Em tempos em que só se fala de corrupção, cada dia uma ação da Polícia Federal em todos os cantos do país, de todos os setores sociais, inclusive banqueiros, empresários e grandes especuladores presos, ressalta a atitude de 60 mil famílias devolvendo espontaneamente o Cartão do Bolsa Família.
Em tempos em que só se fala de corrupção, cada dia uma ação da Polícia Federal em todos os cantos do país, de todos os setores sociais, inclusive banqueiros, empresários e grandes especuladores presos, ressalta a atitude de 60 mil famílias devolvendo espontaneamente o Cartão do Bolsa Família.
Normalmente, o Cartão está na mão ou sob responsabilidade da mulher, a mãe da família ou a dona de casa, seja porque muitas vezes são elas as chefes de família, seja porque têm mais cuidado e mais responsabilidades sobre o uso do Cartão e do dinheiro recebidos.
Paulo Sant’Ana, o principal colunista de imprensa do Rio Grande do Sul (rádio, jornal e televisão), escreveu: “Eu acho sublime que 60 mil famílias que se beneficiavam do Bolsa Família tenham espontaneamente se desligado do programa, declarando que tiveram aumentada a sua renda e não achavam justo continuar a receber o benefício. Entre as causas, pode-se dar exemplos magníficos: uma mãe de quatro filhos que tinha como renda apenas R$ 200 mensais, assim que conseguiu um emprego em uma revenda de carros, comunicou ao Bolsa Família que renunciava ao benefício, em Belo Horizonte. Uma desempregada residente em Guarulhos (SP), mãe de um filho de oito anos, passou a receber o benefício de R$ 75. Assim que conseguiu emprego de empregada doméstica, sua patroa assinou sua carteira de trabalho e ajudou-a a inscrever-se num curso de auxiliar de enfermagem. Declarou então: ‘Fui salva pelo Bolsa Família, mas agora não estou mais precisando de ajuda. Então pedi desligamento do benefício.” (Zero Hora, 12.08.08, p.47). Sant’Ana escreve que o gesto é altruístico, “porque poderiam ocultar que sua vida mudou e continuar a receber o benefício injustamente”.
Marcelo Néri, do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas declara: “Sei que o pobre brasileiro é muito humilde e já soube de casos exemplares de pessoas que devolveram o cartão. Mas esse número de 60 mil devoluções aponta um grau espetacular de civilidade. É surpreendente.”
Editorial do jornal Zero Hora afirma: “Os administradores do maior programa social do governo federal, o Bolsa Família, estão compreensivelmente satisfeitos com a iniciativa de mais de 60 mil beneficiários que, voluntariamente, encaminharam seu desligamento. Por terem obtido condições de emprego e renda ou porque seus filhos já não freqüentavam a escola, condição indispensável, os favorecidos que devolveram seus cartões do benefício demonstraram o que o economista da Fundação Getúlio Vargas, considera ‘um ato espetacular de civilidade’. O que aponta para o caráter honesto e agradecido das famílias que se desligaram espontaneamente” (Zero Hora, 12.08.08, p. 14).
Volta e meia os meios de comunicação dão destaque a alguém que acha um dinheiro perdido em algum lugar e a pessoa, em geral um trabalhador, busca o dono para devolver a soma encontrada. Outro dia um programa de televisão humorístico fez uma pegadinha, em que uma pessoa ‘cega’ deixava cair uma nota de cinqüenta reais no chão. Os transeuntes que achavam a nota, ou buscavam devolvê-la ou, com quem não viu nada, a colocavam no bolso. Aí o repórter tirava os óculos e entrevistava a pessoa que achou o dinheiro, perguntando sobre as razões de uma ou outra atitude.
60 mil pessoas devolvendo espontaneamente o Cartão do Bolsa Família é uma multidão, mais que um estádio cheio! Não é um caso isolado, numa circunstância especial, de alguém que achou bens de outros. São 60 mil famílias, 250 mil pessoas, em situação de miséria e pobreza, tanto que precisavam dos cerca de 100 reais do Bolsa Família, e que, ao saírem de sua situação, fizeram questão de devolver o seu Cartão.
Pessoas agradecidas, sim, mais muito mais que isso, pessoas, brasileiras e brasileiros, honestas. Honestíssimas, porque poderiam não revelar sua nova situação, poderiam esperar a fiscalização por parte da prefeitura, da Caixa Federal ou do governo federal, e só então, obrigados e constrangidos, fazê-lo. Não, fizeram-no espontaneamente.
Esse é o povo brasileiro em quem é possível acreditar. Não só em sua honestidade, mas em sua capacidade. Quando recebe um mínimo de ajuda e apoio para levantar a cabeça, não mais depender de outros, do governo ou de quem quer que seja, vai buscar sua própria sobrevivência, seu auto-sustento. Ninguém quer viver de favor ou de esmola, venha de onde vier.
Qual especulador, qual banqueiro, qual jogador de Bolsa de Valores, que ganha milhões por dia ou por mês, deixa de especular, deixa de usar todos os meios, como agora na crise mundial de alimentos, para encher ainda mais os seus bolsos e aumentar seu capital?
Agora é criar condições para que muito mais famílias possam fazer este gesto. E de consciência e de cabeça erguida partir para construir igualdade, justiça social e dignidade neste país desigual, injusto, de tanta concentração de renda.
Os pobres e trabalhadores dão a lição, o exemplo. É dos de baixo, como sempre dizia Florestan, que vem a mudança. É onde está o futuro, com democracia e solidariedade.
Selvino Heck
Assessor Especial do Gabinete do Presidente