“Brasil empresa-para-os-outros” ou “Brasil-nação-para-si”

Esse texto faz parte de uma série de outros que serão escritos por nós da equipe do Talher Nacional a partir de estudos mensais planejados para o ano de 2008, analisando a conjuntura brasileira e procurando discutir o projeto de desenvolvimento que temos e que queremos para o Brasil. Um dos nossos desafios é perceber em que medida nossas ações de educação popular e mobilização social, tendo como referência o Projeto Político Pedagógico da Rede de Educação Cidadã, estão contribuindo na construção do poder popular e como efeito disso na construção do Projeto Popular para o Brasil.

 

 

 

Projeto de desenvolvimento em disputa:

“Brasil empresa-para-os-outros” ou “Brasil-nação-para-si”

“… Me aproximo alguns passos, ela se afasta mais e mais. Caminho outros passos e o horizonte fica mais longe. Por mais que caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para me fazer caminhar…”.
Eduardo Galeano.

No século 20, o capitalismo tornou-se uma realidade mundial, convertendo todo o planeta à sociedade produtora de mercadoria. Sua mais recente configuração Neoliberal acentuou ainda mais sua lógica destrutiva. Os sinais da barbárie se multiplicam com amplos processos de exclusão social, destruição ambiental e perda do sentido da existência humana.

Há 500 anos, o Brasil era um imenso território indígena. Aqui desembarcaram estrangeiros da classe dominante vinda de Portugal. Tomaram terras à força, criaram leis e capitanias. Forçaram os índios a plantar cana, ao trabalho escravo, e trouxeram africanos escravizados para essa dura tarefa. Dessa mistura de raças, resistência e sofrimentos extremos surgiu o povo brasileiro.
Nascemos como colônia. Desde o seu início, a exploração do Brasil abrigava na sua lógica reinventar tudo que aqui existia – a natureza e as pessoas reconstruindo para fins mercantis e tendo com horizonte o mercado mundial em formação voltado para o lucro e a acumulação de capital.
Na divisão internacional do trabalho, coube ao Brasil, com sua diversidade de bens naturais, clima quente, úmido e terra de boa qualidade, ser fornecedor de produtos primários para a metrópole portuguesa, por meio do modelo agro-exportator.

O capitalismo, aqui, foi introduzido por meio da dominação política, que determinou o sentido e o ritmo do desenvolvimento. A acumulação em regime de dependência e baseada na exploração de recursos naturais e no latifúndio monocultor formou uma massa marginalizada imersa na luta pela sobrevivência. No entanto, nesse processo histórico, ao mesmo tempo em que se aprofundava a escravidão e exploração, se multiplicavam também levantes e enfrentamentos com o Estado e a classe dominante. A luta de classe é uma realidade em nossa sociedade até hoje, agora contra a dependência em relação às nações ricas, sobretudo a submissão das elites brasileira ao domínio do imperialismo norte americano.

Enquanto a classe dominante no Brasil se organiza em torno do “Brasil empresa-para-os-outros”, o povo brasileiro, que nasceu proletário e sempre contou apenas com sua força de trabalho na sua dura luta política e cultural, procura construir um projeto popular para o Brasil, caracterizado pelo “Brasil-nação-para si”.

É nesse sentido e com o foco nas políticas e no projeto de desenvolvimento que está em disputa no Brasil que trago esse texto para contribuir na nossa análise de conjuntura.

Nos últimos anos, vem se evidenciando cada vez mais, inclusive noticiado pelos principais veículos de comunicação do país ou presenciado por nós nas nossas andanças acompanhando o trabalho da Rede de Educação Cidadã, processos de resistência popular, incorporando novos conteúdos políticos junto às lutas pela reforma agrária, mulheres, moradia, semi-árido entre outras. Mesmo num cenário adverso de apatia das massas e dispersão das forças populares e de esquerda, processos de resistência popular vem se acentuando nos últimos meses como:

– No Nordeste, a luta dos povos do Semi-Árido e a greve de fome de Frei Luiz Cappio pelo destino dos recursos naturais da região e contra a política de Transposição do Rio São Francisco;
– Em Rondônia, a luta dos povos ribeirinhos junto ao Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) contra o projeto do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira;
– A Via Campesina e, agora em março, a mobilização das mulheres camponesas contra as transnacionais, o agro-negócio e sua ofensiva na agricultura brasileira;
– Mobilização contra o projeto da Usina Hidrelétrica de Tijuca Alto, pela população da região do Vale da Ribeira em São Paulo;
– No Rio Grande do Sul, mobilização na remoção de centenas de famílias para a construção do Terminal portuário de produtos da celulose;
– A campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce e contra a exploração predatória de minérios com marcas irreversíveis sócio-ambientais;
– No Maranhão, a ocupação pelo MST na obra da barragem de Estreito;
– No Ceará, a ocupação do canteiro de obras do Canal da Integração e contra a privatização da Água;
– Na Paraíba, mobilização em frente ao prédio da distribuidora SAELPA para exigir o cumprimento da lei que determina a cobrança da tarifa diferenciada para consumidores que utilizam até 140 kw/mês;
– No Paraná, a ocupação da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago privatizada no governo Fernando Henrique por uma empresa Belga que fornece energia.

