Fonte: www.miraculoso.org.br
A maior parte das pessoas com quem tenho falado sobre os graves problemas do Setor Noroeste se importa ostensivamente com (a) a agressão ao ambiente natural do cerrado e ao equilíbrio da Bacia do Paranoá, (b) o transtorno no trânsito de automóveis e ônibus que devem cruzar a Asa Norte num padrão bem diferente do que ocorre na Asa Sul com “seu” Setor Sudoeste, (c) o desrespeito à terra indígena do Santuário dos Pajes, externalizando o desejo de ver o projeto imobiliário se transformar em algo realmente ecológico pelas mãos de verdadeiros e milenares praticantes de melhor manejo que esses especuladores da TERRACAP conseguem produzir.
Mas há um ponto adicional, que não escapa sobretudo aos que não se chocam tanto com os pontos (a), (b) e (c), e que pensam seriamente no Noroeste como um bairro como outro qualquer, em termos imobiliários: QUEM CONSEGUE COMPRAR UM IMÓVEL DESSES?
Ninguém que eu conheça consegue comprar um imóvel desses. Não são imóveis, são outra coisa, sinistra, oculta. Paranóia?
Não se trata de suspeita, mas de fato: as famosas quitinetes de R$ 680.000,00 são “impagáveis” por qualquer pessoa que adquiriu uma quitinete na Asa Norte (por um décimo desse preço). Os pontos (a), (b) e (c) são suficientemente graves para que as pessoas sequer admitam questionar a mega-bolha imobiliária do Setor Noroeste. Nem dá para conversar sobre isso. Mas há alguma coisa de profundamente errada com esses preços dos imóveis que estão a ser rapidamente vendidos, no Setor Noroeste. O que será?
Bem, trata-se de uma boa questão de pesquisa acadêmica (e de investigação criminal). Precisamos de DADOS, assim como de boas hipóteses para guiar a coleta desses dados. Particularmente, tenho alguns sérios problemas para pesquisar esses fenômenos imobiliários do Setor Noroeste. Um deles é o total bloqueio que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, onde trabalho, impõe àqueles que pensam de forma critica aos seus interesses, aos seus projetos, aos seu “consenso científico”. O consenso científico em minha Faculdade é de que o Setor Noroeste é algo MUITO BOM E CORRETO. Tanto é assim, que, neste momento, os estudantes do ateliê de urbanismo estudam o Setor Noroeste com a total e exemplar erradicação do Santuário dos Pajés, de forma idealizada – pelo menos acordo com as intenções das empreiteiras, das construtoras, da ADEMI e do SINDUSCON.
Para a FAUUnB, o Noroeste é ecológico, acreditem.
Muitas dessas coisas que detonam o DF e a própria UnB nasceram em seu seio. Foi na FAUUnB que nasceu o projeto de Águas Claras, assim como meus colegas trabalharam intensamente no projeto do Setor Noroeste, do Setor Sudoeste e de dezenas de outros empreendimentos imobiliários. O urbanista sistematicamente escolhido por NOTÓRIO SABER dentre todos os urbanistas, o Paulo Zimbres, até hoje tem enorme influência política na FAUUnB. Essas pessoas são muito, muito unidas, como tenho, isoladamente, aprendido. Uma grande família.
Essas grandes realizações urbano-especulativas não têm sido pesquisadas de forma crítica, a meu ver. Pelo menos pela Academia da ADEMI / SINDUSCON, a Academia dos Grileiros. Como criticar as coisas que você ajuda a realizar? Como criticar as coisas que lhe dão renda e sustento e SUSTENTABILIDADE (num sentido que deve ser examinado)? Fazendo isso, podemos perder a simpatia de nossos poderosos clientes.
A Universidade Captadora de Recursos não tem Autonomia. Teremos, por esse caminho, enormes dificuldades para pesquisar o que está por detrás dessa bolha imobiliária do Setor Noroeste. Assim, na medida do possível, podemos trabalhar com a hipótese de que esses preços são tão altos porque…
“AQUILO QUE REALMENTE PAGAM NÃO É ESPAÇO CONSTRUÍDO, MAS UMA OUTRA COISA, ALGO RELACIONADO AO JOGO DE PODER EM BRASÍLIA”.
Os enormemente elevados preços dos imóveis no Setor Noroeste podem ter a assinatura dos “jogos de poder”. Nesse momento sagrado das aquisições de imóveis tão caros, é interessante questionar porque as Leis do Mercado, da Oferta e da Procura, parecem não funcionar em Brasília. Na Asa Norte, tombada e estruturada, podemos obter imóveis por uma fração desses preços do Noroeste. Isso deveria reduzir dramaticamente esses preços, mas os incorporadores os mantêm altíssimos ainda assim. A Asa Norte deveria ser mais cara, mas é muito, muito mais barata.
