A experiência de Rede de Educação Cidadã em São Leopoldo (RS)

ImageA equipe do Departamento de Inclusão Econômico-Social – DIES da SACIS, integrante da rede de educação cidadã, num esforço coletivo de montar um programa que desse conta de um contingente de pessoas até então desassistidas por qualquer órgão público, ou então, atendidas de forma ainda descontinuada, preparou a proposta de Programa articulado em três eixos de ação (organização da cidade, educação cidadã e educação profissional) de caráter transdisciplinar e transversal. A EXPERIÊNCIA DA REDE DE EDUACAÇÃO CIDADà EM SÃO PAULO <!– @page { margin: 2cm } P.sdfootnote-western { margin-left: 0.5cm; text-indent: -0.5cm; margin-bottom: 0cm; font-size: 10pt } P.sdfootnote-cjk { margin-left: 0.5cm; text-indent: -0.5cm; margin-bottom: 0cm; font-size: 10pt } P.sdfootnote-ctl { margin-left: 0.5cm; text-indent: -0.5cm; margin-bottom: 0cm; font-size: 10pt } P { margin-bottom: 0.21cm } A.sdfootnoteanc { font-size: 57% } –>


A EXPERIÊNCIA DA REDE DE EDUACAÇÃO CIDADÃ1 EM SÃO LEOPOLDO

Dezembro 2005

Rita de Cássia Machado2

A equipe do Departamento de Inclusão Econômico-Social3 – DIES da SACIS, integrante da rede de educação cidadã, num esforço coletivo de montar um programa que desse conta de um contingente de pessoas até então desassistidas por qualquer órgão público, ou então, atendidas de forma ainda descontinuada, preparou a proposta de Programa articulado em três eixos de ação (organização da cidade, educação cidadã e educação profissional) de caráter transdisciplinar e transversal.

Trata-se de um programa que reúne elementos políticos, pedagógicos, metodológicos com uma intencionalidade e uma direção definida, cujo foco principal é o público que vive em condições sociais subumanas, algo inadmissível numa cidade como São Leopoldo. Mas, ao mesmo tempo em que há orgulho e motivação para um programa inovador, há também, uma série de inquietações e alguns diálogos que se fazem necessários. Esse diálogo não está pronto e, por isso mesmo, podemos oportunizar um bom debate, primeiro porque há uma enorme dificuldade dessa parcela da população pensar alternativas quando passaram boa parte de suas vidas sem nenhuma perspectivas de futuro ou, no máximo, com a certeza de que, “algum dia alguém irá me tirar dessa situação” como relata uma das educadoras do Programa. Na verdade, trata-se de cerca de cinqüenta mil leopoldenses, na sua grande maioria mulheres, catadores de alimentos em lixeiras, albergados,portadores de HIV, moradores de rua, portadores de saúde mental, em fim, adultos de 17 anos aos 65 anos, com muitos filhos que vivem na mais pura espera vã e sistêmica.

Nesse instrumento, apresentamos uma sistematização desta, com depoimentos e experiências de educandos-trabalhadores, educadoras, monitores e equipe de coordenação.

“Vá até as pessoas. Aprenda com elas. Viva com elas.

Ame-as. Comece com aquilo que elas sabem.

Construa com aquilo que elas têm” (Freire, 2003, p.229).4

As palavras de educador Paulo Freire demonstram os caminhos que o Programa começa a trilhar. O despertar de um povo! Um povo que por muito tempo ficou a margem, hoje é convidado a construir junto. Inicia-se um processo lento, difícil, necessário sobretudo urgente. Este é um movimento de educação cidadã, que busca uma mudança social de caráter emancipatório.

Constata-se que as políticas públicas de cunho emergencial, que oferecem bolsas, não são suficientes para mudar esta situação (apesar de responder a uma necessidade imediata que é matar a fome). Faz-se necessárias ações como esta de cunho estratégico que dê conta, a médio e longo prazo, de redimensionar o atendimento aos desempregados e dependentes de bolsas com o sentido de capacita-los, orienta-los e acompanhá-los para eu organizem-se em empreendimentos coletivos. Somando-se à esta medida, uma política de fomento e incentivo das iniciativas populares de geração de trabalho e renda.

