Carta Pedagógica Mato Grosso do Sul (07/2012)

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

(Eduardo Galeano)

 

Saudações compas, educadoras e educadoras da Rede de Educação Cidadã,

 

Em dias ensolarados, secos e de bastante frio, típicos da estação, a Recid Mato Grosso do Sul esforça-se e desafia-se para transcrever, sem perder a riqueza de detalhes, o que viveu neste primeiro semestre de 2012. O momento é de relembrar oinício do ano, sentir saudades de alguns momentos e ainda compreender melhor outros.

Em várias casas entramos, e encontramos sorrisos, emoções que contagia quem esta na luta. Seria talvez este o real motivo de quem sorri, pois nos vê na luta, econsequentemente, percebe que há mais pegadas no caminho. É a esperança que se sente com mais alguém. O sentimento agora é de sentir, e querer entrar em mais casas, nos fortalecendo e organizando coletivamente com mulheres, jovens da periferia, negros e negras, quilombolas, indígenas, assentados/as, acampados/as, ciganos/as, artistas, enfim, atores do dia a dia. Na observação das várias realidades, e diante de um estado ainda burguês, é perceptível a diversidade e os modos diferentes de se fazer aluta.

 

Nos últimos meses de nossa prática e, em nosso constante olhar sobre a mesma, temos sido conduzidas/os a muitos aprendizados e compreensões na busca para construir o Poder Popular em nosso Estado, animados e animadas pela mobilização nacional dessa rede. Mesmo que, de forma geral, análises conjunturais, tragam para nós as realidades do chamado descenso das lutas de movimentos sociais, o nosso olhar sobre esses contextos nos traz esperança, por que lutas, oportunidades e coragem não faltaram.

 

Na lupa real, que podemos ver a análise da realidade, dada a nossa preocupação de não construir o antigo, mas o novo, nesta perspectiva, durante os primeiros meses do ano, embarcamos numa jornada, a Jornada Pedagógica, pensada para cinco momentos: “Viver além da mística de militância, um olhar sobre a conjuntura; Conceito de Eixos de lutas – Recid X eixos de luta, encaminhamentos; Plano Nacional de Formação, (o que é Recid?), sistematização; Políticas da Recid e por último, algo mais Celebrativo/festivo, no qual foram bordados os nomes das pessoas que participaram destes processos em preparação para os encontros Regional e Nacional. Nestes encontros foram definidos o conceito de tática e estratégia, aprofundamos ainda o debate sobre gestão compartilhada, entendemos e propusemos apontamentos para o Plano Nacional de Formação.

 

Estendendo-se para os diálogos em torno da organicidade, a Recid MS, se propõe internamente a uma nova forma de organização, se dispõe em equipes: de gestão, pedagógica/comunicação e de articulação política, desta forma, as atividades e encaminhamentos ganham maior perenidade e são garantidos o compartilhamento das informações, formações, assim como, as experiências vividas.

 

Com a bagagem popular renovada, partimos para VIII Encontro Regional, que visava analisar o “Processo histórico da resistência popular e a estratégia de atuação da RECID no Centro Oeste”, nos agitando com o lema “Memórias do Caminhar, tecendo o Poder Popular”. Este encontro impactou profundamente nossas estratégias e nossa preocupação em unificar as bandeiras de lutas do Centro-Oeste.

 

Contudo, poucos dias depois, com a bagagem, agora repleta de elementos da conjuntura estadual e regional, além de uma agulha popular para que coletivamente, após um processo de avaliações, reflexões sobre a conjuntura e o planejamento de 2011, tínhamos o compromisso de aprovar o novo Programa Nacional de Formação e as políticas da rede para o próximo triênio. As pessoas que saíram do Mato Grosso do Sul para se reunirem com representantes de todo Brasil, levaram consigo as experiências e comprometimentos desenvolvidos na proposta do caminhar.

 

Ainda neste período o “Estado Brasileiro foi para o banco dos réus”, sob o tema “Povos da terra e Estrutura Fundiária em MS”, que visava o julgamento simbólico do Estado Brasileiro, o agronegócio e o latifúndio por violações de direitos humanos cometidas contra comunidades indígenas, quilombolas e camponesas no Estado.

 

Acompanhados por cinco oficinas simultâneas que tiveram como temas geradores “Terra e Territorialidade”, cada uma com nomes específicos: Diálogos sobre a questão agrária – ações e impactos no MS; Movimento Negro e as questões dos territórios quilombolas; A luta pela restituição territorial dos povos indígenas em MS; Oficina musical “Luta pela Terra, pela vida-resistir é preciso e Agrotóxicos e seus impactos no Mato Grosso do Sul, que incluiu a exibição do filme “O Veneno esta na Mesa”, de Sílvio Tendler, esses momentos tiveram encerramento em forma de plenária”.