A resposta está no que os cosmologistas poderiam chamar, por imobiliária analogia, “DARK MATTER”, ou uma abstrusa série de fatores que são invisíveis para os nossos olhos, mas que geram esses efeitos extraordinários nos preços dos imóveis do Setor Noroeste.
Esses imóveis podem estar a ser adquiridos, em boa parte, como moeda em um grande jogo de troca de favores entre autoridades e empresários e lobbyistas e políticos.
Como poderíamos examinar tão ousada hipótese?
RESPOSTA: Monitorando QUEM compra O QUÊ a QUE PREÇO.
Bem, devemos duvidar se é mesmo tão fácil obter informações assim – e, se obtidas, os nomes dos compradores… os valores envolvidos… as condições de compra e os interesses em jogo… serão tão transparentes quanto um pesquisador (que consiga por os olhos nessa dificílima base de dados) pode desejar.
Por exemplo, não se espera encontrar o pagamento por sentenças judiciais, por favorecimentos em licitações, por pareceres técnicos que privilegiam construtoras, eliminação de provas e processos adversos, por quitações de débitos milionários, pelo controle de fiscalizações e licenciamentos, entre tantas práticas denunciadas por Tribunais de Contas, por membros do Ministério Público, pela Polícia Federal, em episódios como a Caixa de Pandora e tantos outros.
NADA É O QUE PARECE NO SETOR NOROESTE
Nada é o que parece, no Setor Noroeste. Devemos advertir os pesquisadores acerca de suas miragens. Quando o pesquisador pensa que vê os verdadeiros “compradores”, pode estar a ver um imenso laranjal. Esse é um cenário de uma outra ecologia: os LARANJAS substituem os verdadeiros compradores. Todos os que têm comprado esses caríssimos imóveis são laranjas? Claro que não! Nossa generalização tem limites.
Mas essa é mesmo uma das questões fundamentais de nosso esboço de pesquisa: por que então pessoas honestas e ciosas do parcimonioso emprego de seus parcos recursos comprariam imóveis cujo preço é notóriamente DECUPLICADO? Se são honestos e prudentes, não comprarão por preços absurdamente altos, ao contrário: lutarão por preços justos por mercadoria tão ordinária.
No mercado imobiliário brasileiro, jamais os incorporadores e as construtoras ficam, exorbitantemente, com a faca e o queijo nas mãos, por mais desassistida que seja a população urbana nesse domínio. Em nenhuma cidade brasileira essa extorsão ocorre. Então, por que esses preços dos imóveis no Setor Noroeste não caem, só aumentam?
Dado que são os incorporadores os responsáveis pela bolha imobiliária, pela manutenção desses preços totalmente artificiais, a explicação do apartamento-propina deve ser examinada pelas… AUTORIDADES. Mas, não dá para confiar em “investigação brasiliense”, nesse nível, com esses atores. Não dá para acreditar nas autoridades locais, em investigação feita pela polícia local, sob o controle do governo local, como demonstrou amplamente a investigação da Caixa de Pandora, pela Polícia Federal. O jeito, em Brasília, parece ser a INTERVENÇÃO FEDERAL PERMANENTE.
Na medida em que os beneficiários de propina também façam CONTRATOS DE GAVETA com as construtoras e incorporadoras, elas serão, por anos, as “proprietárias” de centenas de
apartamentos no Setor Noroeste, aparentemente “encalhados” mas alugados, prudentemente. Isso pode ser constatado facilmente – e é uma outra evidência de irracionalidade em toda a imensa negociata de 11 Bilhões de Reais (o valor da Mercadoria Imobiliária criada por todo esse setor urbano Noroeste). CONTRATOS DE GAVETA, entre outras armações de quem entende do metiê. Há mesmo mais de uma forma de escamotear a propina imobiliária.
Por que parece ser quase impossível comemorar uma só vitória da proverbial honestidade e prudência dos ordinários compradores de imóveis, no Setor Noroeste?
Será que é porque há poucos verdadeiros e ordinários compradores dentre… os compradores?
A verdade é que o Laranjal do Setor Noroeste deve ser objeto de investigação EM TEMPO REAL, sobretudo neste momento em que as decisões judiciais valem, literalmente ouro imobiliário. INVESTIGUEM O NOROESTE!!!
Texto e Ilustração – Prof. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB
Colunista do Jornal O MIRACULOSO