Enfim, mobilizações contra o agro-negócio, desmatamento, monocultura, transgênicos, transnacionais e privatizações.

Por meio desses conflitos de luta de classe, gostaria de trazer alguns elementos para discussão do projeto de desenvolvimento em disputa hoje no Brasil.

A partir da década de 1990, o sistema capitalista mundial entrou numa nova fase. Agora o centro hegemônico de acumulação não é mais o capital produtivo, mas o capital financeiro. E é por meio do capital financeiro que bancos potencializam e aplicam o dinheiro/líquido sobrante do chamado “primeiro mundo” por meio de suas empresas transnacionais.

Nos últimos anos, vem aumentando cada vez mais a centralização entre essas empresas de setores da economia que controlam além de mercados e preços, governos e instituições públicas.

Para que esse movimento do capital financeiro desse certo, er
a necessário colocar no poder governos nacionais servis que adotassem a ideologia neoliberal. Isso aconteceu a princípio com o governo Margaret Thatcher, na Inglaterra, e depois com governos neoliberais servis as empresas e ao capital internacional em quase todos os países do Sul. Na América do Sul, foi inicialmente introduzido no Chile por Pinochet. Aqui no Brasil essa nova dinâmica começou a ser implantada no governo Collor e depois consolidada no governo FHC.

O Brasil passou a ser alvo predileto das transnacionais que aqui compraram ações de nossas maiores, melhores e mais lucrativas empresas e aplicaram dinheiro na compra de títulos do governo federal para cobrar taxas de juros.

Hoje as maiores e mais lucrativas empresas que atuam no Brasil são controladas por bancos ou pelo capital internacional. Elas vêm aqui em busca de altas taxas de juros, de mão-de-obra barata e de nossos recursos naturais (minério, água, soja, etanol). Controlam nossa agricultura e alimentos, difundindo sementes transgênicas, compram nossas terras e usinas com o objetivo de exportação para seus países de origem. Destroem nossa natureza, nossas riquezas que no fundo são milhões de dias de trabalho de nosso povo, materializado nos produtos e nas remessas de dólares do seu lucro.

Desde o ano de 2000, num avanço silencioso, sobre as bênçãos do Estados Unidos e apoiado financeiramente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os países Sul Americanos, entre eles o Brasil, vem levando adiante a implantação de um conjunto de obras gigantescas, voltadas para ajustar as economias da região aos interesses do mercado globalizado e das grandes empresas de modo absolutamente coerente com a lógica Neoliberal.

Desde a sua criação, Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA),um mega projeto que engloba transporte, energia e comunicação, vm sendo implementado como estratégia na América do Sul,encarnando-a como região fornecedora de produtos agrícolas, matérias-primas e recursos energéticos para os centros dinâmicos do capitalismo.

O projeto prevê a execução de 348 obras em vinte anos articuladas ao redor de 12 eixos de integração que abraçam todo o território Sul Americano para facilitar a exportação de bens primários para os mercados dos países desenvolvidos. São portos fluviais, complexos hidroelétricos (entre outros, o do Rio Madeira), represas, hidrovias, rodovias, rede de gasodutos e outras grandes obras.

Fernando Henrique Cardoso, então presidente do Brasil,foi o anfitrião do encontro fundador, em Brasília, que contou com a adesão de todos os países Sul Americanos, exceto a Guiana Francesa. Desde então até hoje, ano de 2008, muita coisa mudou no cenário político da América do Sul, mas a iniciativa segue adiante,inclusive com o aval político de governos eleitos progressistas e de esquerda.

Quem tem criticado e resistido a esse ambicioso esquema de exploração pela integração física são principalmente as organizações e movimentos sociais populares.

As críticas se referem tanto ao impacto social, econômico e ambiental dos projetos com estratégia neoliberal, quanto aos efeitos nefastos sobre as populações afetadas por essas obras e compelidas a integrar-se em nome do progresso a uma ordem de desenvolvimento, na qual os únicos interesses que valem são só os de mercado.