 

Tivemos, ainda, entre os meses de março, abril e maio, diversas lutas, manifestos pontuais, reuniões, encontros, seminários, roda de conversa etc. As reuniões ampliadas, que acontecem mensalmente entre educadoras e educadores, foram ampliadas com a participação de outros municípios que também se fazem presentes nos momentos de formação e das deliberações, neste espaço, este coletivo avalia as ações planejadas e organiza as atividades seguintes a partir do plano de ação/2012.

 

Em abril, durante três dias, o coletivo estadual, realizaram o 1º Encontro Intermunicipal com o objetivo de “verificar, a partir da realidade e da reflexão sobre a conjuntura, os aspectos positivos e negativos do processo vivido, com vistas a superar os limites, fortalecer a Recid no Estado e propor ações articuladas entre si, de forma participativa, na perspectiva da formação, para e a partir da luta”. Numa proposta metodológica que visava garantir nos dias de avaliação e planejamento das atividades da Recid, o diálogo, a fala, escuta, a partilha de saberes, experiências e aprendizados, o debate, os trabalhos em grupos, tendo o cuidado em criar consensos, fazer acordos e, sobretudo, assumir compromissos coletivos, encaminhar, avaliar e alegrar o espaço.

 

Neste encontro, definimos ainda nosso plano de ação para 2012 e o horizonte político da Rede no Estado, no qual gira em torno de “buscar a construção da unidade na ação das organizações populares, revalorizando a história de suas lutas sociais e políticas no Mato Grosso do Sul e a efetivação de mobilizações de massas por meio da educação e comunicação libertadora que possibilite a construção do contra-poder popular”.

 

Fóruns, rodas e oficinas foram realizados com a população indígena no MS, considerada a 2ª maior população indígena do país, e de acordo com informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), registra em 2011, 62% das mortes a indígenas no Brasil. Diante desta violenta realidade, e com certa limitação estrutural, as atividades foram desenvolvidas no sentido de mobilização, articulação e organização do povo, principalmente das etnias Terenas e Guaranis Kaiowá. Os principais debates se relaciona a territorialidade, violência contra os povos indígenas, sua cultura, fortalecimento da luta pela demarcação de terras indígenas PIN Taunay/Ipegue, envolvimento dos caciques da região, a ausência da FUNAI nas atividades, fortalecimento do debate sobre as políticas públicas de saúde, educação e cultura das comunidades urbanas e rurais, além de propor novas perspectivas de ação. A
pós os encontros, os/as indígenas, redigem cartas manifestos a partir dos encaminhamentos de cada debate.

 

De uma história invisível para uma possível, assim estivemos no II Seminário Cigano de Mato Grosso do Sul, intitulado: “Romai Uni Capiral kay ni Diquel” (Ciganos: Uma história invisível). Teve como objetivo verificar os avanços e limites, a partir dos desafios levantados na última Conferência da Igualdade Racial, com vistas a fortalecer a luta do Povo Romai no estado e propor ações articuladas entre si, de forma participativa, na perspectiva de desmistificar sua história, cultura e subsidiar com orientações e conhecimentos a Rede de Educação Cidadã. Iniciou-se com uma memória do I Encontro Estadual do Povo Cigano, realizado em maio de 2011, ao redor de uma fogueira onde as proposituras do encontro serão materializadas na lenha. E após uma dança cigana ao redor do fogo, foram queimadas as ações apontadas como discriminatórias e preconceituosas, presentes no encontro passado e também no senso comum.

 

Além dos debates sobre os eixos da História e Cultura do Povo Cigano, Ciganos do Brasil, Povo Cigano e as Religiões de Matriz Africana, Discriminação e Preconceito com os Povos Ciganos, Direitos Humanos para o Povo Cigano e as Leis Ciganas, houve o ritual do casamento cigano, vivenciado na última noite do encontro.

Um momento rico, de muita magia e emoção para nós gadies e também os e as ciganos/as.

Vamos para as ruas, juntamente com o Ato Poético, organizado pelos artistas de teatro de Campo Grande/MS, que incentiva ações para se tornar o Movimento do 1% para cultura. Essa é uma das lutas da classe artística, ainda pouco valorizada e com seus direitos não efetivados. O movimento continua ao longo do ano com o foco na conquista correspondente a 1% do orçamento municipal campo-grandense destinado a Fundação Municipal de Cultura e aos editais, cumprindo o que determina o Plano Municipal de Cultura aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo prefeito em 23 de dezembro de 2009, através da Lei Municipal 4.787.

