Quando propus à equipe nacional em reunião com a comissão nacional, que os Estados enviassem cartas pedagógicas, não tinha grandes pretensões. Queria apenas que construíssemos possibilidades de comunicação que contribuísse com a humanização de nossas relações. Uma carta, diferentemente de um relatório, pressupõe sentimentos. Saudades, afetividade, vontade de se expressar, desejo de se encontrar. Diferentemente do relatório, a carta é pessoal, tem valor afetivo. Através das cartas teríamos a possibilidade de avançar na unidade metodológica. No conhecer-se.
Quando propus à equipe nacional em reunião com a comissão nacional, que os Estados enviassem cartas pedagógicas, não tinha grandes pretensões. Queria apenas que construíssemos possibilidades de comunicação que contribuísse com a humanização de nossas relações. Uma carta, diferentemente de um relatório, pressupõe sentimentos. Saudades, afetividade, vontade de se expressar, desejo de se encontrar. Diferentemente do relatório, a carta é pessoal, tem valor afetivo. Através das cartas teríamos a possibilidade de avançar na unidade metodológica. No conhecer-se.
A Ana Gusmão tinha uma obsessão antiga pelos círculos de cultura e sugeriu que os fizéssemos no IX encontro nacional da Rede de Educação Cidadã. Os círculos de cultura se constituem no lugar pedagógico por excelência! Onde mulheres e homens se encontram para ser mais. Neste lugar, como diz Paulo Freire, não há sábios nem ignorantes absolutos. Há homens e mulheres, com saberes diferentes. No entanto, carregam consigo exigências especiais. Têm um tempo, um jeito e exigem um cuidado. Não podem ser feitos de qualquer jeito ou a qualquer momento. Não podem ser resumidos a um “cerco de cultura”. As cartas pedagógicas seriam, além de uma forma amorosa de comunicação, um elemento determinante na dinâmica dos círculos de cultura. A sua pedra de toque.
Quando li nosso escrínio , à medida que lia uma a uma, as cartas, não contive a emoção. A comunicação fluía, as formas de expressão se multiplicavam, as alegorias, as metáforas se sucediam e senti um raro prazer. Em alguns trechos de algumas cartas a poesia jorrava como a água de uma fonte abundante. A sensação de realização e alegria de quem escreve não faz esforço para se esconder. Dá até para ouvir e identificar vozes de um e de outro, viajar no tempo e sentir-se naquele momento, o clima, a vontade de falar mais. O desejo de contar tudo. Isso somente foi possível entender melhor no momento da leitura das cartas nos círculos de cultura. O olhar de um e de outro, os gestos de cada boca, as expressões faciais, como se houvesse – e havia – uma simbiose real entre quem escreveu e quem estava lendo. Coisas que só uma carta é capaz de fazer.
O amor, a amizade, o desejo e a necessidade humanos de se comunicar, não cabem e não se sentem bem em relatórios. Seu lugar é a carta. Um relatório jamais aceitaria a ternura de Goiás, convidando a Rede toda para comer um arroz com piqui. Goiás exige o direito à preguiça, ao diferente, ao prazer de viver. Relatórios são contra tudo isto. Tão pouco acolhe o olhar materno do Pará, reclamando atenção aos filhos doentes e fragilizados. A identidade de “filhos e filhas da floresta” apresentada pelo Amapá, é por demais cativante para se expressar noutra forma que não numa carta. O sonho de um Brasil solidário expressado pelo Acre, só quem ama e está apaixonado escreve. O diálogo iniciado e a humildade contida na carta de Roraima são gritos de esperança para a Rede e para nossa espécie. Coisas de apaixonado. O Amazonas, garantido e caprichoso, fincou os pés na realidade, sem fechar os olhos às contradições.
