam que ser mantidas a qualquer custo.
Como avalias o Protocolo de Kyoto até o momento?
É um protocolo que tem várias vantagens, vários pontos positivos, mas também tem vários pontos negativos. Os países, infelizmente, não estão conseguindo cumprir as metas, vários países estão acima das metas de redução estabelecidas pelo Protocolo. Então é um Protocolo que, como primeiro passo, pelo menos nesse primeiro período de compromisso, é válido, mas ele não pode ficar só nisso. Tem que ter as novas metas de redução, metas maiores. E a gente tem que sempre buscar formas de aprimorar o processo. Então está se falando da revisão do Protocolo, o que eu acho importante e sempre deve ser feito, mas sempre com o intuito de melhorar. E não, como muitas vezes a gente escuta, as pessoas dizendo “o substitutivo” ou o “Protocolo seguinte”. Não vejo a necessidade de você ter um novo Protocolo. Acho que você pode trabalhar em cima do Protocolo de Kyoto, mas sempre aprimorando ele.
De que forma é possível amenizar os impactos do efeito estufa?
Tem que ter metas maiores para os países desenvolvidos. Isso é óbvio, não tem como você resolver esse problema se os países desenvolvidos não assumirem metas maiores de redução. E os países em desenvolvimento também tem que buscar sempre uma forma de crescimento que seja mais sustentável. Então, de um lado, aqueles países que já são desenvolvidos, que já tem um
determinado bem-estar sócio-econômico, vão ter que reduzir suas emissões. E aqueles países que ainda não atingiram esse bem-estar sócio-econômico, não vão poder seguir o mesmo caminho que os países desenvolvidos seguiram. Tem que ter esse esforço de ambos os lados.
Conversamos com o pesquisador da USP Marcelo Rocha sobre os resultados da Conferência de Bali e sobre as perspectivas no combate ao aquecimento global.