O Carrossel cultural circula e caminha até os quilombos, dessa vez celebra o dia da páscoa, para, além de propiciar não só às crianças, mas também todas as pessoas que fizeram parte das atividades realizadas anteriormente em áreas quilombolas, um dia lúdico e de grande troca de saberes entre crianças, jovens, anciãos e anciãs, que relataram momentos da história de constituição dos lugares onde vivem. Estiveram juntos os quilombos: Quilombo Urbano Tia Eva, Quilombo Rural Furnas do Dionísio, Quilombo Rural Chácara do Buriti e Comunidade Rural Furnas de Boa Sorte, local onde ocorreu o carrossel.

 

Ainda nas ruas, ocupamos parte do Centro-Oeste, dita e conhecida como a terra do gado, mas também de militantes que lutam contra o agronegócio, hidronegócio, agrotóxico, o modelo político, social e econômico dominante, contra o novo código florestal, a criminalização dos movimentos sociais, o extermínio da juventude, a favor da reforma agrária, na valorização do cerrado, pelas lutas populares do campo e da cidade, junto ao movimento quilombola, negras e negros, ciganos e ciganas, indígenas, LGBT e artístas, assim, ocupamos simultaneamente a região. No MS, estivemos no dia do meio ambiente na câmara dos vereadores com nossas bandeiras de lutas e gritos de ordem, com o intuito de reafirmar nosso compromisso com as lutas e construção do Poder Popular no Brasil, potencializando as lutas desencadeadas na região e participando de sua construção como exercício de cidadania, a partir dos nossos processos de formação e busca incessante pela unidade das organizações de luta da classe trabalhadora.

 

Em seguida, tivemos dias marcados pela preparação a participação na Cúpula dos Povos. Nos reunimos em rodas de conversa e oficinas sobre os objetivos da atividade no Rio de Janeiro, na tentativa de nos organizarmos e entender melhor o que significava esta ação. A Recid/MS e o movimento negro se articularam e garantiram vagas de participação de educadoras e educadores da rede no estado, além deste, um outro movimento nas aldeias estava também sendo organizado, os e as indígenas levaram consigo suas bandeiras de luta. Recebemos ainda um convite para participação numa das programações da Rio + 20, que aconteceu no dia 21 de junho às 10h na Arena Cultural, sob o tema Redes e Estratégias de Articulação, com o objetivo de apresentar experiências de redes e proposta de ampliação da Rede de Pontos de Cultura Indígena, bem como subsidiar acordos de articulação entre os órgãos públicos para o suporte das políticas culturais voltadas às populações indígenas. Foram momentos importantes de troca de experiências e bastante debate, como foi a tenda da rede no encontro. No mais, aconteceram muitos debates ao mesmo tempo alguns muito interessantes e outros que ficaram perdidos dentro da programação da Cúpula.

 

E mais recentemente, um desafio tão complexo quanto incitador, se materializa em “Educação Popular: uma Escola em Formação”, assim denominamos essa ação que tem o propósito garantir os processos continuados e integrados de educação popular, objetivando a autonomia e o fortalecimento das lutas populares no MS. Vivenciamos o 1º dos cinco módulos: Projeto Popular e alternativas frente a crise capitalista, em seguida teremos, 2º) História das ideias e lutas sociais no Brasil e na região Centro Oeste; 3º) Experiências de Poder Popular na América Latina; 4º) Metodologia da Práxis e experimentação pedagógica e encerramos o ano com Concepções de Educação no Brasil (História da educação popular e pedagogia Freireana).

 

Nós, do coletivo de contratadas e contratados, nos dividimos entre os temas e estamos com a tarefa de acompanhar mais de perto, a fim de, aprofundarmos sobre o assunto e escrever coletivamente um texto/artigo juntamente com as e os participantes após o último módulo da escola. Essa experiencia é nova, e terá mais a ser contada daqui uns meses.

 

Entendemos a revolução como também um processo pedagógica, não descansamos nossos olhares sobre o modo de pensar e fazer a gestão compartilhada, ainda um dos grandes desafios desta jornada. Pensar além do ‘ser econômicofinanceiro’, ainda impedido integralmente pelo regime capitalista, não está sendo adiado por aquelas e aqueles que lutam pela mudança.

 

Esse, está sendo um tempo de luta!

 

Hoje, quarta-feira (25 de julho), nossa carta pedagógica extrapolou o primeiro prazo, acreditamos ser por um bom motivo, que isso não signifique justificativas, mas a maneira que encontramos neste momento de redigí-la mais coletivamente possível. Caminhamos para também alinhar nossas práticas com a teoria que acreditamos e empregamos cotidianamente e seguimos refletindo… Dividimos neste momento o cheiro de terra vermelha que invade as janelas e as portas de nossa casa molhadas pela chuva desta tarde singular.

 

Abraços fortes, aquecidos com nossa energia.

 

Educadores e Educadoras da Rede de Educação Cidadã do Mato Grosso do Sul

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