"A política dos serviços prestados pelo Google é tema de diversos debates sobre privacidade, ou melhor, sobre a sua violação. Sob o famoso lema “Don’t be evil” (“Não ser mau”), o Google construiu uma grande rede de serviços online que coletam dados de seus usuários. Após a coleta ocorre um processo de garimpagem de dados (data mining) para tipificar os usuários segundo padrões de gosto e comportamento".
Por Gus e Pietro, do PassaPalavra.info
Após um ataque chinês, o Google ameaça encerrar as atividades na China sob pretexto de liberdade de expressão.
O Google, o Yahoo, a Microsoft e outras empresas de tecnologia da informação publicamente colaboram com o governo chinês a censurar e reprimir os seus cidadãos. Isso não é nenhum segredo ou dito envergonhadamente. Muito pelo contrário, desde 2006, a gigantesca corporação de Mountain View, o Google, mantém parte da sua infra-estrutura técnica hospedada em território chinês e disponibiliza seus serviços no país através do site “google.cn”.
Um dos mecanismos mais cotidianos da colaboração é a filtragem do conteúdo das buscas. Por exemplo, quando um internauta chinês busca por “Praça da Paz Celestial”, dos resultados são eliminados todos os sites relacionados ao massacre dos estudantes chineses em 1989 – a famosa cena do homem enfrentando os tanques do governo não é exibida – e uma nota explicativa é mostrada: “Os resultados da pesquisa que podem não cumprir as leis, regulamentações e políticas, não serão mostrados” [1].
Entretanto, num comunicado publicado no dia 12 de Janeiro [2], no blog oficial da empresa, o vice-presidente sênior de Desenvolvimento Corporativo e Diretor Jurídico do Google, David Drummond, afirma que recentemente sofreram um grande e sofisticado ataque. Após investigação interna descobriram que o mesmo partiu do território chinês e “resultou no roubo de propriedade intelectual do Google”. E ainda, o ataque atingiu outras vinte grandes empresas – sem identificar quais -, mas que estão trabalhando com as autoridades competentes dos Estados Unidos para notificá-las.
Nessa investigação também foi revelado que contas de emails de ativistas de direitos humanos – dos Estados Unidos, da Europa e da China – que apóiam a dissidência chinesa têm sido acessadas por terceiros, acesso esse obtido através de outros ataques virtuais mais comuns (virus, trojans e phishing scams).
Há rumores de que o governo chinês seria o responsável pelo ataque, apesar de não haver provas. Mesmo assim, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, fez uma declaração exigindo explicações do governo chinês [3]. Perante essa situação hostil, o Google decidiu tomar uma nova posição em relação à China. Pela “liberdade de expressão” não irão mais se autocensurar: “Nós decidimos que não estamos mais dispostos a continuar censurando nossos resultados no Google.cn”. Caso o governo chinês não aceite negociar, talvez os seus serviços não serão mais oferecidos e a empresa encerrará suas atividades no país.
No decorrer das reportagens sobre o caso, um funcionário da empresa revelou na imprensa que os invasores utilizaram um sistema interno de interceptação criado pelo Google para que pudesse executar os mandados de busca e entregar informações dos usuários [4]. Outro caso de colaboração do Google com o governo ocorre no Brasil. Desde 2006 a empresa disponibilizou uma ferramenta semelhante para que a Polícia Federal possa rastrear usuários do site Orkut, sem necessidade de ordem judicial [5]. Assim, cabe questionar: se o Google está ameaçando abandonar a China e encerrar as atividades no país, porque não toma a mesma postura em relação aos outros países, isto é, porque não se recusa a violar a privacidade de seus usuários? Ou ainda, porque não torna público o uso dessas ferramentas por outros governos?
A política dos serviços prestados pelo Google é tema de diversos debates sobre privacidade, ou melhor, sobre a sua violação. Sob o famoso lema “Don’t be evil” (“Não ser mau”), o Google construiu uma grande rede de serviços online que coletam dados de seus usuários. Após a coleta ocorre um processo de garimpagem de dados (data mining) para tipificar os usuários segundo padrões de gosto e comportamento. É uma técnica que pode ser utilizada para tornar a publicidade mais eficiente, isto é, a propaganda passa a ser orientada com base no que os usuários estão pesquisando, enviando, assistindo ou digitando. Certa vez, quando duas estudantes conversavam pelo GMail sobre comer comida japonesa à noite, não demorou para que surgisse uma propaganda ao lado da conversa oferecendo o delivery de sushi. Um exemplo entre muitos, essas propagandas ocorrem na maioria dos serviços do Google e seus usuários já se habituaram com a invasão de espaço e de privacidade.
Para os diretores do Google, privacidade não combina com liberdade ou ainda liberdade de expressão. Como afirmou o CEO do Google Eric Schmidt, em 2009, “Se você faz algo e não quer que ninguém saiba, talvez, primeiramente, não devesse fazê-lo”. Essa argumentação foi respondida com sarcasmo, pois em 2006 o mesmo negou-se a dar entrevista ao site CNET após terem feito um dossiê sobre a sua vida: salário, onde morava, entre outras descrições. Todo material fora obtido através do próprio site. Pois, então, perguntaram-lhe: “Se você não quer que saibamos seu salário, porque você não deixa de ganhá-lo?”