A tarefa hoje é aliar vida, filhos, carreira e, em alguns casos, as despesas da casa – elas passaram de "dona do lar" para "chefe de família".
A jornada é dupla, as responsabilidades, também. Graças à emancipação, autonomia e espaço que conquistou no mercado, a mulher do século XXI tem um dia-a-dia muito mais complexo do que anos atrás.
A tarefa hoje é aliar vida, filhos, carreira e, em alguns casos, as despesas da casa – elas passaram de "dona do lar" para "chefe de família". Esse é o caso de Maria José de Paiva, 50 anos. Depois de passar pela separação de um casamento que já durava 20 anos, Zita (como gosta de ser chamada) teve de assumir, além da posição de mãe, a de pai e chefe da família. Não foi uma tarefa fácil. "Foi muito difícil, porque eu tinha uma vida cômoda, tranqüila, e de repente eu me vi sozinha, tendo de dar conta de tudo", conta.
Mas ela não ficou esperando o tempo passar: tratou de correr atrás, afinal tinha duas filhas para cuidar. Conseguiu um emprego e aos poucos foi se acostumando com a sua dupla jornada. Hoje, sente-se orgulhosa por tudo que superou e pela força que não imaginava ter. "Sinto-me realizada, feliz, uma vencedora mesmo!"
Segundo a pesquisa "A Síntese de Indicadores Sociais da População Brasileira -2007", realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Zita é apenas uma das mais de 18 milhões de mulheres chefes de família do Brasil. Esse número vem apresentando grande crescimento nos últimos anos – entre 1996 e 2006 (data da última atualização), houve um aumento de 79%, passando de 10,3 para 18,5 milhões. O gráfico abaixo revela a situação dos arranjos familiares em que a mulher é referência.
Segundo Cristiane Soares, economista e técnica da Coordenação de Indicadores Sociais do IBGE, esse número pode ser explicado pelo grande aumento da qualificação profissional feminina. "Hoje as mulheres têm se atualizado e participado cada vez mais do mercado de trabalho. Além disso, elas têm, em média, um ano a mais de estudo que os homens", afirma.
A economista chama a atenção para um dado revelado na pesquisa: o aumento de 7,1 pontos percentuais no número de mulheres chefes de família casadas, que hoje correspondem a 17,1% do total. "Quando a mulher era sozinha com os filhos, ela era naturalmente a pessoa de referência, mas quando existe o casal, a mudança de comportamento, a mudança cultural ensina essa família a ver a mulher assumindo uma posição de liderança", considera Cristiane.
Um fenômeno Social
Essa nova realidade não modifica apenas a rotina das mulheres, a questão, desde que tomou as proporções vistas hoje, passou de um acontecimento feminino para um acontecimento social. É o que explica Rosemary Segurado, doutora em Sociologia e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. "É difícil para a mulher se distribuir adequadamente sem deixar algumas lacunas nesses processos – é uma realidade social e ela não tem uma governabilidade total sobre isso", garante a professora.
O sociólogo Alexandre Piero confirma esse quadro e afirma que ainda há muitas barreiras a serem quebradas no caminho – o próprio olhar social é uma delas. "A superação de visões tradicionais de papéis sociais desempenhados essencialmente pela figura feminina ainda vem sendo gradativamente assimilada por parte da sociedade". Trata-se de um processo que pode não ser tão instantâneo como o avanço delas no mercado de trabalho, afirma Piero.
Mudanças na Estrutural Familiar
A entrada da mulher no mercado de trabalho e a sua busca por espaço e igualdade no mercado são lutas travadas fora de casa, uma escalada para alcançar objetivos profissionais. Mas quando a vida da mulher muda a ponto de interferir na estrutura familiar, há mais conflitos envolvidos.
Rosemary explica que a mulher sempre foi vista como o pilar da família, a base. Ela era a pessoa com tempo para cuidar da casa, dos filhos. Quando esse papel se reverte, quando ela passa a ter a mesma agenda de compromissos profissionais do homem e uma responsabilidade ainda maior sobre a casa, muita coisa muda. Não se trata de um processo fácil. "Em certa medida, nesses deslocamentos de papeis, há uma fase de transição e muitas crises ocorrem a partir daí. É um processo com muitas variáveis, com muitos impactos que ainda estão em andamento."
Essa mudança é sentida muito mais quando a família é constituída por um casal. Afinal, é natural que o homem tenha dificuldades em se adaptar com a nova realidade. "Ele se perde nesse processo, nessa reordenação do seu papel social, enquanto força de trabalho, produção e também transmissão de valores do ponto de vista paterno", diz Rosemary. Além disso, os filhos sentem essa transição e os pais precisam ficar muito atentos com isso. "Muitas vezes, a criança chaga a ter uma sensação de abandono", alerta.
Tornando o processo mais fácil
Apesar dos problemas e transições que envolvem esse processo, a emancipação da mulher e sua participação mais ativa no mercado são boas notícias – uma prova de que o sexo feminino conseguiu, depois de séculos, mostrar que sua capacidade e suas habilidades vão além do cuidado do lar e da família.
É preciso transformar essa mudança em algo positivo tanto para a mulher quanto para o homem, que hoje pode contar com uma companheira ativa e pronta para ajudá-lo na administraç
ão e nas responsabilidades da casa.
Segundo Piero, para que isso dê realmente certo e haja harmonia na nova estrutura familiar é preciso apenas modelar a base já existente. "O cuidado dos filhos, a administração do orçamento doméstico e o tempo dedicado ao lazer familiar precisam ser revistos e adequados de forma horizontal, sem a opressão da supremacia masculina que antes ditava as decisões de forma vertical". E ele finaliza: "A inserção econômica, política e social das mulheres cria um mundo mais igualitário e tem repercussões em diversos campos e esferas da vida. É preciso estar atento e acompanhar estas tendências."