Estas medidas viriam a fortalecer a Economia Popular e Solidária que tem se consolidado como um setor da sociedade que se organiza em torno do combate à exclusão social e ao desemprego, gerando trabalho e dignidade para as pessoas, distribuindo renda a partir da criação de espaços de trabalho, mudando os rumos da atividade econômica do país e a realidade social e política na perspectiva da construção de um projeto de desenvolvimento voltado para a sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Organizar a classe trabalhadora desempregada ou em extrema situação de risco e miserabilidade para a reflexão e discussão de alternativas na área de geração de trabalho e renda deve ser um compromisso e responsabilidade. É também, uma tarefa prioritária e estratégica na perspectiva de que estas famílias superem uma situação de dependência de bolsa pra uma situação de construção de autonomia e cidadania, tornando-se sujeitas da transformação de suas vidas, como também da situação social em que vivemos.

Os processos de educação popular transformaram-se num espaço permanente de formação e educação pra os servidores5, educadores6 e para a população. Estes estão desempenhando suas atividades dentro da metodologia de construção coletiva, permitindo o desenvolvimento das capacidades individuais de reflexão coletiva, necessária para buscar alternativas no combate a miséria e a fome no município de São Leopoldo.

Vislumbra-se o começo de um processo de formação de empreendimentos em Economia Popular Solidária, compostos a partir do levantamento das habilidades e dos depoimentos dos trabalhadores – educandos, estes estão se aproximando por interesses e sonhos comuns trabalhados pelas educadoras no processo de educação cidadã.

O Programa está colaborando com a reflexão sobre as políticas voltadas para atender a população mais necessitada, b
em como ajudando a construir uma grande rede no município. Provocando o desenvolvimento do senso crítico das pessoas envolvidas no programa incentivando a autonomia e a auto organização dos trabalhadores em relação às formas tradicionais de sociedade estabelecidas nas relações de trabalho. “Partimos do diálogo sobre a vida destes trabalhadores e da convivência em gruo. E despertando um assombro sobre si mesmo e sobre o grupo. ‘estamos descobrindo que sabemos coisas que não sabíamos que sabíamos’… ‘a gente gostou de lembrar de coisas que tínhamos esquecido.’ Conversamos sobre quem somos sobre o lugar de onde viemos sobre história de vida de trabalho de cada um e relacionado com a história do país. Percebemos que a maioria de nossos trabalhadores excluídos do mercado de trabalho veio do interior em busca de um espaço nas indústrias que foram falindo em São Leopoldo devido também as decisões políticas que foram tomadas ao longo da história de nosso país”. Refletimos sobre o que se produziu de relações com a industrialização e da importância de resgatar a convivência com as pessoas e com o grupo.

O Programa nos possibilita avaliar constantemente o cotidiano deste trabalho através das formações dos participantes (monitores, educadores e famílias) envolvidas no programa, este processo tem como objetivo a construção de cidadania destas famílias.

Mesmo que ainda de forma embrionária, amplia a atuação de intermediação das secretarias por meio dos trabalhos de limpeza, da formação e dos processos de participação direta de todos envolvidos no programa, proporcionando aos trabalhadores oportunidades de repensarem o trabalho como direito re-conceituando, resgatando a cidadania. Cria oportunidade para que  os(as) trabalhadores enxergarem-se como sujeito, possibilitando a crítica deste modelo, buscando novas formas de trabalho que valorizam as habilidades e saberes acumulados ao longo de suas existências.

Este programa “provoca, e planta uma semente, mas a mesma tem um tempo e um processo de desconstrução e construção de alternativas, processo de grupo importante de ser respeitado e cuidado como o de uma vida, que tem naturalmente seus ciclos, de prazer e de dor”. O programa então desafia a uma mudança de posturas clientelistas e patriarcais em postura democrática e de participação, não negando conflitos, mas transformando-os em consciência crítica na busca do desenvolvimento humano e social através da participação, diálogo.

