Carta Pedagógica Paraíba (07/2012)

 Companheiras e Companheiros do Brasil,

 

“O meu modus vivendi é fruto da inquietude.Na verdade sou o efeito colateral da receita…” (Gilberto Álvares)

 

Paraíba feminina mulher forte sim senhor! Paraíba, onde o sol nasce primeiro! Paraíba de várias “Marchas”! Marcha das lutas sindicais, da reforma agrária, das CEB’s, da convivência com o semiárido, da agroecologia, da semente da paixão, da economia solidária, da articulação em redes e da formação de educadoras e educadores populares.

Os paraibanos vivenciam um momento histórico que tem apresentado-se propício para um processo de “marcha ré”, por um lado as investidas do grande capital aos grandes projetos desenvolvimentistas (mineração, agronegócio, especulação imobiliária etc.) e, por outro, o isolamento, a cooptação e o corporativismo de “atores sociais” (movimentos, articulações, fóruns, sindicatos, ONG’s, pastorais sociais e pessoas).

 

Estas investidas tem sido reforçada por uma política governamental caracterizada pelo “autoritarismo” de um governo que referencia-se como “socialista”, no qual alguns “militantes/assessores” de organizações que defendem as causas sociais vêm compondo equipes nas secretarias e em outras repartições do aparelho Estatal. Esse fator não favoreceria a “marcha ré” se, no contexto atual, não corrêssemos o risco de ver toda a “riqueza” sócio transformadora, construída historicamente na Paraíba, ir de água abaixo, uma vez que estes “militantes/assessores” estão reforçando uma política centralizadora e não o socialismo na perspectiva do Poder Popular. Entende-se também que é necessário e interessante fazer algumas interferências no aparelho estatal na perspectiva da construção e fortalecimento de políticas públicas, mas nem sempre é cabível, pois, ao contrário, tem fortalecido um “imobilismo social”, conforme ressaltou-se na avaliação estadual da RECID no mês de Abril.

 

Com este contexto, urge a necessidade do fortalecimento da articulação das forças sociais do Estado, sob a premissa de fazer movimento em Rede, refazendo, resignificando “antigas” práticas de resistências empreitadas na luta de classes e olhando as “novas” práticas de resistência presentes no meio “popular”. Esquece-se “que a classe não surge tal como o sol numa hora determinada, ela se faz presente no seu próprio fazer” (Thompson). Desnudar-se do corporativismo, do isolamento e da cooptação, possibilita o surgimento de novas marchas e, conseguinte, a continuidade da formação e luta da classe trabalhadora na Paraíba.

 

Neste ínterim, ressalta-se a existência de belíssimas experiências de “luta” no Estado na perspectiva de Rede, a exemplo da Articulação do Semiárido Paraibano – ASA, mas que não dão conta da diversidade de experiências existentes em nosso chão. A RECID poderia “ser” este espaço de fortalecimento, articulação e de agregação da diversidade das lutas sociais, pois a horizontalidade – um dos seus princípios centrais – é um elemento essencial e indispensável no fazer de uma rede.

 

Contudo, admitimos sim que a RECID tem sido elo entre algumas experiências de lutas na Paraíba, agregando ONGs, Fóruns, Pastorais Sociais, Cooperativas, educadores/as e lideranças, sendo presença viva em três microrregiões (Zona da Mata, Borborema e Sertão), que, por meio de um processo estratégico, ela tem orientado-se em dois eixos:

 

1- Fortalecer ações locais e regionais, tendo em vista o trabalho de base e a formação de lideranças, priorizando jovens e mulheres na perspectiva do Projeto Popular para o Brasil;

2- Ampliar a articulação com movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada tendo em vista o aprofundamento de forma crítica ao modelo de desenvolvimento em curso no país.

 

Estes dois eixos materializam-se nos coletivos microrregionais por meio da formação/articulação/deliberação dos e entre os atores sociais que os compõem: na assessoria aos núcleos/grupos de base (mulheres e juventudes), em seus processos formativos e nas construções conjuntas em alguns espaços de articulações políticas, a exemplo dos Cursos de Realidade Brasileira, da Cúpula dos Povos, da Semana Social Brasileira e Gritos dos Excluídos.

