Nas prisões, saber ler e escrever vale muito. Três cartas podem custar um maço de cigarros, a moeda corrente do sistema penitenciário. Pessoas que não dominam os códigos da escrita estão condenadas ao isolamento do mundo exterior. Ficam totalmente dependentes das visitas ou de colegas alfabetizados. Na prática, são impedidas de se relacionar com parentes, amigos, namorados, ou até mesmo com o sistema de Justiça.
Especial para o JC OnLine
Nas prisões, saber ler e escrever vale muito. Três cartas podem custar um maço de cigarros, a moeda corrente do sistema penitenciário. Pessoas que não dominam os códigos da escrita estão condenadas ao isolamento do mundo exterior. Ficam totalmente dependentes das visitas ou de colegas alfabetizados. Na prática, são impedidas de se relacionar com parentes, amigos, namorados, ou até mesmo com o sistema de Justiça.
No Brasil, cerca de 10,5% da população carcerária é analfabeta. São mais de 43 mil pessoas que chegaram à idade adulta sem acessar o grau mais elementar daquela que é considerada a política pública de maior cobertura no país: a educação escolar. Outros 67% da população dos presídios não concluíram o ensino fundamental – passaram pela escola, mas não permaneceram tempo suficiente para atingir “o fundamental”. Essas milhares de pessoas são potenciais estudantes, alunas dos cursos de alfabetização e da modalidade de EJA – Educação de Jovens e Adultos. Mas, estranhamente, apenas 20% deles freqüenta a escola na prisão.
Há quem possa imaginar que não o fazem porque não gostam de estudar, porque preferem trabalhar ou, até mesmo, porque não querem fazer nada. Afinal, a legislação que regula a execução penal prevê que a educação é um direito de presos e presas, além de ser indicada como um importante mecanismo de “ressocialização”. Mas a realidade não é bem esta. O fato é que o Estado brasileiro tem sido incapaz de formular uma política penitenciária que inclua os processos educativos, especialmente quando se trata de integrar elevação de escolaridade com profissionalização.
A partir de 2005, os Ministérios da Justiça e da Educação deram um primeiro passo para romper com essa história de omissão. Por meio de um intenso processo de diálogo com gestores estaduais, formularam um primeiro esboço de diretrizes nacionais para a educação nas prisões.
Em 2006, depois de muitas discussões e de tensas negociações com as equipes da educação e da segurança dos Estados, o documento tinha tudo para se transformar num autêntico instrumento de gestão. Desde então, consta que ele ainda tramita no Conselho Nacional de Educação (CNE) e no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), enquanto o país segue sem uma política pública para o setor. Nesse vácuo, o mais comum é que os governos estaduais trabalhem no improviso e com pouca transparência.
A situação é especialmente caótica nos centros de detenção provisória. Por uma interpretação restritiva da legislação, os governos estaduais entendem que não devem organizar nenhum tipo de atividade educativa ou de trabalho nestes estabelecimentos. Há notícias, alentadoras, de funcionários que, resistentes à idéia de trabalharem em depósitos de seres humanos, tomam para si a responsabilidade de ofertar atividades educacionais, e saem em busca de apoios. Tudo informal, no paralelo.
Do pouco que se conhece das atividades educativas nas penitenciárias, preocupa a precariedade e ausência total de institucionalidade, mas encanta a resistência das pessoas que insistem em freqüentar a escola. Para driblar o conflito de horário entre a escola e as oficinas de trabalho, deixam de jantar ou tomar banho quente para buscar as salas de aula. E justificam: estudar, na cadeia, é uma alternativa para se manterem vivas, pensando, sonhando.
Paulo Freire, na sua “Pedagogia do Oprimido”, cuja primeira edição comemora 40 anos, denomina situação-limite aquela que leva à negação e à superação da realidade dada. É o contrário da aceitação dócil e, por isso mesmo, uma experimentação da liberdade. Estudar na prisão é um ato-limite, de resistência à condição sub-humana imposta.
Tem gente, do lado de lá dos muros, disposta a esta ousadia. Agora, é preciso refletir sobre a dificuldade de quem está do lado de cá em romper limites, implementar o que já está previsto nas leis e ofertar a educação nas prisões.