DASLU E DASPU

Image No país das contradições chamado Brasil, fora as derrapadas éticas, talvez não tenha acontecido este ano nada mais chocante e ao mesmo tempo esclarecedor sobre o nosso país do que o caso DASLU – a loja mais chique, cara e sofisticada da ‘pátria amada, salve, salve’, onde qualquer peça de roupa, a mais simples blusa, camisa ou bermuda, não custa menos de dois, três mil reais. Fica nos Jardins de São Paulo e inaugurou, na metade do ano, seu novo espaço de meia dúzia de andares, com estacionamento pago a trinta reais, tendo ampla repercussão na imprensa e presença de autoridades no evento. DASLU E DASPU <!– @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0cm; text-align: justify } –>


Selvino Heck

No país das contradições chamado Brasil, fora as derrapadas éticas, talvez não tenha acontecido este ano nada mais chocante e ao mesmo tempo esclarecedor sobre o nosso país do que o caso DASLU – a loja mais chique, cara e sofisticada da ‘pátria amada, salve, salve’, onde qualquer peça de roupa, a mais simples blusa, camisa ou bermuda, não custa menos de dois, três mil reais. Fica nos Jardins de São Paulo e inaugurou, na metade do ano, seu novo espaço de meia dúzia de andares, com estacionamento pago a trinta reais, tendo ampla repercussão na imprensa e presença de autoridades no evento.

Não demorou muito, a Polícia Federal, que vinha fazendo investigações há mais de dez meses, desvendou o que havia por trás das paredes da moda fashion de luxo: a falcatrua, a sonegação fiscal, a fraude de impostos devidos e não pagos. A proprietária é presa por algumas horas para as devidas explicações, responde a processo e todas as dondocas e deslumbradas deste país, que compram na DASLU ou em Miami, protestaram e choraram porque seu padrão de consumo fora desvendado na mentira, na fachada de ilusões, no desperdício, que nem as lojas mais ricas dos países mais ricos são capazes de ostentar. Só no Brasil, nação com a quarta maior (e pior) concentração de renda do mundo, abaixo apenas de três países dos mais pobres e famintos da África.

Paralelamente, as prostitutas do Rio se organizaram e criaram a DASPU, com modelitos próprios, num confronto entre opulência e preconceito, ostentação e necessidade de sobreviver com dignidade.

A DASLU – ironia da história – processou a DASPU por desrespeito, concorrência desleal, enquanto os mais pobres entre os pobres não têm emprego, trabalho, não ganham sequer um salário mínimo de trezentos reais para comer e viver.

Em tempos de Natal e Ano Novo, o profeta desarmado não pode deixar de rir e chorar ao mesmo tempo. Rir porque o templo iluminado com mil luzes mostrou suas sombras e seu cheiro podre. Chorar porque os deserdados desde sempre, negros, indígenas, mulheres, trabalhadores, que ganham o pão com o suor de seu rosto, estão na luta por dignidade, conquistada com o esforço de cada dia, com o trabalho na faxina das casas, a aragem da terra, a batalha cotidiana das ruas e beiras de estradas.

Mas quem mesmo vive e sobrevive? Quem é o vencedor da história e tem esperança e futuro? Quem ilumina o amanhã?

Este país precisa superar muitas coisas. Mas ter a DASLU desvendada e a DASPU reconhecida e fazendo sucesso foi uma das melhores e imemoráveis histórias de 2005. Que 2006, com sua criatividade, infância e juventude, possa mostrar as raízes do povo, as raízes da vida, o amanhã de um povo que só quer ser gente e ter soberania. E não quer só comida, mas também cultura e arte. Não quer só matar a fome, mas também saciar a sede de beleza.

Selvino Heck

Assessor Especial de Mobilização Social Presidente da República

22/12/2005

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