 

A Recid no Estado tem expressado sua potencialidade na afirmação do trabalho com prioridade na juventude enquanto sujeitos sociais importantes para a renovação de lideranças em todas as instâncias sociais e políticas, necessárias para efetivação de um novo Projeto Popular para o Brasil. Esta prioridade está visível em todas as microrregiões: no Sertão paraibano há um trabalho contínuo de fortalecimento através das organizações juvenis de expressão cultural como a ACRS – Associação Cultural do Rock do Sertão-PB, Coletivo Cultucar, Coletivo Estação, ASCA – Associação Socio Cultural e Ambiental do Alto Sertão Paraibano, Capoeira Ginga Brasil, Art´de Rua, Hip Hop de Cajazeiras e outros incursões, como o apoio e colaboração de setores da UFCG na execução do Curso de Realidade Brasileira, a contínua formação realizada nos espaços do Chá Freireano, o qual abrange juventudes universitárias, urbanas e camponesas.

 

Na Borborema as “juventudes”, além de sofrerem consequências de uma educação não digna, da falta de emprego, dos vícios, da homofobia e de suas condições socias, lamentavelmente, têm sofrido em alguns espaços, pois, ao invés de compreenderem seus anseios, sonhos e valores, coíbem sua autonomia e sua liberdade. O coletivo de juventudes dessa microrregião assumiu com muita lucidez o II Acampamento de Juventudes, enfrentando todos os desafios de cunho financeiro e político-pedagógico, mas, com muita energia, fizeram deste acampamento um exemplo de prática metodológica da Educação Popular Freireana, conforme afirma a equipe pedagógica do CAMP apontando a experiência como “exemplo para os demais estados”. Euforicamente animados, os próprios jovens propõem e executam uma proposta de formação política em três módulos continuados, com o objetivo de fortalecer a articulação de “lideranças juvenis” do campo e da cidade na perspectiva do trabalho de base em suas respectivas comunidades e municípios.

 

Na Zona da Mata são as Juventudes de dois Municípios da Várzea Paraibana (Fórum de Juventude de Sapé e do Conselho Paroquial de Juventude de Cruz do Espírito Santo) que estão em processo de reflexão sobre sua essência enquanto sujeitos políticos de expressão juvenil e sobre suas práticas para retomarem os ânimos, propondo-se a trilhar caminhos para continuar a missão de animar a juventude para o reconhecimento de seu protagonismo social e político. Outro passo contínuo tem sido a elaboração e articulação para a realização do 4º Curso de Lideranças Juvenil, promovido pela ONG AMAZONA – Associação de Prevenção a AIDS, que este ano está sendo composto pela parceria de várias organizações e articulações juvenis como a: Pastoral de Juventude do Meio Popular – PJMP, Articulação de Juventude Negra da Paraíba, Rede de Jovens do Nordeste – RJNE, Juventude Católica Operária – JOC e o Levante Popular da Juventude. O curso será realizado em cinco módulos para Jovens iniciantes com perfil de lideranças, do Campo e da Cidade.

 

No Planejamento deste ano, retomou-se o desafio de colaborar com o fortalecimento dos movimentos e lutas das mulheres do campo e da cidade onde a Rede se faz presente. Há algumas microrregiões onde o “campo” está mais fértil para a atuação com essas atrizes e, em outras, estão em p
rocesso de construção de caminhos a serem potencializados. Na Borborema, onde apresenta-se mais sensibilidade para esse trabalho com mulheres, representantes do Centro de Estudos Bíblicos- CEBI, Projeto Escama de Peixe, da Pastoral da Criança, da Pastoral da Pessoa Idosa, da Pastoral da Saúde, da Pastoral da Mulher, a Rede se faz espaço de aconchego e “chão” para uma incipiente proposta de formação política com o objetivo de fortalecer e ampliar a articulação na perspectiva da equidade de gênero e que possibilitem-lhes relações iguais para o enfrentamento a todas as formas de violência que vêm sofrendo. No Sertão paraibano a temática “gênero” nos agrupamentos de mulheres, também incipiente vem ganhando espaço, sendo trabalhada nas oficinas. Na Zona da Mata há uma sensibilidade para verificar onde e com quem devem ser fortalecidas essas ações.