A juventude se expressou de forma revolucionária na carta do Tocantins, o Estado caçula da federação. Como a juventude, que começa a ocupar seu espaço na Rede, o Tocantins se apresenta com fé esperança e denuncia obstáculos, dificuldades e sonha com o dia de sua superação. O nordeste canta e dança com as palavras e com as expressões. A fé, a poesia, o ecumenismo baiano. Sem pressa e sem comodismo. O Maranhão abre a porta da educação popular e toca na ferida arrancando a casca para que todos vejam. É sangue que corre. É vida que morre. É violência isso! O Piauí caminha o longo caminho da utopia e sonha encontrar a paz. Não a paz dos túmulos, mas a paz do Senhor. O frevo ganha as linhas de Pernambuco apontando as contradições, ponto de partida da problematização e caminho da práxis. De ponte em ponte chegaremos a um Projeto Popular para o Brasil (PPB).
Com metáforas, poesias e ousadia, Sergipe destrói pontes, desconstrói pré-conceitos e profetiza: “a primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir”. A Paraíba é madrinha do namoro da juventude da Rede com juventude do Projeto Político Pedagógico e faz da comunicação um ato de liberdade.
A profecia se faz texto em Alagoas, com anúncios e denuncias do poder conservador e violento no Estado. A vitória é do povo que se organiza e luta coletivamente. Os saberes e práticas dialogam no Ceará, criando identidade e autonomia. Governo e sociedade começam um diálogo que só pode ser regado com paciência e ousadia. O protagonismo das mulheres e dos jovens do Rio Grande do Norte é fruto da dialogicidade. Desvelando a realidade vamos descobrindo pessimistas e apressados e construindo espaços de reflexão. Identificar as temáticas, à luz do Projeto Político Pedagógico, é a proposta do Mato Grosso. Já o Mato Grosso do Sul, grita com os guaranis e com eles com todos indígenas o grito da natureza. Chega de exploração! “Não tem mais caça, não tem mais peixe, não tem mais nada”!
O Distrito Federal escreve na primeira pessoa do singular. Fala dos desafios e das perspectivas, dos recursos que muitas vezes são a principal atração. É na batida e no ritmo do HIP HOP que a capital do país se articula. Minas Gerais retorna ao berço, primeira moradia pós-parto. Entre desafios, temas, diversidade, enfrenta as dificuldades. Deixa claro que a carta tem que ser proporcional ao Estado e não economiza papel. Tá certo, uai! O Espírito Santo tem como ponto de partida as pessoas. Tudo o mais vem por acréscimo. A realidade é a parada do Rio de Janeiro. A partir dela, real, sem maquiagem, ironiza os algozes da mídia. Divertem-se com o extermínio de jovens pobres e negros das periferias. Em busca da palavra verdadeira, com transparência, encara as dificuldades e pede: precisamos pelo menos mais um educador no Estado. Coloca-se a serviço. Braços,
bocas e almas. São Paulo reclama do convênio e luta para, através do planejamento participativo, vivenciar o Projeto Político Pedagógico.
As pedras falam e cantam e as flores perfumam e enfeitam a esperança no Paraná. É preciso viver a autocrítica, alimentar os sonhos, chegar ao “nós” com o “eu”. Romper o silêncio e vivenciar a autogestão. A Educação Popular e a Economia Solidária namoram há muito tempo. Estão de casamento marcado. Não vá chegar atrasado. O Rio Grande do Sul, bem, é só movimento. Nesta estância água parada gera doença! A Rede balança no ritmo do vanerão. Santa Catarina reflete a realidade diversa. A utopia é o combustível do mundo novo e justo. Os planaltos, as regiões serranas os litorais, nos desafiam a ousar. Um tema gerador é a vida no mundo urbano. Parece dizer para Minas Gerais: Tamanho não é documento! E também não economiza papel.
Não posso ser contraditório, usar de privilégio e ultrapassar as duas páginas. Não tenho aqui a pretensão de, como diz o metafórico Goiás, espremer tanta riqueza e reflexão nessas duas páginas. Não posso perder esta extraordinária oportunidade de brincar. É isso! Uma brincadeira. Não me levem a mal, nem a sério. Não poderia me calar e guardar comigo a emoção que senti com estas cartas. Desculpem as brincadeiras. Posso ter brincado pouco. Vivam as cartas! Viva o povo brasileiro!
João Santiago – Poeta e Militante. É membro da equipe de assessores do Talher nacional.