Mais de 50 mil ocupam as ruas do Rio de Janeiro

Mais de 50 mil ocupam centro do Rio de Janeiro para cobrar responsabilidade dos chefes de Estado

Movimentos sociais repudiam texto da conferência oficial e citam necessidade de estabelecer unidade

Nem a garoa, nem a falta de comprometimento dos diplomatas na Conferência de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Rio+20), refletida no texto que divulgaram nessa terça-feira (19), sem compromissos ou metas, foram capazes de frear o espírito de luta dos movimentos sociais.

Na tarde desta quarta (20), mais de 50 mil pessoas de organizações que compõem a Cúpula dos Povos, evento paralelo à conferência oficial, deixaram a frente da igreja da Candelária e seguiram em marcha até o Largo do Carioca, na Cinelândia, região central do Rio de Janeiro.

A delegação CUTista compareceu com cerca de 10 mil trabalhadores, do campo e da cidade, e transformaram as ruas em um grande corredor vermelho. Lideranças como a recém-eleita secretária de Juventude da CUT-SC, Jucimara Araújo, que destacou a importância de conscientizar os jovens agricultores para que sejam multiplicadores de ideias tal como a necessidade de manter as áreas de preservação permanente nas pequenas propriedades.

Ela também apontou que a educação tem um papel fundamental no desenvolvimento sustentável. “Os jovens precisam sair de casa para estudar e o campo fica abandonado. A permanência da juventude na agricultura familiar está diretamente ligada à educação no meio rural. Não tem como continuar produzindo, e somos nós que cultivamos de maneira sustentável, sem educação de qualidade voltada à nossa realidade”, refletiu.

Financiamento seletivo

Presidente da CUT, Artur Henrique, avaliou que a marcha refletiu um momento de indignação. “Foi um absurdo o que aconteceu ontem na Rio+20, onde os embaixadores disseram que não tem US$ 30 bilhões para o desenvolvimento sustentável, mas tem US$ 400 bilhões para colocar nos bancos com a finalidade de ajudar a crise do capitalismo nos maiores centros econômicos do mundo. Precisamos deste dinheiro para erradicar a miséria através da inclusão social.”

Segundo ele, porém, não há motivos para esmorecer. “É necessário continuar lutando contra a privatização da água, pela implementação das convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), pela reforma agrária, pelo estabelecimento de metas para o desenvolvimento sustentável, contra a terceirização, pela redução da jornada e pelo fim do fator previdenciário”, citou como pautas do próximo semestre.

O presidente da CUT/RS, Claudir Nespolo, transmitiu sua mensagem de forma bastante direta. “Quem polui, tem que despoluir; quem fabrica, tem que se reciclar.” Nespolo ainda ressaltou que emprego decente não é apenas ter a carteira de trabalho assinada, mas um trabalho cercado de direitos.

Na avaliação de Mara Feltes, secretária de formação da CUT/RS, Mara Feltes, “a CUT está participando ativamente desta marcha porque defende uma mudança do atual modelo de desenvolvimento. Esta mobilização é uma demonstração concreta do desejo da sociedade. Todos os dias, os movimentos sociais estiveram presentes nas ações da central nos fortalecendo ainda mais.”

Feltes destacou que a CUT organizou várias atividades autogestionárias, abordando o trabalho decente como tema central do movimento sindical na Cúpula dos Povos.

Apenas o começo 

A secretária de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, ressaltou que é preciso colocar em prática as reivindicações da marcha. “A cúpula não acaba aqui. Esse não é o fim, mas apenas o começo para as mudanças que queremos que aconteçam.”

Também presente na manifestação, o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, aponta que a categoria trabalha com um produto que suja o meio ambiente, mas afirma que, sob a ótica política da entidade, o recurso seria explorado de outra maneira. “Se a energia for gerada a partir de um planejamento e um controle rígido da sociedade, certamente não haverá os grandes acidentes ambientais no mundo.”

Ao comentar que a decisão dos governos na Rio+20 não sintetiza os desejos da maior parte da população do mundo, o secretário de Administração e Finanças da CUT, Vagner Freitas, também lembrou que a marcha deixa claro o papel dos movimentos sociais, colocar a reivindicação na rua para pressionar os chefes de Estado, a adotarem uma postura responsável.

Ele citou ainda a manifestação que a Central organizou no início desta semana pela taxação das transações financeiras e lembrou que a parte das propostas defendidas pelo sistema financeiro para acabar com a crise são exatamente aquelas que levaram a Europa e a América do Norte ao buraco. “Temos que ter a taxação, o retorno desse investimento para financiar políticas de transformação do atual modelo para um sustentável e o sistema financeiro deve estar voltado ao crédito e ao investimento com o controle da sociedade. Não pode estar restrito aos burocratas”, disse.

Momento de unidade 

Dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra João Pedro Stédile sugeriu que, mais do que para falar mal dos governos, a manifestação deveria servir para iniciar um compromisso conjunto. “Devemos nos comprometer a voltar para nossos locais de trabalho e moradia e lá lutar todos os dias contra uma multinacional, contra um banco, contra aqueles que depredam o meio ambiente e exploram o povo.”

Stédile comentou ainda que na agenda do MST está previsto um encontro com Evo Morales para apoiar o governo boliviano em medidas de reestatização de transnacionais. E também encontrará com o presidente do Equador, Rafael Correa.  “Se ele quiser ir para o céu, deve dar asilo imediato ao nosso companheiro Assange – Julian Assange, criador do Wikileaks, que está na embaixada do Equador”, disse.

Não adianta o boicote midiático – No ato que encerrou a marcha, o presidente da CUT, Artur Henrique, enfatizou que o novo modelo de desenvolvimento tem que garantir trabalho decente, proteção social e direitos dos trabalhadores de todos os setores. Ainda alertou para a importância de a unidade dos movimentos sociais permanecer para chamar a atenção dos governos. “Queremos garantias dos nossos direitos e não adianta os grandes veículos de comunicação não divulgarem nossas reivindicações porque estamos nas ruas e nas ruas iremos continuar.”

O dirigente cutista afirmou que está prevista uma conversa sobre a agenda internacional para dar visibilidade e colocar em prática os debates feitos aqui. “Infelizmente, os governos não querem pensar a médio e longo prazo, mas sim resolver imediatamente o problema da crise financeira mundial. Há pouca ousadia dos governos por conta da crise”, finalizou.

Texto: Luiz Carvalho e Daiani Cerezer, do Rio de Janeiro

Fotos: Daiani Cerezer

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