 

A recorrente preocupação com o fortalecimento dos coletivos microrregionais como instâncias de fortalecimento da organicidade da rede tem sido prática no Estado. A Zona da Mata, está trilhando o caminho de nuclear um coletivo com a presença de educadores/as e de lideranças das organizações e movimentos parceiros. Na Borborema “os atores sociais” que compõem a RECID têm se esforçado para manter-se enquanto espaço de articulação, ancorando-se na prática da gestão compartilhada e da leitura conjunta da realidade. No Sertão Paraibano, novos espaços foram constituídos para dar conta das crescentes necessidades. Destarte, Grupos de Trabalho (GT´s) dedicados à Comunicação interna e externa e na condução dos processos pedagógicos foram criados.

 

A articulação política com organizações e movimentos sociais tem sido outro desafio no Estado consonante com as prerrogativas nacionais. Não é tarefa muito fácil, numa conjuntura nacional de amplo isolamento dos movimentos sociais “tradicionais” , articular estes em rede, enquanto estratégia de fazer movimento. Mas temos conseguido construir diálogos, atividades conjuntas e composições com a Assembleia Popular, especificamente na Zona da Mata e com os agrupamentos que tem realizado o Curso de Realidade Brasileira no Sertão Paraibano. O espaço do Grito dos Excluídos também tem proporcionado esse ambiente de articulação entre as várias Organizações e Movimentos Sociais no Estado. Com essas motivações é que nos esforçamos para a REDE ser este espaço aberto, onde organizações, movimentos e militantes dessas origens possam se fazer presentes para fortalecer e construir processos alinhando-se as bandeiras das lutas sociais e políticas populares.

 

Contudo, a Recid está atenta aos limites e fatores que oportunizam as fraquezas para identificar onde pode transformá-los em possibilidades e fortalezas. Claro que essas projeções não são simples, como, porventura, tenha sido a composição dessa frase, mas cabe a todos os atores sociais desafiarem-se a superar os obstáculos e fazer brotar o “novo” em suas intervenções na realidade que é dialética e se move a cada instante. As coisas nunca são do jeito que são, nem aparentam o que são, nem o são por muito tempo, assim a Recid foi provocada na última discussão sobre os “nós” em sua última reunião do Coletivo Estadual Ampliado.

 

Com esse espírito a Rede na Paraíba continua pisando o chão do Nordeste Brasileiro, mais precisamente nas areias e torrões do Estado do lutador João Pedro Teixeira e da lutadora Margarida Maria Alves, e vários outros lutadores e lutadoras, colaborando com o “semear” de um outro Projeto Popular para o Brasil, em construção, associado às várias reflexões de organizações e movimentos sociais do Brasil, e que ainda precisa ser empoderado pelos educadores/as e lideranças que compõem os movimentos dessa Rede, para que essa construção seja mais eficaz e encarne o clamor dos oprimidos. Não podemos esquecer que os punhos, os instrumentos e os corpos que fazem parte dessa realidade e que deverão ser utilizados como protagonistas dessas mudanças, têm na RECID a educação popular como um meio para chegar à direção a ser alcançada. Mas, o mérito deste alcance está sob responsabilidade de todos e todas – parte desta Rede – e também de outros atores que têm as mesmas afinidades.

 

O sonho de uma nação equilibrada socialmente, politicamente, economicamente, ambientalmente e culturalmente, sob égide do “Bem Viver”, depende do tamanho de nossa marcha e, conforme ressaltamos nas primeiras palavras desta carta, “o meu modus vivendi é fruto da inquietude. Na verdade sou o efeito colateral da receita…”

 

Calorosamente,

 

RECID PB.

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