Os objetivos que permeiam cada encontro de formação de formadores e de Formação dos Monitores, os FFs e os FMs, como chamamos, “desencadeiam semanalmente uma série de reflexões, questionamentos e busca permanente de nova atitudes, posturas e concepções acerca de nossas próprias construções e “pré” conceitos com as diferentes realidades dos trabalhadores. Nas palavras das educadoras percebemos isso: “Exemplo disto é meu espanto ao escutar, depois de ter realizado uma leitura dinâmica do texto “A águia e a galinha” de Leonardo Boff, de um trabalhador, Sr. J.(58 anos) de Lima, a sua opinião que sistematizava em pouquíssimas palavras o que eu tentear dizer até então naquele primeiro encontro: “A galinha cisca para trás e a águia voa. É da natureza de cada um fazer o que faz, mas neste caso se a águia não tivesse sido incentivada para enxergar o que é e ir pra frente, a história terminaria diferente… tenho a 5ª série, 58 anos e ainda quero aprender a ser águia!”. E ainda outro relato do Sr. F., negro e que apresenta sintomas de alcoolismo, me explicando o que fazia em um Curtume (algo que para mim era desconhecido/novo), dizendo a função de cada máquina que havia desenhado, e como manuseá-la, qual o processo que o couro deveria passar para ficar macio e da cor desejada… foi uma experiência marcante, uma escuta atenta também ao que ele dizia, mas principalmente à grande capacidade que tinha de relatar, prender nossa atenção, fazer-nos parte daquele mundo tão distante de mim e de outros, organizar os saberes e produzir em nós outros Saberes.

O serviço público está tornando-se através do Programa uma possibilidade de acesso da população empobrecida aos programas do governo municipal relacionados a diferentes áreas, provocando assim a necessidade de ampliação de outras, como por exemplo, a construção de uma política publica de geração de trabalho e renda para município. Busca-se aproximação contínua e os intercâmbios entre o sistema público e os trabalhadores.

A proposta política pedagógica do programa possibilita a integração de múltiplas visões sobre o mundo do trabalho e sobre vida real das pessoas, buscando o diálogo entre órgão público e sociedade civil. Visa a construção de alternativas políticas de organização popular e desenvolvimento econômico-social sustentável para o município de São Leopoldo. “Estamos vivendo junto com estas pessoas um novo tempo, exigindo de todos que participam de forma comprometida deste programa o anuncio dos princípios e valores de solidariedade, respeito fraterno ao próximo e a dedicação à causa da transformação social no empenho coletivo na construção da nova cidade”.

“Desde que na prática começamos a estar com os trabalhadores, sentirmos suas dificuldades, sua realidade, ouvir seus depoimentos, suas histórias de vida, abraçá-los, tornarmos amigos, despertar sua curiosidade, questionar, contar-lhes histórias de tempos que eles mesmos viveram e sentiram, mas não deram conta de sua importância, instigar-lhes ao sonho e ao compromisso sincero com o Programa, tem sido um dos muitos momentos em que percebemos maior “sintonia” entre objetivos e resultados, Seus sorrisos marcados pelas dores desta vida, motivam a construção de relações sérias de comprometimento com o trabalho, traduzem em poucos gestos que estas relações valem a pena, podem ser diferentes e mais próximas da verdadeira felicidade”.

Temos a dizer que o programa tem sido uma oportunidade única e concreta de produção e troca de saberes, recheada de mística, luta, companheirismo, escuta, reflexão, cheiros, sabores… Tem sido uma espécie de “terapia” como relata Iara Maria Rodrigues do Nascimento, mulher, sofrida, desempregada, “lugar em que temos quem nos ouça…”, tem sido uma espécie de lupa de olhar a dura realidade e construir sonhos, certezas, relações de amizade, vida e trabalho.


 

1 A rede de Educação Cidadã é uma articulação de diversos atores sociais, entidades e movimentos populares que assumem solidariamente a missão de realizar processos sistemáticos de sensibilização, mobilização e educação cidadã junto à população leopoldense, promovendo a participação ativa e consciente na formulação e controle social nas políticas estruturantes de segurança alimentar e nutricional, incentivadas pelo Fome Zero, na superação da Miséria, afirmando um projeto popular, democrático e soberano de nação.

2 Educadora da Rede do Talher

3
Rita de Cássia Machado – Responsável pelo programa de formação cidadã do DIES – Departamento de Inclusão Social. Partilhou com a Rede a experiência de Nucleação de Famílias em São Leopoldo-RS.

4 Freire, Paulo. O caminho se faz caminhando. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

5 Secretarias envolvidas SEMMAN, SEMOV, SENORTE, SELESTE e SMED.

6 Educadores da Rede: Karine do Santos, Sabrina de Souza, Marilene Danos, Cristiane Berlim

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