A maior parte dos projetos da IIRSA fica em regiões de rica biodiversidade, ecossistemas frágeis e populações vulneráveis a alterações ambientais. Por mais que essas obras sejam anunciadas como “sustentáveis”, o impacto ambiental é inegável e em alguns casos, devastador. Essas estruturas em regiões em que a capacidade do Estado é precária, trará consigo efeitos incontroláveis como imigração de populações em situação de miséria, agravamento na situação de educação, saúde, moradia e saneamento. Ampliação de áreas desmatadas, grilagem de terras, criminalização e prostituição.

A falta de diálogo com as populações atingidas é fato consumado. Os projetos são implantados de cima para baixo e a população nem mesmo é informada sobre as conseqüências das obras.

A IIRSA e sua ênfase no remover entraves para circulação de mercadoria e à exploração dos recursos naturais seguem uma estratégia compatível com os objetivos da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), defendida pelo governo norte-americano. Iniciativa similar, o Plano Puebla – Panamá (PPP) também está sendo implantado para “integrar” os países da América Central e o Sul do México. Em conjunto, os dois mega projetos se encaixam, configurando um espaço latino-americano adequado em benefício de capital privado.

 
Com o objetivo de aprofundar mais especificamente a situação do Brasil nessa conjuntura, a questão que inquieta é o que o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal. O tem em comum com a IIRSA? Qual que relação do PAC com a iniciativa proposta pelo BID?

Apresentado pelo governo Lula no segundo mandato como o grande alavancador da economia brasileira para os próximos anos, o PAC é colocado como um projeto que visa ajudar ao crescimento econômico do país, a partir de investimentos em infra-estrutura que, há muito tempo, não se fazia no Brasil. E acoplado aos programas sociais do governo vem sendo pautado como um projeto que na perspectiva do modelo “sócio desenvolvimentista”, colocará a economia do país nos trilhos, com distribuição de renda.

Por outro lado, outras interpretações vêem o PAC como um complemento nacional da IIRSA. Umas séries de obras que estão no primeiro são também do segundo. E há outras que estão na IIRSA, mas que têm conexão com o processo de integração das infra-estruturas, principalmente, viárias e hidroviárias. A lógica de um é a mesma do outro, ou seja, criar a infra-estrutura necessária para garantir a exploração dos bens naturais e da população a qualquer custo.
Neste sentido, pode-se citar a obra da transposição ou “integração” do Rio São Francisco. Os eixos da transposição foram escolhidos para viabilizar as condições necessárias ao avanço do agro-negócio na região e a integração de mercados internacionais.

O projeto da Transposição do Rio São Francisco, para os lutadores do semi-árido que ali resistem, é um projeto do agro-hidronegóci
o do capital que transforma a água em mercadoria e insumo para implementação de uma agricultura monocultura, destinada a produzir frutas tropicais para exportação.

Nessa lógica é desconsiderada a experiência defendida pelo projeto de resistência popular, que prioriza a convivência com o semi-árido por meio de soluções locais e alternativas para captação do uso da água, priorizando seu destino para as necessidades humanas e da criação de pequenos animais que fazem parte do modo de sobrevivência da região. Assim, o objetivo é aumentar a renda e melhorar as condições de vida do povo do semi-árido. Com muito menos recurso, é possível desenvolver em cada um dos municípios, onde vai passar a transposição, o projeto das cisternas da ASA e dos projetos de irrigação da Agência Nacional das Águas (ANA), eliminando a escassez de água e aumentando enormemente as áreas irrigadas.

Enfim, o fato é que está em curso, nesse período da história, mais uma disputa feroz e desigual entre dois projetos de desenvolvimento (forma de organizar a sociedade e a produção de bens). A disputa mesmo desigual não está ganha, os processos de resistência popular estão vivos e para fortalecê-los mais, há uma necessidade de construir unidade na mobilização e lutas na esquerda social e partidária; defender e propor como instrumento pedagógico de debate Assembléias, Consultas Populares e Plebiscitos sobre temas dessa conjuntura.

Através desse texto, procurei levantar alguns elementos a partir da descrição de fatos políticos (luta de classe) na atual conjuntura, mas muitos outros elementos aqui não estão explícitos, mas se relacionam na busca da compreensão da correlação de forças e discussão de qual o projeto de desenvolvimento que queremos para o Brasil.

Para concluir, é importante dizer da nossa abertura para o diálogo, sugestão, críticas e também que as informações aqui coletadas neste texto são provenientes de leituras em jornais, principalmente Brasil de Fato, revistas como a Le Monde diplomatique Brasil, Carta Capital e Teoria e Debate.

Ana Gusmão
08/04/2008

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

2 + 3 =