A conquista da cidadania e o aperfeiçoamento da democracia passam necessariamente por projetos educativos que insiram a escola cada vez mais em seu contexto social, econômico, político e cultural.
Frei Betto
Dia 5 de setembro participei, em Belo Horizonte, do relançamento do programa Escolas irmãs ([email protected] ). É uma das tantas propostas de mobilização em prol da erradicação da fome no Brasil. A idéia inspirou-se no Projeto Rondon que, sob o regime militar, propiciou a milhares de estudantes contato direto com a população pobre do interior do país.
Em 2002 colaborei, em São Paulo, com a ONG Faça Parte, na criação do programa Jovem Voluntário, Escola Solidária ([email protected]). Hoje, inúmeras instituições de ensino incluem o voluntariado em seu currículo, incentivando os alunos a prestar serviços à comunidade, desde a alfabetização de adultos aos cuidados na preservação ambiental.
O Projeto Rondon e o programa do Faça Parte têm em comum a educação cidadã, despertando nos jovens o senso de solidariedade, a consciência crítica, o potencial de liderança e os predicados altruístas que evitam a deformação de um adulto aburguesado, indiferente ao contexto social em que se encontra inserido.
Escolas Irmãs vai na mesma direção, procurando aproximar alunos de diferentes instituições de ensino. Não apenas alunos, mas também pais, professores e funcionários. A escola cria vínculos de parceria com uma outra, seja na mesma região, seja em áreas distantes do país. Em geral a parceria se dá entre uma escola de estudantes de classe média ou alta e outra de alunos provenientes de famílias de baixa renda.
O contato é feito por cartas. Correio eletrônico ainda é privilégio de uma pequena parcela de jovens. Através da correspondência postal, os alunos intercambiam experiências, visões do Brasil e do mundo, peculiaridades regionais, impressões sobre fatos que merecem atenção da grande mídia. Falam da culinária local, dos desafios na preservação do meio ambiente, da política estudantil, de seus autores e programas de TV preferidos, do esporte, do potencial turístico de cada região, da música e dos costumes próprios de cada estado do país.
Em época de férias, ou mesmo em período de feriado prolongado, os correspondentes visitam-se, estreitando a amizade pelo contato pessoal. Desse diálogo nascem as ações de solidariedade, de entre-ajuda, de trocas de experiências.
Escolas Irmãs é sobretudo uma proposta pedagógica nesse universo cultural centrado no individualismo, na indiferença às questões sociais, na prevalência do entretenimento sobre as expressões culturais. É um programa que visa a mobilizar os jovens, e com eles toda a comunidade escolar, no combate à fome e à miséria, no interesse pelas oito Metas do Milênio propostas pela ONU, na defesa do meio ambiente e no melhor conhecimento da diversidade característica de nosso Brasil.
Educar é mais do que preparar profissionais qualificados para o mercado de trabalho. É sobretudo tornar as pessoas mais felizes e o mundo mais justo. É um ato de amor. E o amor exige o sair de si mesmo, ir ao encontro do outro, aprender a tolerância, apreciar a diversidade de idéias, a pluralidade de crenças e a singularidade de cada etnia, povo ou região. Nem toda pessoa escolarizada é educada, e há quem seja educado sem nunca ter tido acesso à escolaridade.
Escolas Irmãs é um programa situado no amplo leque de propostas do Fome Zero. Neste caso, tem por objetivo saciar, não necessariamente a fome de pão, mas a fome de beleza: essa busca constante do ser humano por maior harmonia interior, paz de espírito, consciência crítica e discernimento maduro. Essa capacidade de ver o próximo como semelhante dotado de plena dignidade humana, independentemente de sua condição social, étnica, sexual e religiosa.
A conquista da cidadania e o aperfeiçoamento da democracia passam necessariamente por projetos educativos que insiram a escola cada vez mais em seu contexto social, econômico, político e cultural.
Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto Autobiografia Escolar (Ática), entre outros livros.